É difícil encontrar no Brasil um negro que não tenha sido julgado pela cor ou que perdeu uma oportunidade por causa da ascendência
Racismo
Dia da Consciência Negra reforça importância do combate ao racismo
“Não foi racismo, foi um mal-entendido.” Esta é a resposta-padrão de quem é pego em cenas cotidianas de discriminação. Para estudiosos e ativistas, no Brasil o inimigo é mascarado, está em camadas profundas e o racista não se vê como tal. Difícil encontrar um negro que não passou por julgamento por causa da cor, seja ao ser atendido em uma loja ou ao brincar com o filho branco. A data de hoje é dedicada ao Dia Nacional da Consciência Negra.
Piadas e comentários racistas ainda são ouvidos por aí, como “tinha de ser negro”, “faça trabalho de branco”, “ela é negra, mas é bem bonita”, “é um negro de alma branca”. Para a presidente do Conselho Estadual de Igualdade Social, a historiadora Janira Sodré Miranda, o fato de as pessoas ainda relacionarem as características hereditárias ao caráter, condição financeira ou capacidade intelectual já seriam suficientes para demonstrar que o racismo não é velado. “Fomos condicionados pela operação sociorracial. Socializamos as crianças, sejam negras ou brancas, para não estranhar essas direcionalizações de que os negros ocupam sempre posições inferiores. Assim, quem não tem olho treinado não identifica estas situações”, lembrou.
Inferiorização
Para Dijaci David de Oliveira, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), o preconceito existe e continuará. “O processo de inferiorização foi quebrado, mas fizemos muito pouco para revertê-lo. Além das políticas focais, é preciso pensar de forma ampla, que contribua para quebrar o preconceito”.
Oliveira explica que a sociedade foi condicionada a buscar o igual. “Muitos currículos aprovados vão parar no lixo quando o entrevistador verifica que a pessoa é negra. Nos cargos mais elevados, ainda é difícil encontrar pessoas negras”, afirma.
Para o professor, as políticas focais, como o sistema de cotas em universidades públicas vão minimizar alguns estereótipos. “Daqui a alguns anos teremos mais médicos, advogados, engenheiros, enfim, profissões mais elitizadas ocupadas por negros. Unido a políticas afirmativas, como mudança no sistema de ensino, campanhas e leis, será mais comum a presença da pessoa negra no mercado e isso romperá a visão de que os negros ocupam apenas determinadas funções”, analisou.
“Me perguntaram se ele era adotado”
20 de novembro de 2013 (quarta-feira)
Cristina Cabral
Elaine Gonzaga e o filho Gabriel
A servidora pública Elaine Gonzaga se define como branca, mas já vivenciou diversas atitudes racistas, já que o filho, que hoje tem 16 anos, é negro. “Já me perguntaram se ele era adotado ou se era filho da empregada. Não tinha empregada na época, mas deduziram que se tivesse, ela seria negra”, conta.
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“Vieram me mostrar promoção”
20 de novembro de 2013 (quarta-feira)
Janira Sodré sabe distinguir situações
A historiadora Janira Sodré Miranda diz que tem olho treinado e que vivencia inúmeras situações que confirmam a existência da discriminação, seja pelo cabelo crespo, estilo black power, ou apenas por acharem por causa da cor ela é empregada doméstica no setor nobre onde dá aulas. “Já entrei em uma loja, onde pedi para ver uma determinada peça e a vendedora começou a me mostrar promoção, como se não tivesse dinheiro suficiente para comprar o que procurava”, afirma.
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“Negro é tratado como suspeito”
20 de novembro de 2013 (quarta-feira)
Arthur Lima foi vítima de preconceito
A pele negra do servidor público Arthur Lima é definida por muitas como morena, e aí começa o preconceito. Ele já vivenciou diversas situações em que pode perceber que se tivesse a pele clara, o tratamento seria diferente. “Seja em uma abordagem policial ou apenas por alguém que está sozinho na rua, você percebe que o negro é tratado sempre como suspeito.”
Ele conta um caso que aconteceu há pouco tempo, quando foi acompanhar a mulher em um hospital. “Sentei ao lado de uma mulher branca, que se levantou logo em seguida. Uma outra mulher que a acompanhava fez um sinal, avisando que a bolsa tinha ficado no sofá, ao meu lado. Então, ela, que estava sendo atendida, ficou conversando e olhando para a bolsa como se estivesse vigiando, como se eu fosse pegar algo.”
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“Entrei numa loja e não fui atendida”
20 de novembro de 2013 (quarta-feira)
Cristina Cabral
Lucilene dos Santos Rosa é quilombola
A turismóloga Lucilene dos Santos Rosa é quilombola da comunidade calunga e diz que antes de assumir o cabelo crespo e aprender a valorizar e admirar a sua cor, também era preconceituosa. Entre as situações de racismo, que se passam por mal-entendido, que já viveu, ela destaca os fatos relacionados ao filho, que é tem a pele mais clara, já que o marido é branco. “Vou brincar com ele na piscina ou no parquinho do condomínio e me perguntam se eu sou a babá ou quem é a mãe. Me olhavam torto, como se eu não tivesse dinheiro para morar ali”.
Ao entrar em determinadas lojas, Lucilene também diz perceber um certo descaso. “Uma vez, entrei em uma loja e não fui atendida. Pedi informação sobre um produto para o vendedor e ele apenas indicou. Mas quando o meu marido, que é branco, chegou, ele foi todo atencioso”.
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Negros sofrem mais perda de expectativa de vida com a violência
20 de novembro de 2013 (quarta-feira)
Morte por homicídio é a maior causa da redução da expectativa de vida de negros no País. Em Goiás, a expectativa de vida para homens brancos é 300% maior do que para homens negros, considerando as mortes por homicídio. Segundo estudo divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a expectativa de vida dos homens negros em Goiás é reduzida pela probabilidade de homicídio em 1,93 ano, contra 0,72 para não negros, incluindo pardos e indígenas. Nas mulheres negras, a expectativa caiu 0,19 ano, contra 0,11 para as não negras.
“Considerando apenas o universo dos indivíduos que sofreram morte violenta no País entre 1996 e 2010, verificamos que, para além das características socioeconômicas - como escolaridade, gênero, idade e estado civil -, a cor da pele da vítima, quando preta ou parda, faz aumentar a probabilidade da mesma ter sofrido homicídio em cerca de oito pontos percentuais”, informa a nota técnica, baseada em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/MS) e do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010.
Goiás ocupa a 10ª posição do ranking de perdas. Em todo o País, os homens de cor negra perdem 3,5 anos de vida quando analisados casos de violências letais, que incluem homicídios, suicídios e acidentes. Entre homem de outra raça, a perda é de 2,57. Quando considerados apenas os homicídios, o homem negro perde ao nascer 1,73 ano de vida frente 0,81 do não negro. Segundo a análise, enquanto a taxa de homicídios de negros no Brasil é de 36 mortes por 100 mil negros, a mesma medida para os não negros é de 15,2.
De acordo com o técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, Almir de Oliveira, as referências socioeconômicas explicam apenas 20% da diferença na expectativa de vida. “Ao contrário do que geralmente se pensa, a perda da expectativa de vida das pessoas negras não é reduzida com a alteração da classe social”, explica.
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