As profundas raízes da política goiana

Eleições municipais remetem à disputa histórica entre os grupos que dominam o poder no Estado desde o início do século passado

As eleições deste ano em Goiás reproduzem nos municípios uma histórica polarização entre duas forças políticas que remonta ao início do século 20. Em Goiânia, o PC do B, com a candidatura de Isaura Lemos, e o deputado Ronaldo Caiado (DEM) aliado ao ex-prefeito de Senador Canedo Vanderlan Cardoso, com a candidatura de Simeyzon Silveira, tentam quebrar essa dualidade, ainda representada na disputa na capital por dois candidatos, o prefeito Paulo Garcia, pelo polo PMDB/PT, liderado por Iris Rezende, e de outro, Jovair Arantes pelo grupo PSDB/aliados, que tem à frente o governador Marconi Perillo.

Apesar das especificidades de cada município, essa polarização pode ser vista em Catalão, com Adib Elias (PMDB) contra Jardel Sebba (PSDB); em Itumbiara, com o grupo do prefeito José Gomes da Rocha, aliado de Marconi, enfrentando o PMDB, representado na cidade pelo candidato Gugu Nader.

A eleição em Rio Verde até traz um ineditismo, o apoio do DEM a seu histórico adversário local, representado pela candidatura do petista Karlos Cabral, por conta do rompimento do DEM com o prefeito Juraci Martins, que trocou o partido pelo PSD no ano passado. Fora essa conjuntura, os dois grupos históricos continuam a se enfrentar.

O mesmo enfrentamento entre históricos adversários ocorre em Aparecida de Goiânia, Anápolis e em Jataí. O cientista político Itami Campos diz que a dualidade eleitoral em Goiás começou em 1930, portanto há 82 anos e que ela é fruto de “uma cultura política conservadora.”

O PT tentou abrir espaço entre esses dois polos, mas não conseguiu. Sua melhor votação em Goiás foi em 2006, quando a candidata Marina Sant’Anna recebeu 15% dos votos. Agora o partido aliou-se a um dos lados, o PMDB.

“O PT, para crescer em Goiás (à exceção de Goiânia), abriu mão de plataformas que o levavam para o socialismo/radicalismo. O lulismo o tornou igual aos demais”, afirma Itami. Ele acredita que é possível que outros nomes disputem e ganhem com um discurso diferente, mas acha difícil que se consolidem. “Veja-se o governo Alcides Rodrigues”.

O historiador Nasr Chaul acha que a origem da polarização é ainda mais antiga. “A formação dos partidos, desde a Primeira República, oscilou entre o Partido Democrata (Caiado-Jardim) e o Partido Republicano (Bulhões-Jaime). Depois transitou do bulhonismo ao caiadismo e deste ao ludoviquismo já nos anos 30”, afirma.

Segundo Denise Paiva, professora de Ciência Sociais da UFG, os anos 90, são marcados por dois fatos relevantes, o multipartidarismo - possibilitado em parte pelo novo quadro político surgido com o declínio do PMDB na derrota de Iris Rezende em 1998 - e pelo consequente início da polarização entre PSDB e PMDB.

Professor da PUC–GO, Sílvio Costa acrescenta outro fator aos apresentados pelos demais pesquisadores, as famílias tradicionais. Pedro Célio Alves Borges, cientista político e professor da UFG, considera que no período precedente ao golpe de 64, a resposta lógica ao insucesso das tentativas de quebrar a polarização encontra-se na “interrupção forçada dos processos de diversificação social que produziam impactos na estrutura partidária”. “Depois, com as eleições do período da democratização dos anos 1980, entramos no atual período preservando as polarizações, com pequenas mudanças em alguns satélites dos grupos e legendas principais.”

Duas forças resistentes
Confira um resumo das análises feitas por Itami Campos, Nasr Chaul, Denise Paiva, Sílvio Costa e Pedro Célio –<CW-25> cinco pesquisadores da história política goiana – a respeito da origem e da resistência da polarização em Goiás .

 

Itamir Campos
Cientista político, vice-reitor da UniEvangélica, de Anápolis, e pesquisador da política em Goiás.

 

Os partidos nacionais (PSD e UDN) polarizam a partir de 1930, especialmente a partir de 1945. Em Goiás, o PSD, aliado ao PTB, governam e controlam a máquina estadual até pelo menos 1965 (26 de novembro de 1964). A UDN, que depois se coliga com o PSP e as Oposições Coligadas, forma o outro bloco político, composta principalmente por inimigos do Pedro Ludovico e de ex-amigos insatisfeitos. Só em 1947 a oposição vence com Coimbra Bueno em função da dissidência pessedista. Depois, a UDN não teve mais chance de governar.
 
Depois de 1965, pós AI-2, a extinção dos partidos e com o bipartidarismo, as coisas na política continuam com antes. Quem era UDN vai para a Arena e o grupo chega ao governo. Quem era do PSD vai para o MDB e, mesmo com as divergências, os polos continuam.
 
Na redemocratização, e depois da rigidez do regime militar, o MDB/PMDB goiano vence, e continua a polarização. Mesmo com o surgimento de outros tantos partidos continuam as sublegendas que acomodam interesses e formas de atendimento quando um grupo chega ao governo, pois no poder eles sempre estão ou procuram estar.
 
 
Nasr Chaul
Historiador e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG)
 
Outra razão, mais contemporânea, está em que nenhum partido está representado por questões ideológicas extremamente divergentes. Todos eles são compostos de partícipes que pertencem a correntes múltiplas de pensamento político e que em quase nada se diferenciam. Assim, fica mais significativo o momento político e os interesses em jogo do que as divergências ideológicas. 
 
Os partidos que historicamente mais se estruturaram mantêm suas posições, capitaneados por dois grandes líderes que, por terem ficado tanto tempo no poder, tiveram chances de dar estrutura mais coesa aos dois grandes partidos. As terceiras vias surgidas não tiveram o mesmo contexto histórico e muito menos a estrutura política conseguida pelos dois grandes polarizadores, PMDB e PSDB. Não tiveram também lideranças ao nível de representação dos líderes partidários, Iris Rezende e Marconi Perillo. 
 
Terceira via para dar certo ou cria estofo político com História por trás ou conta com um desejo social amplo por mudanças em todos os setores. Não é o caso goiano onde a turbulência política não tem sido capaz de frear o desenvolvimento econômico.
 
 
Silvio Costa
Cientista Político e professor da PUC-GO
 
Há distinção entre a histórica polarização e a que surgiu pós-vitória de Marconi Perillo, em 1998. A partir desta data, ela deixa de ser mera repetição das disputas PSD x UDN. Considerando que o MDB/PMDB seja uma continuidade (em outro momento histórico e contexto) do PSD, a partir da saída de Henrique Santillo dessa sigla e da criação do PSDB, há nova configuração de interesses e de forças políticas. Todavia, mesmo que representando interesses diferenciados e apresentando-se com o discurso de ‘tempo novo’, é o mesmo com outra roupagem sem alteração significativa na prática política.
 
A principal mudança que ocorreu foi no grupo que foi UDN, Arena e PDS. A partir da derrota de 1982 esse grupo se estrutura em vários partidos e assim participa das disputas até 1998, quando então se aglutina em torno das outras duas forças (PMDB e PSDB)
 
Os chamados “herdeiros da velha UDN” tiveram perda gradativa de eleitores. Para sobreviverem e conquistarem espaços políticos a grande maioria se desvinculou de sua herança política de direita, assumindo posições identificadas com o centro e centro-direita, ou seja, tendencialmente, esse espaço político de direita, que tem origem na velha UDN, vem sendo reduzido gradativamente.
 
As demais forças políticas assumem papel coadjuvante. O PSDB, que se metamorfoseia rumo à direita consegue aglutinar em torno de si outras forças políticas de centro-direita e em algumas eleições, com altos e baixos, a própria direita herdeira da velha UDN. 
 
O que surge de novo nesse quadro político de décadas de polarização, principalmente após a reorganização partidária de 1979 e a liberdade de organização em 1985, são os partidos de centro-esquerda e esquerda. Aqui, o destaque principal é ocupado pelo PT, PSB e PC do B. O primeiro, mesmo apresentando acumulo gradativo de eleitores e estando no comando das duas principais prefeituras - Goiânia e Anápolis -, até o momento não conseguiu viabilizar uma alternativa própria de poder a nível estadual.
 
 
Denise Paiva
Cientista política e professora de Ciências Políticas da UFG.
 
A partir dos anos 90 o sistema partidário se tornou mais competitivo principalmente nas eleições para o Legislativo (Assembleia Legislativa e Câmara de Deputados). O multipartidarismo, restabelecido em 1979, como parte da agenda da transição política, se estabeleceu mais tardiamente em Goiás. Isso não quer dizer que outros partidos, aliás vários, tenham participado da disputa eleitoral nas diferentes modalidades, tornando a disputa eleitoral mais competitiva e plural.
 
Nos anos 90 teve início a polarização entre PMDB e PSDB que se tornou um dos principais eixos da disputa eleitoral no Estado capitaneadas pelas principais lideranças desses partidos, Iris Rezende e Marconi Perillo respectivamente. 
- Neste período, o PT ou qualquer outro partido não conseguiram indicar candidatos que ameaçassem a hegemonia dessas duas forças na disputa pelo governo estadual o que certamente contribui para manter a polarização entre PMDB e PSDB em Goiás e o papel protagonista que suas principais lideranças têm desempenhado se elegendo e reelegendo para o governo do Estado ou sendo os principais cabos eleitorais de seus sucessores.
 
Para além do capital político e liderança ou carisma que Iris Resende e Marconi Perillo possam ter, uma variável que ajuda a compreender e explicar esse cenário é o sistema presidencialista, no qual as eleições para o executivo acabam por estruturar e personalizar competição eleitoral. Após eleitos, os detentores desses cargos passam a gozar vários recursos políticos e de poder que lhes permitem ter controle e influência considerável na dinâmica política estadual, no caso dos governadores. Em muitos casos, a disputa é mais plural e competitiva e há uma maior circulação das elites políticas, o que não tem ocorrido em Goiás.
 
 
Pedro Célio
Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG
 
 Levanta alguns aspectos para os “fracassos” do multipartidarismo. Primeiro, a expressão bipartidária mantém-se bem mais nas eleições ao Executivo do que nas eleições ao Legislativo; segundo, a pluralidade nos municípios emerge com mais rapidez e nitidez do que nas eleições gerais, de escopo estadual.
 
Terceiro, um elemento de cunho sociológico ou estrutural: as sociedades que se modernizam e urbanizam tendem à diversidade e isso vale também para a representação política. Goiás tem se modernizado sobremaneira, com grande percentual de sua população já vivendo em cidades grandes, movimentadas e articuladas a circuitos econômicos e culturais de natureza nacional ou global. Isso pode ser visto em vários indicadores. Tudo leva a crer que aquele padrão bipartidário da representação partidária em Goiás é que permanece defasado, lento na mudança e incapaz de refletir a diversificação, como ocorre em outros Estados. <TB>Isso nos conduz a buscar fatores da própria instância política. 
 
Um quarto aspecto, então, eu procuro pensar através de um paradoxo singular: o nosso sistema eleitoral com dois turnos, que deveria favorecer à expressão partidária da pluralidade social, coexiste com um tipo de pragmatismo das nossas elites tradicionais que continua forte para impedir a renovação e a abertura, sempre impondo a lógica da política de se contra ou a favor, situação ou oposição. Temos então esquemas difíceis de serem superados, pois dependem de cooptação, negociata por cargos, emperramento os debates públicos, corrupção, autoritarismo, patrimonialismo.

Fonte: O Popular