MPB de cara nova

Data: 23 de setembro de 2014

Fonte/Veículo: O Popular/Magazine

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"O Céu é o limite"

Marcelo Jeneci manifestou seu talento musical aos 5 anos, quando ganhou um teclado construído pelo próprio pai. Sobre sua trajetória e sobre a chamada nova MPB, Marcelo Jeneci bateu um papo com O POPULAR. Confira!

 

O que o público pode esperar do show de hoje? O foco será nas músicas do último disco?
Ah, contar tiraria a surpresa de quem for assistir, mas é a turnê do De Graça, que mescla os dois discos e tudo que eu escuto e tenho vontade de cantar e compartilhar. Mas tem algumas músicas do primeiro disco, também, e outras coisas.


Seu primeiro trabalho foi acompanhando Chico César em turnê?
Vejo o começo um pouquinho antes... Lá com 5 anos de idade, quando meu pai fez um teclado para mim. A gente não tinha condição de comprar, então ele construiu. Eu comecei a tocar nessa época. Com 15, o que era lazer virou profissão, como jogador de futebol, acho meio parecido. Você nem percebe, mas o clique que muda: o que gosta de fazer vira profissão. Aí, com 17, eu já estava com o Chico viajando o mundo. Então, até os 28, trabalhei como músico integrante de bandas de artistas legais como Arnaldo Antunes, Vanessa da Mata, José Miguel Wisnik, Luiz Tatit... Daí, em 2008, ali na Zona Leste de São Paulo, para onde havia me mudado desde quando saí da periferia, comecei a circular melhor e a entender esse tabuleiro todo, comecei a compor o repertório de Feito Pra Acabar, meu primeiro disco, e no ano passado fiz o segundo.


E você aprendeu a tocar sanfona para acompanhar Chico César, não foi?
Eu não tinha sanfona e o Dominguinhos me deu uma. Meu pai trabalha eletrificando sanfona. Então, como sempre tinha uma em casa, eu não queria tocar. Queria piano que não tinha (risos). Quando pintou esse lance do Chico César, eu nunca tinha tocado sanfona em um show. Já tinha pegado em casa uma vez ou outra. E é um instrumento caro. Daí fui na casa do Dominguinhos pedir umas dicas. Ele só me falou coisas certeiras e me emprestou uma sanfona. Daí entrei na banda do Chico, fiz uma turnê de um mês na Europa e dois meses nos Estados Unidos e Canadá, juntei grana para poder pagar a sanfona, mas ele não aceitou, me deu de presente. Foi maravilhoso. Abençoado!


Sua mãe diz que você voltou “outra pessoa” desta turnê. Por que ela mexeu tanto com você?
Acho que foi uma mudança de perspectiva de vida. Eu morava ali em Guaianases e ia para a escola, tinha minha namorada, ia para a igreja e, para mim, era aquilo, aquela vida pacata. Eu achava que o máximo que podia fazer na vida era tocar piano na praça de alimentação do shopping center. Era meu sonho. Imagina, ficar tocando e ganhando dinheiro por isso. Daí mudou muito a perspectiva. Tirou o teto, que era baixo, e abriu o céu. Saí de um pé-direito de dois metros de altura para o céu aberto. Foi aquela coisa: “A partir de agora, o céu é o limite”. Isso foi o que começou a modificar. E foi um processo muito bonito, porque também tive o privilégio de, naquele momento, muito jovem, ter encontrado, na banda dele (Chico César), pessoas que cuidaram de mim. Entre elas, o Swami Jr., o diretor musical da Omara Portuondo. Virei um mascote acolhido por eles e bem orientado. Ninguém faz nada sozinho, né?!


E quando sentiu que estava pronto para sair do fundo do palco e assumir uma carreira solo?
De fato não teve esse clique:”Ah, foi nesse dia, foi nesse momento”. Acho que fui acumulando uma vontade de fazer algo a mais do que eu já fazia com a sanfona, com o piano e os instrumentos. Em todos os trabalhos que entrei, fui chegando de maneira autoral como músico, fazendo melodias, criando introduções, ajudando nessas coisas que marcam a música. Fui muito estimulado para trabalhar nesse setor como músico. E, aos poucos, quando comecei a compor, fiz Amado, que a Vanessa gravou e bombou na voz dela. Aí tinha feito outras com Arnaldo e com a Zélia que viraram músicas de trabalho. E fui notando isso. Tem um traço aí, tem um negócio. Agora é criar vergonha na cara e gravar meu disco.


Então, você simplesmente decidiu gravar um disco?
Eu lembro que aproveitava as passagens de som da Vanessa da Mata – ela chegava depois da gente – e ficava ali na frente com algum instrumento, experimentando minhas melodias ecoando no espaço vazio, imaginando-as ecoando naquele espaço cheio, um dia. E lembro que era incrível. Era a maneira que eu tinha de experimentar o eco da música e ficava gerando uma imagem futura disso acontecendo com gente cantando. E isso aconteceu justamente nesse comecinho, antes de compor Amado. De lá para cá, tem sido a busca pela materialização dessa cena que ficou no coração.


Seu pai foi sempre um incentivador da sua carreira?
A gente sempre é o desdobramento de alguma coisa que vem antes da gente. Sou uma espécie de realização de um sonho do meu pai de ser músico. E isso acontece na minha vida de um jeito muito desejado por ele. Aos 8 anos eu já me apresentava na creche que minha mãe trabalhava, no festival de sorvete. Ficava lá com um violãozinho. E ter um pai que ajuda e que apoia faz toda a diferença.


Muitos críticos o colocam como um dos maiores expoentes da nova música brasileira. O que você entende por nova música brasileira?
Eu vejo diferente do que o mercado tenta ver. É uma necessidade de enquadrar as coisas para poder explicá-las, mas acho que fica meio preso. Acho que a música não separa, ela une, está sempre em mutação. Ainda mais aqui no Brasil. O que vejo é que, neste começo de década, ou de 2000 para cá, o mundo começou a respirar uma necessidade de expressão muito intensa, e muitas pessoas apareceram com coisas para dizer. Apareceram muitos artistas tentando ocupar novos lugares. Acho que a vida vai se dando numa espiral ascendente, passando por ciclos parecidos com o que a gente viveu, mas repaginando e levando para outro canto. Isso faz o mundo fervilhar e borbulhar e trazer recados novos e vozes para sintetizar para pedir mais por isso, para pedir mais por aquilo...


Ao mesmo tempo que De Graça foi eleito um dos melhores discos de 2013 pela crítica especializada, ainda tem muita gente que torce o nariz para este novo som, como está acontecendo com a Banda do Mar, por exemplo. O que agrada tanto e o que incomoda tanto na nova MPB?
Quem julga deve saber. Quem julga tem que ter referência. Não sei o que é. O que sei é que estamos vivendo um tempo de dispersão muito grande. Falam sobre um disco porque ouviram uma música, falam de um livro porque leram a sinopse, falam de um filme porque ouviram dizer. É tudo muito fragmentado pela velocidade da informação. Hoje em dia, as pessoas saem falando das coisas sem saber direito delas. Então, não tenho o que dizer desse lugar da nova MPB porque acho essa colocação errada, mas, de alguma maneira, as pessoas tendem a gostar a priori, ou não gostar de antemão simplesmente porque não querem. E isso é uma doença da nossa época. Tomada que isso passe logo.


E você já está trabalhando em um disco novo? Está compondo?
Bastante. Já estou no pique do terceiro disco. Comecei a divulgar o De Graça agora, estou amando essa turnê, mas compondo e desenhando um novo disco aos pouquinhos. Estou finalizando uma trilha sonora para um balé da São Paulo Companhia de Dança, que estreia em novembro, e já começando a visualizar de longe o terceiro disco. A ideia é essa, seguir aprendendo com a estrada da vida, experimentando, porque essa é a melhor escola. Não só no palco, mas na estrada. E isso vai me alimentando para trazer uma imagem que me dê fascinação e que gere o terceiro disco com tanta honestidade quanto foi feito o segundo.

Show: Marcelo Jeneci
Data: Hoje, às 20h30
Local: Câmpus 2 da UFG – Vila Itatiaia
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Informações: 3521-1035
Classificação indicativa: livre

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