Aqui não tem farofa, embora seja tudo misturado
Vamos soltar um “aaahhhh”, como no fim das entrevistas do Jô Soares. Todo mundo junto depois da próxima frase. O projeto Música Consciente acaba hoje. “Aaahhh.” A saideira, contudo, é de primeira linha. Vale a pena dar um pulinho no Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás (UFG), na Praça Universitária, para ver de perto as estripulias de Rodrigo Campos e do Metá Metá. Vanguarda pode ser uma palavrinha meio gasta pelo tempo. Mas aqui nós temos um exemplo acabado do que pode ser vanguarda no país das calças beges.
Metá, em iorubá, significa três. Metá Metá, basicamente, são três músicos: Juçara Marçal (vocal), Kiko Dinucci (guitarra, violão, vocal) e Thiago França (saxofone, flauta). O primeiro disco, de 2011, leva o nome do grupo. O segundo, de 2012, chama-se MetaL MetaL (sim, com L maiúsculo). Marcelo Cabral (baixo) e Sérgio Machado (bateria), que participaram das gravações com Samba Sam (percussão), acompanham o trio no palco. Os discos, independentes, lançados pelo selo Desmonta, podem ser baixados na internet. A produção é da banda.
Dinucci, polivalente, tem dois discos com Rodrigo Campos, Romulo Fróes e Marcelo Cabral, Passo Torto, de 2011, e Passo Elétrico, de 2013. Ambos pela YB Music. Ambos disponíveis para download. É fácil encontrar os trabalhos de todos eles liberados para audição gratuita na rede. Característica da geração que cresceu livre da relação unilateral com as gravadoras. Na época em que elas davam as cartas, eles dificilmente teriam oportunidade de lançar discos com a liberdade de hoje. É provável que os executivos considerassem a música destituída de apelo comercial.
O primeiro solo de Campos, São Mateus Não É um Lugar Assim tão Longe, de 2009, foi produzido por Beto Villares, também cantor e compositor. Excelentes Lugares Bonitos, de Villares, circula nos canais virtuais. Como Calado, Cão, No Chão Sem o Chão e Um Labirinto em Cada Pé, que Fróes vem lançando desde 2004. Essa rapaziada revê a tradição com os olhos modernos e interpõe ousadias de natureza acalorada no meio de canções que não cabem nos moldes dos estilos pré-fabricados. Bahia Fantástica, o CD mais recente de Campos, conta com Juçara Marçal na faixa Jardim Japão. A revista Rolling Stone elegeu Bahia Fantástica um dos melhores discos de 2012.
Além do Metá Metá e do Passo Torto, Dinucci se movimenta pelo Padê, Duo Moviola, Pastiche Nagô e Na Boca dos Outros. Ele toca guitarra em Bahia Fantátisca, de Campos, produzido por Gustavo Lenza, que reúne Fróes, Cabral, França, Criolo, Gui Amabis, Luisa Maita e outros. Tudo junto e misturado, sem limites fixos. É permitido, inclusive, cavucar as raízes populares do Brasil. Juçara, professora de Canto numa universidade em São Paulo, fez isso na Companhia Coral, no Vésper Vocal e na Barca, até encontrar Dinucci por volta de 2004.
Ligados pela intenção de misturar gêneros, instituíram o Padê à base da herança cultural africana (candomblé, umbanda, batuque, lundu, jongo). França aderiu ao Padê numa apresentação e foi ficando, contribuindo e alterando dados, até o surgimento do Metá Metá. Nos shows, a abordagem mais densa era chamada pelo grupo de Metal Metal. Depois de uma abertura para Femi Kuti em que a porção elétrica foi servida com um ataque mais barulhento, eles resolveram gravar MetaL MetaL. A ancestralidade africana continua em evidência, associada a manifestações contemporâneas (punk, metal, noise, free jazz) numa salada de tempero incomum.
Campos é atraído pelas crônicas do subúrbio em Bahia Fantástica. Mas se, no disco anterior, ele trabalhou com calma, deixando as ideias florescer no estúdio, no segundo, ele chegou com as músicas prontase a banda ensaiada. Se, antes, o universo era muito pessoal, voltado para amigos, família, amores, o universo atual projeta sentimentos num quadro mais amplo, imaginário. No qual a morte ganha um vulto misterioso que transita entre as faixas de uma forma despercebida. Não, claro, em Aninha, que já começa dizendo que Ana vai morrer. Mas, não tem problema, diz Campos, “todo fim de tarde, Aninha morre.”
Música Consciente
com Rodrigo Campos e Metá Metá
Quando: Hoje
Onde: Centro Cultural UFG (Avenida Universitária, nº 1.533 – Setor Universitário – Fone: 3209-6251)
Horário: 21 horas
Ingresso: R$ 20 (R$ 10 a meia)
Fonte: jornal O Hoje