Eles contam a história de Goiânia
Data: 24/10/2014
Veículo: O Popular
Repórter: Eduardo Pinheiro
Falta de cuidados com edifícios construídos em art déco na Região Central da capital preocupa Iphan
Mesmo jovem, Goiânia esconde sua história. Nas fachadas cobertas por publicidade, nas linhas arquitetônicas dos prédios, em monumentos, ruas, calçadas e principalmente na vivência que o cidadão estabelece com a cidade. Com 81 anos, completados hoje, a capital criada como marco do avanço da modernidade para o Oeste do Brasil, reforça mitos de sua fundação e avança com a força do mercado imobiliário.
As 12 primeiras quadras do Centro da capital, contadas a partir da Praça Cívica rumo a Praça do Trabalhador, falam, para o pedestre atento, sobre as origens da cidade. Atrás das fachadas dos prédios das Ruas 3 e 4 e Avenidas Anhanguera e Paranaíba, estão retratados os primeiros momentos de Goiânia. Não somente nos traços art déco, escolhidos pelos arquitetos da década de 1930 como parte da cara que a cidade teria, mas nas casas dos antigos moradores, construídas sem padrão definidos e seguindo moda das revistas de arquitetura da época.
A coordenadora técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Beatriz Otto de Santana, explica que, nesse primeiro momento, os prédios públicos foram construídos segundo o estilo art déco, já tombado pelo próprio instituto, o que acabou sendo seguido por edifícios comerciais, como é o caso da antiga sede do jornal O POPULAR, na Avenida Goiás. Ela atenta para a falta de cuidado da cidade para com a herança histórica, principalmente pelo excesso de publicidade e desorientação visual.
Ainda em 2010 houve uma tentativa da Prefeitura de desobstruir as fachadas, justamente para destacar os traços arquitetônicos históricos e estabelecer uma maior relação do pedestre que passa pela região com os prédios ao redor. No entanto, a empreitada não seguiu adiante. A esperança é a de que após a requalificação urbanística da Praça Cívica, com a retirada do estacionamento e restauração de fontes e monumentos, prometida para o fim de 2015, a revitalização do Centro aconteça.
No entanto, não é só de art déco que faz a história de Goiânia. Santana lembra que, no período posterior, já nas décadas de 1960 e 70, o modernismo brasileiro, ainda que tardio, deu uma cara diferente para a cidade. Esses traços, de estilo mais robusto, com presença maior do concreto, ainda hoje compõem a paisagem urbana goianiense e podem ser vistas no Jockey Clube, na sede do próprio Iphan, e no Estádio Serra Dourada. “É através da arquitetura que a gente se identifica com a cidade. Se há confusão visual, não vai tocar o cidadão. É preciso respeitar e cuidar dessa memória”, diz Santana.
Ruas
As ruas também contam parte da história da cidade. A nomeação das ruas por número, estranha para quem vem de fora, mostra parte do racionalismo moderno que foi usado no projeto de fundação da nova capital. Assim, as ruas menores receberam numeração, para estabelecer um padrão de racionalidade; somente as avenidas de maior destaque ganharam nomes, como é o caso das Avenidas Goiás, Araguaia, Tocantins e Paranaíba.
A superintendente do Iphan, Salma Saddi, explica que, com o tempo, isso foi sendo alterado. Algumas ruas numeradas receberam nome de pessoas importantes para a história da cidade e do País, mas foram perdendo as características iniciais. “Assim, foi preciso resgatar aquela nomeação antiga, justamente para restabelecer um vínculo com a memória da cidade”, diz.
Mercado
Os novos empreendimentos imobiliários buscam explorar o potencial dos lotes devido o valor venal, o que deixa a história e a memória em segundo plano. A avaliação é da coordenadora técnica do Iphan, Beatriz Otto de Santana. Segundo ela, a demolição de casas históricas em Goiânia, com foi o caso da residência da colunista e estilista Daura Sabino, que morreu em 2011, na Rua 20, são fruto desse direcionamento. “Geralmente, casas como essa dão lugar a uma arquitetura pobre, deixando a cidade feia. É preciso conjugar o avanço com o respeito à memória”, afirma.
Reforço ao mito de Pedro Ludovico
O fundador de Goiânia, Pedro Ludovico Teixeira, é o grande mito que reforça a identidade da cidade. Segundo o professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, Rildo Bento, é praticamente impossível andar em Goiânia e não se deparar com Pedro Ludovico enquanto símbolo. Seja através de topônimos ou dos monumentos e museus.
Bento diz que a memória é seletiva, cada cidadão busca para si seus lugares de memória. No entanto, a cidade, junto com o poder público, normatiza e sacraliza a memória que quer fixar. “A cidade elege lugares para resguardar. Assim, a construção mítica de Pedro Ludovico Teixeira age como uma forma de perpetuação do poder. O museu, o busto, a estátua equestre são monumentos que o reforçam como fundador da cidade”, afirma.
Como Goiânia foi inventada, com a população vinda de diferentes lugares, foi preciso despertar o sentimento de identidade e Pedro Ludovico era o homem moderno, que conseguiu levantar uma capital no Oeste brasileiro em meio a uma crise. “Devemos perguntar quais são as estratégias do poder publico para eleger esses momentos, reforçá-los e criar identidade”, diz.
Fuente: O Popular
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