Roteiro de mortes anunciadas

Box com oito filmes sobre o acidente com o césio 137 será lançado hoje no Cine Lumière

Nelson Xavier como Devair, dono do ferro velho onde foi aberta a cápsula do césio, em Césio 137 – O Pesadelo de Goiânia

 

 

Aquele que ficou conhecido como o maior acidente radioativo do mundo ocorrido em área urbana será lembrado hoje à noite com o lançamento de um box com oito filmes, a maioria de autores goianos. Todos, sob diversas perspectivas, abordam a tragédia com o césio 137, da poesia triste de uma menina encantada com um brilho azul à denúncia seca e dura sobre o descaso e incompetência das autoridades, passando pelas sequelas físicas e emocionais que ficaram nos sobreviventes.

O evento será realizado às 20 horas no Lumière Bougainville, onde será exibido o longa Césio 137, O Pesadelo de Goiânia, do diretor baiano Roberto Pires. A entrada é franca.

A caixa com oito filmes é um projeto da Associação do Cinema Independente de Goiás e foi idealizada por Ângelo Lima, diretor de um dos filmes. “O objetivo é não deixar cair no esquecimento a tragédia que assombrou a cidade, o País e o mundo no ano de 1987”, explica o diretor.

Por outro lado, continua, o projeto busca também mostrar de que maneira a sétima arte é capaz de nos fazer compreender, de perspectivas diversas, os vários aspectos envolvidos no acidente. “Até hoje ele deixa suas marcas expostas na vida de milhares de pessoas, dos sobreviventes que se tornaram vítimas diretas ou indiretamente do acidente”, completa Ângelo Lima. Os filmes foram produzidos de 1989 a 2011.

DATA

Embora a tragédia tenha como data marcada o dia 27 de setembro, quando as autoridades ficaram sabendo oficialmente do acidente, o dia 13 também tem sido utilizado porque foi instituído o Dia Nacional dos Radioacidentados. “Pois foi nesta data que os catadores de material reciclado entraram nos escombros da antiga Santa Casa e retiraram de lá a cápsula de chumbo que continha o material radioativo”, explica o diretor.

O evento de lançamento do box de filmes também contará com uma exposição de fotografias. Foram confeccionadas 400 caixas do box Césio 25 anos. Segundo a Associação do Cinema Independente de Goiás, a maioria delas será distribuída para entidades públicas e privadas, como escolas, universidades, bibliotecas e museus de Goiás e de outros Estados.

POESIA

Diretor do filme O Anjo Azul, incluído no box, o fotógrafo e documentarista Nelson Santos acompanhou o acidente desde quando o fato se tornou público. “Trabalhava para um jornal na época e fui fazer a cobertura do caso. Foi chocante ver as pessoas passando pelo medidor de radioatividade no Ginásio Rio Vermelho, toda aquela discriminação”, recorda-se.

Ele teve a ideia de fazer um filme sobre o tema desde quando participou da Rio-92, quando percebeu a amplitude da tragédia. “Só que eu não queria fazer um filme de entrevista, debate, narração e tal, queria algo mais poético”, rememora.

O sonho de realizar o filme só se concretizou dez anos depois, no começo dos anos 2000. “Queria fazer algo na linha da ficção, porque tudo já havia sido documentado sobre o césio. Então caí num veia mais abstrata, envolvendo música e dança, mas que deixasse claro uma mensagem para o público sobre o sofrimento real das vítimas”, resume o diretor.

Para ele, a tragédia das vítimas diretas e indiretas, apesar de tudo, corre o risco de desaparecer ou perder seu impacto. “Os sobreviventes, por temer o preconceito, que persiste, estão se recolhendo”, acredita Nelson Santos.

Já Michael Valim, diretor de Rua 57 Número 60 Centro, observa que, entre os papéis da arte, está o de trazer à tona coisas que a memória da cidade tenta esconder. “Fui convidado para dirigir o filme pelo grupo Vida Seca e pelo grupo de dança ¿Por Quá? e me integrei ao projeto de fazer um ato político sobre a tragédia. Acredito que as autoridades usam muito a imagem da Leide das Neves como um mártir para disfarçar o descaso do poder público em relação à questão no passado e no presente”, diz ele, que também é especialista em Filosofia da Arte. “Por isso o filme é um pouco ruidoso e foi feito com a intenção de incomodar. O que aconteceu ali foi muito forte, não pode ser amenizado. Um povo sem memória está fadado a repetir os erros de seu passado”, diz o diretor, que é graduado em Rádio e TV e trabalha na TV UFG.

Lançamento: do box de filmes Césio 25 anos

Data: Hoje, às 20 horas

Local: Cinemas Lumière Bouganville (Rua 9, Setor Marista)

Entrada franca

 

Fuente: O Popular