Namoros virtuais levam mulheres do céu ao inferno
Seduzidas na internet por homens que se dizem bem-sucedidos, mulheres perdem dinheiro e precisam conviver com a desilusão do “romance scam”
Aos 45 anos - há quase dois longe das drogas e há mais de três sem um relacionamento sério - a funcionária pública Joana (as mulheres citadas na reportagem tiveram os nomes trocados para preservar suas identidades), que vive no Paraná, pensou que um novo amor havia chegado. O príncipe não apareceu montado em um cavalo branco, mas surfando nas ondas da rede mundial de computadores.
Em abril deste ano, por meio do site de relacionamento Badoo, ela conheceu o engenheiro civil escocês George Williams, que dizia ter 48 anos e uma história marcada por perdas: seus pais e sua esposa haviam morrido em um acidente de carro. Durante dois meses, eles conversaram diariamente. “Acordava de madrugada por causa do fuso horário”, relembra.
Apesar do curto tempo de relacionamento virtual, Joana chegou a fazer planos de namoro e até de casamento. “Ele se dizia apaixonado. Minha carência deixou tudo mais fácil. Além de lindo, ainda chama de 'meu amor', quem resiste?”, questiona. O emocional frágil facilitou, pois mesmo percebendo algumas atitudes suspeitas - como o inglês macarrônico e resistência em se mostrar na webcam - Joana decidiu levar a relação adiante.
Mas uma suposta viagem a Kuala Lampur, na Malásia, deixou claro que o rapaz com quem trocava e-mails diários tratava-se, na verdade, de um golpista conhecido como scammer. O engenheiro civil pediu dinheiro para custear a hospedagem em um hotel, pois o Governo estaria cobrando seis anos de impostos atrasados da casa que George havia herdado na cidade.
De príncipe a sapo
Diante da negativa de Joana, o príncipe virou sapo. O engenheiro, então, ameaçou enviar para familiares, amigos e colegas do emprego da funcionária pública conversas picantes, inclusive com cenas de nudez, gravadas por ele. Pressionada, ela procurou um delegado amigo da família. Orientada pelo profissional, Joana não cedeu às chantagens e o scammer acabou desistindo.
“O lado emocional fica em frangalhos. É um baque muito grande descobrir que os planos não passaram de ilusões. Eu quase voltei a usar drogas”, revela a mulher, mais uma vítima do chamado “romance scam”. O verdadeiro George Williams nem sabe que Joana existe e talvez desconheça que suas fotos foram roubadas e são usadas para aplicar golpes em frequentadoras dos sites de namoro.
São milhares de vítimas ao redor do mundo. Também existem criminosos desse ramo atuando no Brasil (leia correlata). A mulheres possuem um perfil parecido: são solitárias, carentes e dispostas a encontrar um novo amor. A funcionária pública não se correspondia com um escocês, provavelmente, conversava com algum nigeriano. Eles são apontados como os mais atuantes nesse tipo de fraude.
Modus operandi
Pesquisa da Universidade de Leicester, na Inglaterra, concluiu que cerca de 200.000 pessoas já foram enganadas em namoros virtuais. Os valores entregues a título de ajuda ao falso namorado ou namorada (sim, homens também são vítimas da fraude) vão desde parcos R$160 a quantias mais altas, chegando a R$ 900 mil.
A forma de ação dos scammers é semelhante. Eles se apresentam como homens com idade entre 39 e 55 anos, solteiros ou viúvos com filhos adolescentes. Trabalham como engenheiros e arquitetos, negociantes de arte, de ouro ou de petróleo. Se dizem tementes a Deus e recheiam os e-mails com histórias tristes e comoventes, como a morte ou traição da esposa e doença do filho ou filha.
Porém, tudo não passa estratégia para ganhar a confiança de quem está do outro lado do computador e conseguir que a futura vítima envie o dinheiro solicitado. Foi argumentando que o precisava comprar um presente para o filho que um scammer quase conseguiu tirar R$ 1,5 mil da técnica de segurança do trabalho Maria (33), que vive em Feira de Santana, na Bahia. Alertada pela mãe e por uma amiga, ela percebeu, antes de desembolsar o dinheiro, que tratava-se de um golpe.
Romantismo, a arma para a fraude
* Nem mesmo os erros gramaticais são capazes de levantar suspeitas nas vítimas
'Eu quero que você saiba que eu nunca me senti relaxado com alguém assim em um tempo muito longo, sempre que eu falo com você, eu posso sentir sua sinceridade, eu posso sentir que há algo de mágico sobre nós dois. (…) Muito obrigado por seu e-mail lindo para me dar uma chance em sua vida para conhecê-lo melhor. (...) eu não estou interessado em outra pessoa. Eu quero ter você em minha vida se você me daria uma chance em sua vida.”
* Problemas no computador: a desculpa para não mostrar o rosto
"Olá querida, pena que eu não tenho sido capaz de falar com você sobre o bate-papo, eu quero que você saiba que eu gosto tanto de você e muito interessado em conhecê-lo melhor, mas meu computador está com algum problema, mas espero que o técnico seria capaz de corrigi-lo hoje e seria conectado para conversar com você, eu estou tão ansiosa para falar com você, por favor, não perdem o interesse em mim.”
* Cartões extraviados, filhos doentes: o gancho para pedir
dinheiro, como ocorreu com a designer gráfico Roberta (40).
"Meu amor por favor, eu preciso de uma ajuda de você imediatamente para que eu possa pagar minhas contas de hotel porque vai chegar Brasil em breve. Meu amor tudo o que eu preciso de você é apenas 1.500 dólares para que eu possa pagar minhas contas de hotel e outras despesas aqui e tomar meu vôo para estar com você em breve, quando eu chegar ao Brasil vou contactar o meu banco e pagar de volta o seu dinheiro. Meu amor eu vou pagar de volta o seu dinheiro, mesmo que você o quer em duplo amor meu, eu vou pagar de volta, por favor meu amor. (...)”
Caçadoras de golpistas em ação
Ao mesmo tempo que é um terreno fértil para os golpes, a internet também possibilita que as vítimas se juntem e passem a atuar como “caçadoras” de golpistas. Um dos pontos de encontro virtual é o blog Fora Scammer (forascammer.blogspot.com.br), criado pela mato-grossense Vânia Lúcia (52), que não foi vítima dos golpistas, mas ficou horrorizada com as histórias de fraude contadas por uma amiga.
Na página, é possível encontrar fotos, endereços do correio eletrônico e mensagens usadas pelos fraudadores. O objetivo é disseminar as formas de atuação dos falsários para evitar que mais mulheres caiam no golpe do (falso) amor. A iniciativa tem incomodado quem ganha a vida tirando vantagem dessas histórias, tanto que Vânia evita mostrar o rosto e não informa em qual cidade vive.
A blogueira Meg D., responsável pela página meg-golpistasvirtuais.blogspot.com.br captura e divulga os endereços dos scammers. “Apenas disseminando a ferramenta de trabalho desses golpistas é possível, efetivamente, deter a ação deles”, explica. Ela também não dá detalhes sobre sua identidade temendo represálias. Segundo Meg, os brasileiros aplicam golpes semelhantes aos dos scammers nigerianos, mas com um diferencial: encontram as vítimas e simulam, pessoalmente, situações em que precisam de dinheiro.
Punição
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), Bartira Macedo, destaca que a lábia dos fraudadores facilita a conquista das vítimas. “Eles falam o que as mulheres querem ouvir.” Disseminar que as promessas de namoro e casamento não passam de mentiras é fundamental para que danos sejam evitados. Afinal, as marcas sentimentais resultantes desse engodo dificilmente serão apagadas.
Algumas situações, porém, podem ser punidas pela Justiça, informa o advogado Alexandre Atheniense, especialista em direito da tecnologia da informação. “Cerca de 20 condutas que ocorrem no ambiente virtual, como a calúnia e a difamação, são enquadradas na legislação atual”, explica. Outras, como se apossar das senhas alheias, ainda carecem de leis específicas. Por isso, a recomendação é tomar cuidado. Sempre.
Falsidades na rede
Quem vive o dia a dia das delegacias, sabe que os registros envolvendo fraudes só não são maiores porque muitas vítimas, por vergonha ou medo, não formalizam as denúncias. É o que explica a adjunta da Delegacia da Mulher de Goiânia (Deam), Ana Elisa Gomes Martins. Nessa semana, a especializada iniciou as investigações de um caso semelhante ao de Joana (leia matéria nesta página), mas com golpistas goianos.
De acordo com a delegada, um homem teria feito mais de 15 vítimas na capital, mantendo e conseguindo vantagens a partir de relacionamentos virtuais. Duas jovens já teriam prestado queixa e a expectativa é que o episódio seja desvendado nas próximas semanas. No ano passado, apenas uma ocorrência desse tipo foi atendida na Delegacia de Investigações Especiais (Deic).
A funcionária pública Joana (45) não esquece o dia em que decidiu procurar um conhecido que trabalha como delegado para pedir orientações sobre a situação que estava vivendo.
“Foi ridículo contar que fui enganada pela internet. Tinha que ver o sorrisinho na cara do delegado enquanto conversava comigo”, revela, em entrevista realizada pela rede social Facebook.
A designer gráfico Roberta (40), que vive em Itajaí, Santa Catarina, confidenciou apenas para uma amiga que quase foi enganada por um scammer que conheceu no site de namoro Par Perfeito. Ele se apresentou como Fred Nandru, um engenheiro de perfuração que planejava até se mudar para o Brasil para viver junto com a moça. Tudo isso em apenas 15 dias de contato via internet. Mesmo desconfiada, a designer admite que se apaixonou. Mas ela conseguiu reverter a situação: prometeu enviar os R$ 20 mil pedidos pelo suposto engenheiro, mas encerrou o contato com o criminoso em seguida.
Para Marina, que teclou com um scammer durante dez dia, esse tipo de golpe devasta as vítimas emocionalmente porque deixa claro até onde o ser humano “pode descer tentando destruir a vida e o sentimento do outro.”
Source: Tribuna do Planalto