Rei do sangue

Cinema subversivo de Quentin Tarantino é exibido em Goiânia

Para o deleite do público goiano, o Cine UFG apresenta, até o dia 25 de setembro, a mostra Quentin Tarantino. Os grandes títulos da carreira do realizador estadunidense são exibidos em sessões das 12h às 17h30, que ocorrem no prédio da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG), no Campus Samambaia. A curadoria do evento é assinada pelos críticos de cinema Lisandro Nogueira e Fabrício Cordeiro. O valor dos ingressos é de R$ 6 (inteira) ou R$ 3 (meia). A programação pode ser conferida no site d o evento proec.ufg.br /images/stories/folder.pdf

Quando Quentin Tarantino se sentou na cadeira de entrevistado diante do repórter Krishnan Guru-Murthy, da rede britânica Channel 4, dava para perceber em seu olhar cansado, no cabelo desgrenhado e na pele oleosa que ele não gostaria de estar ali. O trabalho de promover um filme durante seu lançamento é sempre uma tarefa estressante. Voos constantes de um extremo ao outro do globo, noites de sono perdidas – essa dádiva do fuso-horário –, o assédio dos fãs e jornalistas, além de que, nem sempre, as críticas do filme são positivas. O que significa que um trabalho de anos do diretor e toda sua extensa equipe pode ir para o ralo em questão de dias.

Nem mesmo para Tarantino, que já tem um nome, é fácil suportar a pressão. E seu último filme, Django Livre, lançado em 2012, ocasionou muita, mas muita polêmica. Acusado de banalizar a tortura e abusos da escravidão e incitar o racismo, o blaxploitation – gênero protagonizado por negros – foi recebido por uma mídia em polvorosa. No contexto, Django (Jamie Foxx) é um escravo à venda, que ganha sua liberdade pelas mãos do dentista alemão e caçador de recompensas King Schultz (Christoph Waltz). Ambos firmam uma parceria na perseguição de foragidos da Justiça e, também, no resgate da amada de Django, Broomhilda (Kerry Washington), que ainda sofre os infortúnios da escravidão em uma fazenda no Mississipi.

No meio disso, conhecemos o fazendeiro Calvin Candie (Leonardo DiCaprio) e seu detestável servo negro pró-escravismo Stephen (Samuel L. Jackson). Claro que todo o contexto é banhado a violência e sangue e ninguém se importa as duzentas vezes que a palavra “nigga” é dita. Quer dizer, exceto pelo outro cineasta, Spike Lee, inquilino de uma redoma com formato de coração e cheirinho de tutti-frutti, que acusou o filme de “desrespeitoso com seus ancestrais”. Pelo visto, Lee não leu os livros de história. A escravidão não foi nem um pouco respeitosa. E Quentin Tarantino não é exatamente conhecido por seu talento para contos de fadas.

POLÊMICO

ATÉ O  OSSO

Guru-Murthy lança a Tarantino, então, a pergunta que lhe abala os fundamentos, racha as estruturas daquele humor tão delicadamente forjado para segurar as pontas até o fim do programa. “Qual a diferença entre se divertir com violência em filmes e violência de verdade?”, questionou o apresentador. Uma resposta em tom agudíssimo escapa da boca do entrevistado: “eu rejeito sua pergunta. Você não é o meu senhor e eu não sou seu escravo. Não vou responder a isso”. A partir deste momento, todas as perguntas são retrucadas com impaciência e inexatidão.

O making-off de Sin City – A Cidade do Pecado, mostra Quentin dirigindo, como convidado especial, uma cena entre Clive Owen e Benicio Del Toro. Nela, Del Toro aparece tagarelando no banco de passageiros do carro pilotado por Owen com um machado enterrado no crânio. Nos bastidores, Tarantino mal conseguia conter as gargalhadas diante do cenário de horror construído. A violência ganha ares de comicidade em seus olhos cor de carvão. É essa tranquilidade em encarar o mal que deixa tanta gente perplexa, com a pulga atrás da orelha. Ortodoxos de plantão arranham seus rostos de terror e proclamam alucinados que “Tarantino é doentio”.

ACUSAÇÕES               DE PLÁGIO

Doentio é uma qualidade que cabe aos psiquiatras julgarem. Já os fãs têm certeza de que Quentin é, na verdade, um gênio. Acusado diversas vezes de copiar filmes orientais, a polêmica “plágio versus homenagem” chegou a ser discutida, em 2011, no Cinema Com Rapadura, site brasileiro voltado para críticas e notícias da Sétima Arte. Na postagem, aparece a carta de uma leitora que explicita várias das cópias executadas por Tarantino. Não é apenas uma questão de inspirar a roupa de Beatrix Kiddo, protagonista da série Kill Bill, no visual de Bruce Lee, na coprodução entre China e Estados Unidos de 1978, Jogo da Morte.

Tarantino é mesmo danadinho. Seus filmes contêm cenas, diálogos, personagens e até mesmo roteiros retirados de livros e outros longas, tudo sem a menor citação. Mas o estilo incorrigivelmente pop subversivo e humorístico é todo seu. O menino de Knoxville, Tennessee, não estudou em uma faculdade cara de cinema. A formação de Quentin Tarantino se deu na locadora de vídeos em que trabalhou como balconista durante a adolescência, onde teve a oportunidade de imergir no maravilhoso universo cinematográfico. Mergulhou do independente ao mainstream. Dos filmes de luta orientais aos thrillers produzidos nos Estados Unidos.

CARREIRA

A ascensão de Tarantino nos cinemas veio quando escreveu o roteiro de Assassinos Por Natureza, um romance criminoso inspirado em Terra de Ninguém, de Terrence Malick, que lhe permitiu dirigir seu primeiro longa-metragem, Cães de Aluguel, de 1992. A única coisa que impediu sua primeira direção de agradar totalmente os críticos foi a acusação de ter plagiado o filme Perigo Extremo, de 1987. Em 1994, o cineasta estourou ao levar para casa a Palma de Ouro, do Festival de Cannes, por Pulp Fiction, até hoje seu filme mais aclamado.

De lá para cá, Tarantino realizou parcerias com seu grande amigo Robert Rodriguez e dirigiu sucessos como Jackie Brown, Kill Bil I e II, Grindhouse, À Prova de Morte e seus dois últimos filmes, Bastardos Inglórios e Django Livre, sua maior bilheteria nos cinemas. O mais interessante disso tudo é o vínculo entre personagens de diferentes filmes que o cineasta consegue criar. Tarantino inventou seu próprio universo. Um exemplo disso é Vincent Vega, personagem de Pulp Fiction interpretado por John Travolta, que é irmão de Vic Vega, vivido por Michael Madsen, em Cães de Aluguel.

Explorar a obra de Quentin Tarantino é se aventurar em dois mundos maravilhosos. Um deles é o do próprio cineasta, que sem seguir nenhuma ordem cronológica conta a história de várias gerações de personagens conectados de alguma forma. O outro é o do cinema. Sua carreira é uma ode fantástica à Sétima Arte. Seja plagiando, fazendo alusões, menções, inspirando-se. A originalidade de Tarantino está em sua falta de originalidade, nesse caldeirão em que o realizador joga seus filmes favoritos, adiciona sua dose generosa de sangue e palavrões e transforma em algo extremamente fácil de entreter e divertir o público.

Fuente: Diário da Manhã