As vantagens de um prefeito-candidato

Máquina administrativa e a visibilidade do cargo são privilégios de candidatos à reeleição, que largam bem à frente de seus adversários

Há 14 anos instituída no sistema eleitoral brasileiro, a reeleição é a tendência das eleições municipais deste ano em quatro dos cinco maiores colégios eleitorais do Estado. Em Goiânia, Aparecida de Goiânia, Anápolis e Rio Verde, respectivamente, o cenário mostrado por pesquisas indica um claro favoritismo para os atuais prefeitos. Segundo especialistas ouvidos pela Tribuna, o fato decorre, dentre outros fatores, de uma vantagem natural que os candidatos que já estão no cargo têm sobre os adversários.
Fazer uma gestão de qualidade, porém, é um pré-requisito necessário para ser reeleito. ”Se o prefeito estiver mal, acabará ganhando o bilhete de volta para a casa. Entendo que os bons administradores sempre são premiados e os ruins são punidos ou levados à fogueira da derrota”, avalia o professor de Comunicação Política da Universidade de São Paulo (USP), Gaudêncio Torquato.
Mesmo ressaltando o valor da competência administrativa, Gaudêncio, que também é jornalista, consultor e analista político, é taxativo sobre os benefícios de se ser candidato à reeleição. O candidato à reeleição leva vantagem sobre outros”, reforça.
Quem também faz a mesma avaliação é o cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Pedro Célio Alves Borges. “A reeleição desequilibra e tira a igualdade do processo. Existem recursos que beneficiam os (candidatos) que estão no poder. Há o interesse da mídia, e o cargo de prefeito dá visibilidade, um prestígio muito grande”, analisa o professor.

Vantagens
Um ponto a favor do prefeito que luta pela reeleição é a posse da máquina administrativa, ou seja, os funcionários comissionados que trabalham na gestão pública. Apesar de a legislação eleitoral proibir o uso de servidor público em campanhas políticas, é prática comum usá-los como cabos eleitorais.
“É um exército remunerado trabalhando pelo projeto”, afirma o publicitário Léo Pereira, se referindo aos servidores que, por serem comissionados, sofrem pressão para trabalhar em prol de um candidato à reeleição. Além disso, eles sabem que, se o atual administrador vencer o pleito, a chance de manter o emprego é maior. Muitos, assim, trabalham por iniciativa própria, para poder manter o cargo que ocupam por mais quatro anos.
A opinião de Léo encontra respaldo na avaliação de Gaudêncio. “Porque acaba recebendo o apoio da máquina que administra, a partir da natural tendência das massas funcionais lhe darem o voto. Disporá, portanto, da alavancagem propiciada por cabos eleitorais da própria municipalidade”, analisa.
Outra vantagem de um candidato à reeleição é o poder de negociação com outros partidos. Para montar uma coligação forte, há a necessidade de juntar grupos com representatividade, e uma das formas mais comuns é distribuir secretarias aos aliados. “Ele tem recursos para negociar que nenhum outro candidato tem”, assegura.

Favoritismo
Cada uma das quatro cidades citadas possui um panorama específico. Em Goiânia, Paulo Garcia tem possibilidades de ser reeleito já no primeiro turno, como apontou a pesquisa Ipem/Tribuna do Planalto, divulgada no final de agosto, que mostrou o petista com 59,6% dos votos válidos. 
O petista assumiu o cargo em abril de 2010, quando o prefeito Iris Rezende (PMDB) deixou o Paço Municipal para disputar o cargo de governador. Desde então, Paulo não conseguiu se destacar como prefeito e nem realizou obras de impacto na cidade. Mesmo assim, surge como favorito para a eleição na capital.
Na pesquisa Ipem/Tribuna, 47% dos entrevistados avaliaram a gestão de Paulo como ‘boa’ ou ‘ótima’. O número é considerado baixo para alguém que disputa reeleição, mas outros fatores influenciam a vantagem do petista. O primeiro ser sucessor de Iris, que tem boa avaliação entre os eleitores de Goiânia. Paulo não esconde a influência do peemedebista, usando-o no programa de TV, nos jingles e nos discursos.
Outro ponto a favor é a dificuldade e, principalmente, a demora da oposição escolher um adversário para enfrentar Paulo. Mesmo com sete desafiantes, nenhum deles parece ter forças para enfrentar o petista. Era esperado que o deputado federal Jovair Arantes (PTB) fosse o principal concorrente, por representar a base do governador Marconi Perillo (PSDB), mas o petebista, que só confirmou a candidatura no último dia, cresce em ritmo lento.

Contrário
Em Aparecida de Goiânia, o atual prefeito Maguito Vilela (PMDB) tem boa vantagem sobre o principal adversário, o deputado estadual Ademir Menezes (PSD), que já foi prefeito na cidade por duas vezes. Curiosamente, o peemedebista sempre se declarou contrário à reeleição e, pela primeira vez na história como político, concorrerá ao segundo mandato.
“Sempre fui contrário à reeleição, lutei contra ela quando estive no Senado, mas fui vencido. O que sempre defendi foi um mandato de cinco anos, porque quatro anos é pouco tempo para fazer o que uma cidade precisa e oito anos é muito. Nunca quis me reeleger, mas desta vez achei importante, até porque não sou a palmatória do mundo”, justifica. 
Segundo Maguito, a quebra de paradigma ocorre para continuar o trabalho que está sendo feito na cidade. “Tenho um projeto administrativo importante em curso e quero consolidar obras importantes como a Universidade Federal de Goiás (UFG), o Instituto Federal de Goiás (IFG) e a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE)”, diz ele. 
As obras citadas são fatores que beneficiam Maguito na busca por mais um mandato. Com parcerias com os governos estadual e federal, ele conseguiu aumentar a popularidade junto à população, especialmente depois de começar um trabalho de comunicação para divulgar a gestão. Isso, somado aos fatores já citados, proporcionaram crescimento ao peemedebista.

Boa avaliação
Em Rio Verde, a probabilidade de reeleição de Juraci Martins (PSD) é fruto da popularidade dele na cidade. No início de agosto, em pesquisa realizada pelo Ipem/Tribuna do Planalto, o pessedista apareceu com 75,3% das intenções de voto dos entrevistados., em cenário estimulado.
Além disso, outro dado mostra a força de Juraci diante da população de Rio Verde. Na avaliação do governo do pessedista, 85,7% dos entrevistados classificaram como ‘boa’ ou ‘ótima’ a gestão dele. Com bons números e a gestão bem sucedida à frente da prefeitura, ele adquiriu larga vantagem sobre o adversário Karlos Cabral (PT). 
A administração de Anápolis apresenta panorama parecido com a de Rio Verde. O prefeito Antônio Gomide (PT) tem quatro concorrentes, mas nenhum deles demonstra ter força para superar o petista, que conta com boa avaliação no município.
O petista recebeu uma cidade que tinha passado por um processo de intervenção em 2003, quando Ernani de Paula foi cassado. O então vice-governador Alcides Rodrigues (PP) assumiu o cargo interinamente, e o vice de Ernani, Pedro Sahium tomou posse como substituto, ocupando o lugar por pouco mais de um ano.
Em 2004, Pedro foi reeleito, mas não conseguiu fazer uma boa gestão. Em 2008, Gomide venceu a eleição e, desde então, construiu a base para novo mandato com uma gestão que agradou os anapolinos. Pegar a cidade em clima de 'terra arrasada' também ajudou o petista a consolidar o seu governo no município.

Favoritos à reeleição


Goiânia
Eleitores: 850.777
Prefeito: Paulo Garcia (PT)
Adversários: Jovair Arantes (PTB)
Isaura Lemos (PC do B)
Elias Júnior (PMN)
Simeyzon (PSOL)
Professor Pantaleão (PSOL)
Rubens Donizetti (PSTU)
José Netho (PPL)

Situação: Paulo herdou a administração de Iris Rezende (PMDB), que era um prefeito bem avaliado pela população. Além de ser o sucessor do peemedebista, o petista conseguiu apoios políticos importantes, além de ter sido beneficiado com a demora da base aliada do governo estadual em encontrar um candidato.


Aparecida de Goiânia
Eleitores: 272.115
Prefeito: Maguito Vilela (PMDB)
Adversários: Ademir Menezes (PSD)
Tanner de Melo (DEM)
Bernardo Bispo (PCB)
Alberico (PSOL)

Situação: Maguito teve problemas de comunicação no início, já que não investiu em divulgação para mostrar as obras feitas na cidade. Ao corrigir a falha no fim do período de pré-campanha, conseguiu aumentar a popularidade junto ao eleitorado. Hoje, segundo as pesquisas, o peemedebista seria eleito no primeiro turno.


Anápolis
Eleitores: 241.611 
Prefeito: Antônio Gomide (PT)
Adversários: Elismar Veiga (PPS)
Gérson Fallacci (PHS)
José de Lima (PDT)
Wilson de Oliveira (DEM)

Situação: Gomide foi bem sucedido no processo de reconstrução de Anápolis, o que gerou boa avaliação junto aos anapolinos. Além da popularidade, outro fator que fortalece a tendência de reeleição do petista foi a dificuldade da base marconista, que parece não ter encontrado um candidato forte o suficiente para enfrentá-lo.


Rio Verde
Eleitores: 111.328
Prefeito: Juraci Martins (PSD)
Adversário: Karlos Cabral (PT)

Situação: Juraci aproveitou a boa arrecadação de Rio Verde, uma das maiores do Estado, para promover obras e reestruturar a cidade. Com isso, conquistou o apoio da população, demonstrado na pesquisa Ipem/Tribuna, que deu para ele 85,7% de aprovação. Além disso, conta com apoio de grupos importantes.


Reforma política divide opiniões

Uma possibilidade de por fim à reeleição é o projeto de reforma política, que está em tramitação no Congresso, mas que não foi colocado em discussão. Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Itami Campos, o problema do segundo mandato está ligado a um traço da cultura brasileira.
“Eu fui contra a reeleição quando ela foi votada [em 1998]. Há uma dificuldade em se distinguir o que é público e o que é privado no Brasil, e isso proporciona situação, principalmente nas cidades pequenas. Nelas, os entes públicos agem de acordo com interesses, usando a máquina para conquistar votos”, exemplifica. 
Itami é defensor de reforma política, mas faz ressalva ao tempo de mandato. “É algo difícil de mensurar. Há países europeus em que o mandato é de sete anos, mas não sei se é viável. Imagine só um prefeito ruim ficar sete anos administrando uma cidade?”, questiona. 
Um mandato maior sem possibilidade de reeleição exigiria maior grau de consciência política e fiscalização da sociedade. Por isso, Gaudêncio Torquato avalia que é cedo para mudar o tempo da gestão e a acabar com a reeleição. 
“Fica também claro que um mandato de quatro anos pode ser curto para a realização de um bom programa de governo. Com a conscientização política em processo de consolidação, a tendência é a de termos um eleitorado mais crítico e participativo. E assim, deve manter uma lupa mais acurada sobre as gestões. Quando o eleitor elevar o seu nível de participação no processo, poderemos testar o modelo de cinco anos”, acredita.

Crime
A visão mais crítica contra a reeleição é do professor Pedro Célio. “A reeleição chega a ser criminosa contra a democracia. Ela prejudica a renovação”, diz ele, que, no entanto, se abstém de indicar um modelo melhor. “É uma discussão que tem de ser trazida para a sociedade e ser discutida pelo Congresso Nacional”, avalia. 
A reeleição para cargos no executivo entrou em vigência no Brasil em 1998. No mesmo ano, o presidente Fernando Henrique (PSDB) foi reeleito para o segundo mandato. Em 2006, Lula venceu a disputa e conseguiu o segundo mandato. O petista foi eleito presidente pela primeira vez em 2002.
Em Goiás, o governador Marconi, vencedor em 1998, venceu a eleição em 2002, ficando mais quatro anos. Em 2006, Alcides Rodrigues assumiu seu lugar - Marconi saiu para disputar o Senado – e também foi reeleito. Já em Goiânia, o único prefeito que foi vitorioso em dois pleitos seguidos foi Iris.

Source: Tribuna do Planalto