Cada vez mais quente e seca

Nos últimos 50 anos, Goiânia sofreu no clima consequências da falta de planejamentourbanístico

Em 1961, Goiânia era uma capital com 168 mil habitantes e estes já sofriam nos meses de inverno com o tempo seco, em que a umidade relativa do ar, em média, chegava a 46% e os termômetros registravam até 30ºC. No entanto, os goianienses desta época que ainda estão vivos devem sentir saudade. Em 2008, os mais de 2 milhões de habitantes da Região Metropolitana de Goiânia conviviam com umidade média de 40% e temperatura máxima de até 31ºC.

Este resultado está na tese de doutorado “A influência da relação solo/atmosfera no comportamento hidromecânico de solos tropiciais não saturados: estudo de caso - município de Goiãnia-GO”, realizada pela professora de Climatologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Gislaine Cristina Luiz. O estudo foi realizado na Universidade de Brasília (UnB) e orientado pelo professor Luis Fernando Martins Ribeiro.

Gislaine explica que, até então, havia apenas informações metereológicas, mas nada que traçasse as interferências e causas, como o efeito da urbanização na temperatura, umidade relativa do ar e das chuvas. Nos 48 anos analisados, a professora buscou dados diários e traçou as médias. Pelo estudo é possível verificar que tanto a temperatura máxima quanto a mínima aumentaram neste período, sendo que a última o fez de forma mais acintosa.

Enquanto a temperatura máxima em Goiânia variou por até 1ºC neste período analisado pela pesquisa, a mínima saiu de 17ºC para 19ºC. Isso levado em conta a média anual. Se verificado apenas a estação de inverno - sendo esta a mais quente e seca do ano -, em 1961 a temperatura mínima foi de 13ºC enquanto que em 2008 os termômetros registraram a média de 16ºC.

A umidade relativa do ar segue a mesma tendência: é menor no inverno. Em todo o ano, a média em 1961 era de 65,5% e chegou a menos de 61% no último ano pesquisado. No inverno, o tempo fica ainda mais seco a cada ano. No início da década de 1960 o dado encontrado foi de 46%, enquanto no final da década de 2000 foi de 40%. Todos estes números variam bastante no decorrer dos anos, mas a pesquisa garante a tendência de queda, assim como o aumento na temperatura.

JUSTIFICATIVA

Gislaine Luiz explica que o tempo quente e seco nas estações de outono e inverno é natural em Goiânia. A justificativa é a influência da massa de ar Tropical Atlântica (Ta), que “confere estabilidade do ar, dia ensolarado e ausência de precipitação e a insolação”, este atinge seus valores máximos em torno de 270 horas no mês. Se ocorresse apenas esse fenômeno, haveria tempo quente e seco, mas não a tendência de piora nos últimos 50 anos.

Este outro fenômeno é consequência da “destituição da cobertura vegetal, crescimento da cidade, impermeabilização das superfícies, tráfego de veículos automores” e falta de planejamento para a arborização. A professora acredita que a arborização de Goiânia é um mito, ou seja, funciona em quantidade, mas falha na distribuição da cidade.

Concentrada em algumas regiões, especialmente bairros nobres, a arborização causa o que cientificamente se chama de “efeito oásis”, ou seja, em um lugar específico se tem uma sensação térmica melhor do que em outros. Para confirmar, Gislaine informa que uma pesquisa de graduação mediu a temperatura no mesmo dia e horário na Praça Joaquim Lúcio, em Campinas, e no Parque Flamboyant, no Jardim Goiás.

Os alunos de Gislaine verificaram que o Parque Flamboyant é capaz de produzir o que se chama de “efeito oásis”, apresentando temperaturas até 8ºC menores do que aquelas verificadas na Praça Joaquim Lúcio. Na tarde de ontem, Paula Pereira, costureira de 27 anos, se refrescava com um sorvete e uma garrafa com água na Praça Joaquim Lúcio. Para ela, a cada ano ela sente que a cidade tem ficado mais quente, mas ela afirma que na Região Noroeste, como na Vila Mutirão, a sensação térmica é ainda maior.

Já no Parque Flamboyant, as pessoas aproveitam para se refrescar. O técnico de manutenção de máquinas Thúlio Márcio da Silva, de 21 anos, e a atendente de televendas Kathysuele Bento dos Santos, de 20, aproveitaram a tarde no gramado do Parque. “Aqui é bem mais fresco mesmo, a gente sempre vem para cá fugindo do calor, é só sentar na sombra que refresca”, conta Thúlio.

Ou seja, a pesquisa indica que regiões de maior cobertura vegetal tem melhor qualidade do ar, tanto em relação à umidade relativa quanto à temperatura, especialmente, no período mais crítico do ano (outono e inverno). O fato, na visão de Gislaine, comprova a necessidade de um replanejamento de Goiânia, de modo que se dê mais importância à questão climática.

A professora lembra que essa questão deveria ser prioritária por atingir a todos, de maneira negativa. Como exemplo, a pesquisa de Gislaine verificou ainda que nesses 50 anos houve a manutenção do índice pluviométrico, no entanto a quantidade de dias de chuva diminuiu. Ou seja, quando chove, é de forma mais intensa, o que provoca alagamentos e erosões, como se tem em Goiânia nos últimos anos.

Source: O Popular