Goiás criativo

Se há algumas décadas o que fazia girar a economia e os negócios eram os colossais parques industriais, atualmente há um mercado novo, com ideias e ações que valem muito mais dinheiro

05 de agosto de 2014

Clenon Ferreira

 

Os goianos João Lucas, Ludielma Laurentino e Jarleo Barbosa são exemplos de produtores criativos (Thiago Carvalho)

Em setembro, quem passar pelas portas do Grande Hotel poderá ver filmes com uma diferente proposta de levar cinema para as ruas de Goiânia. Trata-se do projeto Cinema na Calçada, da produtora goiana Panaceia Filmes, que chega à sua 3ª edição. Neste mesmo mês, bandas de todas as regiões de Goiás estarão reunidas para se apresentarem em mais um dos festivais de música alternativa de Goiás, o Vaca Amarela, da Fósforo Cultural. Enquanto isso, do outro lado da cidade, o Casulo Moda Coletiva se prepara para lançar novas coleções dos designers que fazem parte do coletivo, a exemplo da estilista Naya Violeta, que acaba de divulgar a Portal de Texturas, coleção baseada nas histórias de sua avó. Neste meio tempo, é exibido na GloboSat o programa Arquitetura Verde, do diretor anapolino Jarleo Barbosa, que atualmente estuda a possibilidade de vários outros projetos na TV Brasil Central (TBC).

Se há algumas décadas o que fazia girar a economia e os negócios eram os colossais parques industriais, com os respectivos capitais investidos em grandes máquinas, funcionários em massa e em milhares de produtos, atualmente há um mercado novo, com ideias e ações que valem muito mais dinheiro. O que dizer, por exemplo, do jovem universitário Mark Zuckerberg, que criou há dez anos o Facebook, empresa virtual que está avaliada em cerca de 100 bilhões de dólares.

Previsto pelo economista inglês John Hawkins, autor de The Creative Economy (A Economia Criativa), da virada do milênio para agora, há profissionais que atualmente ganham dinheiro com ideias. Trata-se da propriedade intelectual, com pessoas criativas à frente de negócios que dão renda e tornam-se reconhecidas pela qualidade e, o mais importante, originalidade. São recursos financeiros que provêm dos setores que têm a criatividade como matéria- prima dos seus produtos e serviços, a exemplo da moda e design, arquitetura, cinema, gastronomia, televisão e música.

Criada em 2010 por cinco recém-egressos do curso de Cinema, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), a Panaceia Filmes nasceu do intenso desejo destes goianos de produzir projetos autorais. Basicamente, o que eles vendem são projetos de produção, formação e reflexão da área audiovisual, por meio de filmes, conteúdos para TV, mostras, oficinas de formação e uma própria revista de cinema.

Ao longo desses primeiros anos, por exemplo, produziram sete curtas-metragens (que foram exibidos em dez países, como França, Japão e Suíça), três edições da mostra Cinema na Calçada, um seminário para produtoras e produtores independentes (SAPPI), além da primeira revista de cinema do estado de Goiás, a Janela. Jovens de pouco mais de 20 anos, os goianos ganham dinheiro através de seus projetos, já reconhecidos nacionalmente.

De acordo com a sócia-proprietária da Panaceia, Ludielma Laurentino, a produção cinematográfica nacional é feita tendo como base os moldes da economia criativa. São, por exemplo, as trocas de experiências de cada função que tornam viável a criação de um produto audiovisual. “Músicos, figurinistas, atores, iluminadores, cenógrafos, fotógrafos e tantos outros profissionais das artes levam sua carga de autoria e técnica para contribuir com um produto único.”

Manter uma produtora audiovisual em Goiás, segundo Ludielma, é gerir e saber compreender todas as formas de negociação. Entender as trocas, estabelecer as parcerias e fazer com que ela se mantenha é um dos papeis principais para um resultado final positivo, seja um evento ou um filme. “Nossos projetos são pensados e formatados para que gerem resultados no ambiente em que estamos inseridos, de forma sustentável e criativa, como a mostra Cinema na Calçada, que ressignifica um lugar cotidiano com o que acreditamos e modifica vidas ou olhares. Jáo SAPPI, outro exemplo, reúne produtores para discutirmos formas de gestão da área. Por meio de mesas e debates surgem parcerias e soluções criativas para uma economia que está em bastante ascensão.”

 

Reflexos nos olhares

Nesse pulsar de descobertas sobre novas soluções para a produção de cultura e arte, nos últimos anos, a chamada indústria de cultura tornou-se um negócio. É o que acontece com o design de embalagens, por exemplo, essencial para a fabricação de outros produtos, num momento de severa competitividade dos outros setores das indústrias tradicionais, a exemplo do setor de alimentação. Esse novo olhar para as áreas criativas começou a ganhar forma na Austrália, num momento de crise econômica, quando o governo australiano parou para analisar o que gerava o diferencial e o que existia na sua cultura que poderia ser destacado no mercado competitivo. De lá para cá, o mundo inteiro discute e amplia suas fronteiras criativas.

Transformar criatividade em realidade foi o que fez o produtor cultural João Lucas Ribeiro, quando promoveu há 13 anos a primeira edição do Festival Vaca Amarela. A ideia era simples: agregar bandas novas e que não teriam a chance de apresentar os seus sons em outros palcos de Goiás. A ação deu certo, gerou renda, investidores, patrocinadores e, é claro, público. Hoje, o festival é um dos mais reconhecidos do País, e reúne mais de 10 mil pessoas para assistirem shows de músicos de diferentes lugares, de norte a sul. Este ano o “Vaca” agrega muito além de música, mas projetos de cinema e vídeo, artes visuais e gastronomia. Para Ribeiro, a troca é intensa.

“A economia criativa tem uma relação muito forte com os festivais. Produzir um festival de música e artes integradas é extremamente difícil. Novas formas de se fazer o negócio são necessárias para que o processo funcione. A troca de serviços, o chamado escambo, formas alternativas de pagamento e a famosa ‘brodagem’ são ações fundamentais para a sustentação em determinados negócios. Acredito que as ações de formação e capacitação, oficinas e debates promovem uma oxigenação no cenário cultural. O que é muito importante”, reitera João.

Essa inteligência dos novos modelos de negócios, processos, tecnologias e outros decorrentes da criatividade são uma forma alternativa para que várias empresas, coletivos e associações consigam por em prática seus projetos. É mais simples iniciar um negócio nas áreas criativas, por exemplo, já que não é necessário um grande capital inicial. As empresas da economia criativa já movimentam R$ 381 milhões, ou 2,6% do PIB brasileiro, segundo mapeamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Um verdadeiro reflexo no bolso.

Ainda de acordo com o estudo, o segmento concentra jovens profissionais da chamada Geração Y, como João Lucas e Ludielma. Nascidos entre 1980 até meados dos anos 1990, na época do boom digital, da democracia política e da ruptura da tradicional concepção da família, eles são vistos como persistentes, antenados e preocupados. E não é para menos. Foram concebidos após as revoluções antiditatoriais, popularização da web e início da globalização. O resultado pode ser visto hoje: uma juventude criativa, bem-informada, com um desejo de ser independente a todo custo e que já no início da carreira profissional almeja ser dona do próprio nariz. Dai os inúmeros coletivos e produtoras culturais.

O audiovisuasta Jarleo Barbosa é reflexo desta geração. Nascido em Anápolis, interior de Goiás, foi cursar Comunicação Social Audiovisual em Goiânia, abriu uma produtora de vídeo, foi morar em São Paulo para fazer pós-graduação e conseguiu um emprego como diretor do programa Arquitetura Verde, exibido na GloboSat. Para ele, um dos pilares da economia criativa é um determinado jeito de agir menos protocolar, buscando alternativas menos consolidadas para resolver os problemas diários. “É importante perceber que talvez mais importante que criar uma cadeia de profissionais é preciso criar uma cadeia de valores. É aí que entra o poder intangível do capital simbólico.”

O programa Arquitetura Verde, por exemplo, apesar de ter um recorte claramente jornalístico (pois informativo), estabelece com seu público uma relação estética e, por que não, afetiva. “A TV também é lugar para divagação, para fruição. Uma vontade de se aproximar do público sem querer ensiná-lo, mas dividir com ele o que nós, enquanto fazíamos o programa, também aprendemos. A gravação do programa só foi possível porque contou com uma equipe que, apesar de pequena, se desdobrava por amor ao projeto. Ninguém estava ali meramente realizando sua função. Havia uma troca de experiência entre os profissionais que acabava influindo no resultado final de cada episódio.”

Sempre aos finais do Arquitetura Verde, há o quadro Que Planta é Essa?, em que Jarleo coloca uma pessoa passando em frente a uma certa árvore. “Quando filmamos uma pitangueira, o diretor de fotografia do programa, Fernando, quis passar em frente, pois era a árvore que havia na casa de sua avó. E quando ele cruzou na frente da árvore, aquele não era apenas uma cena de um cara passando em frente de uma Pitangueira, mas de um homem passando por sua infância. E embora nenhum telespectador saiba disso, fazia todo sentido para o programa ser o que ele é.” Jarleo vendeu a sua ideia. O público comprou a sensação. A economia criativa é isso.

 

Vendem-se ideias e sensações 

A premissa, na teoria, é simples: criar um coletivo de moda e cultura. A prática, contudo, é um pouco mais complicada e demanda tempo. Já há cinco anos no mercado, o Casulo Moda Coletiva é um espaço voltado ao mercado de moda de Goiás. Mas há o diferencial: o que os designers e estilistas que compõem o “guarda-roupa” do Casulo realizam é uma verdadeira prestação de serviços especializados, além de comercializarem produtos de design exclusivo.

A proposta é possibilitar um serviço de alta qualidade e personalizado ao cliente. A ideia é pensar o produto de design não apenas como mercadoria, mas como um verdadeiro estilo do próprio consumidor. De acordo com Milleide Lopes, uma das proprietárias do Casulo e que assina uma das marcas, Novelo, foi-se o tempo em que no Brasil moda significava padrão. Hoje, o que atrai o consumidor é a fuga do óbvio. Para tanto, um importante elemento está em cena: a criatividade.

“O Casulo Moda Coletiva fomenta a economia criativa através da moda local e autoral. Uma vez que fortalecemos a moda local, também trabalhamos comportamento e cultura. Nós reiteramos o comportamento das pessoas através dos eventos que misturam música, moda e estilo. Não gostamos de uma loja tradicional, isso não nos completa. Atualmente a moda vai muito além”, explica Milleide, que ainda reitera a necessidade de se promover um mosaico entre diversas linguagens artísticas, como música e artes visuais.

O segmento do vestuário produz uma gama de oportunidades no mercado goiano. São possibilidades que permitem a inclusão de profissionais e empresas anteriormente não favorecidas, e movem diversas outras empresas, como a indústria têxtil e a publicidade. Muito além de uma peça, o que os designers vendem é a ideia. É o que acontece com a estilista goiana Naya Violeta. Recentemente, ela lançou a coleção Portal de Texturas, um delicado trabalho que reflete a sua maneira de produzir peças a partir de lembranças de quando se era criança.

Formada em Design pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Naya produz desde 2009 peças voltadas para o público feminino. Já reconhecida por um trabalho que ultrapassa as barreiras da moda e fala sobre poesia, imaginação e artes visuais, a estilista se sustenta com base na economia criativa. Portal de Texturas, por exemplo, fala sobre o sossego que reina aos domingos na casa de avós, com lembranças de um passado com sofás floridos e balanços de cortinas retratados em texturas e estampas.

“Essa coleção me levou a outro mergulho afetivo. Depois de perder minha avó, recentemente, me peguei em um domingo olhando e tocando as texturas e cores que existem na casa dela. De quanta história e afetividade o sofá estampado me trazia, o balanço das cortinas. Procurei trabalhar esses registros em peças atemporais de tiragem limitada. Acredito que economia criativa seja isso, a forma com que você vende o seu produto e os percalços de produção”, reflete Naya.

Designer garimpeira de moda e modos, como a própria estilista afirma, Naya gosta de pensar no vinculo afetivo entre vestir e fazer moda. Para a produção da coleção, ela contou com uma equipe de 20 profissionais, entre fotógrafos, modelo, jornalista, stylist e maquiadores. E foi tudo na base do escambo e da troca de serviços. Por fim, a estilista lançou a coleção no Casulo, em um chá da tarde para clientes pontuais, convidados um a um. “Vender hoje é saber agregar a ideia ao público e tentar sair do óbvio, ser pessoal, abusar das estratégias criativas de cada setor”, define.

 

Pesquisa e gestão

Propostas como a do Casulo Moda Coletiva – ou ainda de Naya Violeta –, servem de exemplos para reiterar a importância da economia criativa em Goiás. É por isso que o Ministério da Cultura (MinC), por meio da Secretaria da Economia Criativa (SEC) assinou, no início de agosto, um Termo de Cooperação com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O objetivo é destinar R$ 2,5 milhões para o apoio financeiro a projetos de pesquisa em temas relacionados à economia criativa.

Com a pretensão de consolidar e expandir a temática em todo o Brasil, o termo é promovido através do Observatório Brasileiro da Economia Criativa (OBEC) e dos Observatórios Estaduais, que comporão a Rede Brasileira de Informação e Monitoramento sobre Economia Criativa. Funciona assim: cada projeto recebe financiamento de até R$ 50 mil. As propostas podem requerer recursos para gastos a título de custeio, capital e bolsas, em diversos eixos temáticos, a exemplo do artesanato, cultura populares e indígena, circo, audiovisual, publicações e turismo cultural. Podem candidatar-se por meio do site pesquisadores vinculados a universidades públicas e confessionais.

Em Goiás, o Observatório Estadual de Economia Criativa (Obec) foi lançado em dezembro do ano passado com a missão de mapear em quatro anos a economia criativa no Estado. O Obec auxilia na identificação quantitativa e qualitativa das áreas e as contribuições para a economia estadual. O coordenador do observatório em Goiás, que também é professor doutor em economia criativa e coordena o Media Lab da Universidade Federal de Goiás (UFG), Cleomar Rocha, afirma que vários investimentos podem contribuir não apenas para a chamada sustentabilidade financeira, como também gerar emprego e renda.

No total, as indústrias criativas do País empregam mais de 810 mil pessoas. No que diz respeito ao montante, Goiás fica em 15º lugar nessa participação. “O Obec foi criado para mapear todo o Estado com a proposta de identificar os nichos dos segmentos criativos em todos os cantos goianos. Deve-se, dessa forma, criar subsídios para a profissionalização destes profissionais ligados à economia criativa, que muitas vezes se fixam na informalidade”, reitera.

Por iniciatica da Secretaria Estadual de Cultura (Secult-GO), Goiás também contará com uma iniciativa própria para o segmento da economia criativa. A Incubadora Goiás Criativo funcionará a partir do dia 27 de agosto através de um espaço virtual e físico (primeiro andar do Pathernon Center, no Setor Central), com o intuito de fornecer capacitação e incentivar as ações criativas no mercado local. Para o superintendente Executivo da Secult, Décio Coutinho, trata-se de uma importante ação para atender gratuitamente profissionais e empresas ligadas à cultura e arte.

A Incubadora Goiás Criativo poderá auxiliar projetos como os da Panaceia Filmes, da Fósforo Cultural ou ainda do Casulo Moda Coletivo, que, de forma geral, empreendem ações diferentes entre si, mas que reiteram a necessidade de se movimentar uma economia dinâmica e flexível. Nesse pulsar de descobertas, goianos de todas as partes vendem ideias criativas e inovadoras. Seja um festival de música, uma peça de roupa, uma mostra de cinema, ou um programa sobre sustentabilidade.

Source: O Hoje

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