A dor e o fascínio da existência

Lisandro Nogueira

Criar um Café de Ideias é uma atitude elegante, sincera e política de ver o mundo com suas dores lancinantes e seu fascínio irresistível. Sempre fui contagiado pela fala inteligente dos filósofos, psicanalistas e observadores das angústias e alegrias humanas. Por isso, como intelectual público, professor há 31 anos, não poderia deixar de aceitar o convite do professor Nars Chaul para criar um centro de debates e reflexão no Centro Cultural Oscar Niemeyer (CCON).

Desde o surgimento do Cineclube Antônio das Mortes, no final dos anos 1970, no qual fui formado para gostar e trabalhar com cinema, me coube, por temperamento e compromisso com a formação pela cultura, o lugar privilegiado e excitante de agregar, envolver e promover alguns debates públicos. Vários deles surgiram após o lançamento de filmes ou mostras de cinema.

Tenho agora um desafio diferente. O Café de Ideias, que começa amanhã, 19h30, com entrada franca e conferência do filósofo Renato Janine Ribeiro, será apenas com a “lâmina da voz”. Sem o amparo do cinema, velho companheiro, estamos propondo seis conferências neste semestre (Renato Janine, José Miguel Wisnik, José Arthur Giannotti, Eliane Brum, Luiz Felipe Pondé e Cristian Dunker). Para 2013, realizaremos mais doze conferências, além de seminários locais já programados com os cursos de filosofia e comunicação da UFG.

O eixo principal é o debate sobre temas contemporâneos. Sabemos que existe uma efervescência econômica no País. Há tempos, apesar de todas as oscilações, temos vivido num ambiente democrático. Minha geração sequer imaginava, nos anos 1980, que poderíamos ver vicejar tantos canais para a liberdade de expressão e o fortalecimento de instituições públicas e privadas de extrema importância.

Para além do fascínio com as novidades, enfrentamos também velhos e complexos problemas. Se o Brasil vive um momento muito bom na economia e tantas pessoas consomem e participam dos confortos da modernidade (tecnologias, automóveis), há, por outro lado, a eclosão da violência, que lembra guerras civis; o crescimento desordenado das cidades, que gera insegurança e elevados níveis de estresse por causa da mobilidade atravancada; a precariedade e a ineficiência de serviços públicos (principalmente na saúde e educação); e o medo constante que parte da realidade e alcança o imaginário – cerne para doenças psíquicas graves e desordens afetivas de extremo significado.

Como os gregos na Antiguidade enfrentavam seus problemas? Quando do surgimento da Pólis (a cidade-Estado) a ideia da participação pública nas decisões políticas veio acompanhada da reflexão filosófica. Essa reflexão e muitas batalhas fizeram surgir, apesar da exclusão existente que beneficiava poucos cidadãos, o ideal de democracia e o ideal da cidadania.

Foi esse modelo que fez avançar a civilização ocidental. Com ele podemos, pelo menos, construir utopias e atenuar e cercar brutalidades sem fim do ser irracional. As ditaduras são cruéis não só porque usam da força das armas, mas, principalmente, porque calam as vozes da Pólis.

Hoje, as vozes da Pólis são mais ouvidas. Mas há também o desencontro das vozes: muita gente fala, mas poucos são ouvidos. Assim, os rumores da reflexão sobre a dor e o fascínio do mundo contemporâneo ficam trancafiados em poucos espaços. Abri-los, alargá-los, é tarefa fundamental.

Como os gregos, podemos fazer de um Café de Ideias o local ideal para debater e propor iniciativas generosas e desafiantes. Por isso, vamos ouvir várias vozes, dos conferencistas (de todos os matizes: esquerda, centro e os conservadores) e a nossa própria, esperando que a “fala acumulada” de todos nós – pelos traumas do combate da luta cotidiana – possa transbordar e reverberar visando construir novos sentidos e significados para a dor e o fascínio da existência.

Lisandro Nogueira é doutor pela PUC-SP, mestre em Cinema pela USP, professor na Facomb-UFG e comentarista de cinema na TV Anhanguera