As faces da negritude

Na exposição Meu Povo, Minha Gente, Selvo Afonso mostra a beleza afro-brasileira, retratando homens, mulheres e crianças

 

Data: 14 de outubro de 2014

Fonte/veículo: O Popula

Mantovani Fernandes

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A exuberância da cultura afro-brasileira, com uso de cores quentes nas telas, retrata crianças, jovens e adultos

 

Mantovani Fernandes

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O artista plástico Selvo Afonso inaugura hoje a exposição Meu Povo, Minha Gente, no Teatro Sesi: beleza afro-brasileira

Grandes rostos estampados. Mulheres, homens e crianças. Se a África é múltipla e diversa, para o artista plástico Selvo Afonso, o continente pode estar em qualquer lugar, revisto em traços e cores. O que o artista se propõe é promover um contato único com a cultura afro-brasileira, por meio de personagens que contam histórias através de seus olhares, posturas, vestimentas.

 

Numa tela, um menino olha para o lado com um ar levemente entediado. Em outra, uma mulher, com inúmeros colares e um turbante dourados, observa o que não foi revelado. Selvo, que desde 1970 se dedica a ilustrar a cultura africana, inaugura hoje, às 20 horas, a exposição Meu Povo, Minha Gente, que fica em cartaz até o próximo no Teatro Sesi, dentro das comemorações ao mês da Consciência Negra, celebrado em novembro. Aliando pinceladas suaves a cores quentes, o artista utiliza múltiplas técnicas, que criam nuances do claro e do escuro.

Através de um recorte de sua ampla criação, Selvo traz uma sequência de imagens de pessoas que representam a diversidade cultural do Brasil. De acordo com ele, desde o início da graduação em artes visuais, na Universidade Federal de Goiás (UFG), que ele trabalha com retrato de personagens afrodescendentes. “Tenho muito orgulho de retratar a negritude. Ela está no meu sangue, que pulsa a arte africana. Nós, brasileiros, deveríamos ter mais orgulho da mistura que resultou na nossa cultura, entre o branco, o índio e o negro.”

Após pesquisas sobre a cultura africana e a influência de alguns povos na formação histórica brasileira, não demorou para que ele se especializasse na representação afro. “Devemos reconhecer o quanto os negros são fortes e guerreiros. É isso que ilustro em minhas obras. Está na minha identidade, na minha cultura e forma de ver o mundo. No meu sangue. Sou apaixonado pela arte afro-brasileira e africana”, enfatiza.

HISTÓRIAS

As imagens de Selvo criam narrativas que podem, ou não, contar histórias individuais ou coletivas. EmMeu Povo, Minha Gente, por exemplo, são relatos sobre o seu processo criativo, pessoas que ele conhece e representações cotidianas. “Tanto em relação à paisagem quanto em meus arquivos de fotos, cada imagem é escolhida a dedo para compor a minha criação. Como trabalho muito com figuras humanas, há uma pesquisa sobre referências de anatomia, luz e sombra”, explica.

A autenticidade de Selvo se firma em retratar uma África que poucos conhecem. Não há paisagens em suas telas. O que é revelado são pistas para a identificação de suas narrativas, ora contadas através de homens, ora de crianças, ora de mulheres. “Gosto de abusar do uso das cores quentes. Retrato a exuberante beleza do homem e da mulher negra, a alegria da criança e retratos cotidianos, como momentos de dor e tristeza, de alegria e felicidade, de tédio e remorso.”

 

 

Diferentes técnicas

14 de outubro de 2014 (terça-feira)

Cor, formas e textura. Há 35 anos que Selvo Afonso utiliza a técnica da aerografia, que consiste numa ferramenta em forma de caneta que pulveriza a tinta, capaz de criar diferentes efeitos visuais na imagem. A técnica, que se restringe à pintura e à ilustração, funciona por meio da pressão do ar, criando jatos de tintas que saem do aerógrafo e a partir daí são formadas as imagens.

De acordo com o artista, a técnica é diferente do grafite por conta dos materiais utilizados. “Deve-se dosar a pressão do ar para que o traço não fique tão grosso. A aerografia é uma técnica fantástica, mas é necessário muito trabalho e pesquisa para conseguir exercer um bom trabalho. Foram anos de estudos e práticas diárias.”

Apesar do intenso trabalho nos últimos anos, Selvo resolveu mudar de técnica em Meu Povo, Minha Gente. “Percebi que já aperfeiçoei toda a técnica de aerografia que podia ter aprendido. Já trabalhei também durante muitos anos com a técnica do ponto xadrez. Acredito que é hora de voltar ao pincel, que deixei para trás e agora quero resgatar nas próximas séries.”

Os trabalhos da série exposta hoje foram feitos com pincel e tinta acrílica. Para ele, é sempre importante mudar para que o processo artístico se amadureça. “Gosto de trabalhar com diferentes linguagens e técnicas. O trabalho muda, assim como toda a composição da obra. As suas inspirações para composição também ficam mais lapidadas, criativas. Todo artista deveria ter contato com diferentes técnicas.”

As referências do artista

14 de outubro de 2014 (terça-feira)

 ■ As multiplicidades de Sergio Ferro

Formado em Arquitetura e Urbanismo, o curitibano trabalha com a pintura e o desenho, que se caracterizam por imagens inacabadas, nítidas citações a Michelangelo e a Leonardo da Vinci, misturadas a esboços, colagens e textos manuscritos. Dedicado à pintura mural, tem executado obras de grandes dimensões, com referências renascentistas.

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As cores de Juarez Machado

O paulista registra em suas obras desenhos humorísticos, sendo considerado um dos grandes nomes da charge brasileira. Ele também promove diversos trabalhos em pintura, com cores quentes que parecem ter saído de produções cinematográficas.


■ Os traços de Amaury Menezes

De Goiás, Amaury tem um estilo figurativo, expresso nos traços de suas pinturas, que já estiveram presentes em várias mostras coletivas no Brasil e em diversos países. Considerado um dos principais aquarelistas do País, o artista recria com delicadeza paisagens goianas.


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A luz de Caravaggio

O pintor italiano tomava emprestada as imagens de diversas pessoas comuns das ruas de Roma do século 16, para retratar Maria e os apóstolos. Trabalhando com esses temas bíblicos, explorava a luz e a textura, em imagens com contrastes claro-escuro.

 

 

Entre galerias e feiras

14 de outubro de 2014 (terça-feira)

Desde muito pequeno, na década de 1960, que Selvo Afonso gosta de trabalhar com arte. O artista nascido em Goiânia começou os primeiros rabiscos nas capas de cadernos de matemática. Segundo ele, sempre esperava ansioso pelas aulas de artes. Foi aí que seu pai o matriculou, aos 12 anos, no Clube do Pequeno Trabalhador, em um curso técnico de artes plásticas e artesanato.

Hoje, aos 58 anos, Selvo é formado em Artes Visuais pela UFG e se entregou à ilustração dos povos africanos como parte integral do seu trabalho nos anos 70, quando começou de fato a sua carreira profissional. O artista já participou de mais de 300 exposições individuais e coletivas, com destaque para diversas premiações que recebeu, em São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Natal e Brasília.

E ele vai além das galerias de arte. Todas as quintas-feiras e domingos, o público pode ter contato com Selvo e suas obras na Feira do Cerrado, no Parque da Criança. O artista comercializa suas obras no espaço, o que torna acessível os trabalhos aos mais variados tipos públicos. “Nunca tive problema em comercializar as minhas obras, mas, nos últimos anos, percebi que é necessário buscar diferentes meios para a comercialização”, explica.

Segundo ele, trabalhar com diferentes públicos é um desafio constante, já que o artista também apresenta suas obras em galerias de arte. “Na feira há todos os tipos de pessoas. É importante ter a oportunidade de conhecer diferentes tipos de público que consomem arte e que têm esses infinitos acessos à produção artística de Goiânia.”

 

 

Fuente: O Popular

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