Aninha vive

Data: 09 de abril de 2015

Fonte/Veículo: Diário da Manhã

Link direto para a notícia: http://www.dm.com.br/revista/2015/04/aninha-vive.html

Após três décadas de sua morte, completadas hoje, Cora Coralina está a cada dia mais inserida na cultura brasileira. Sua casa é o ponto turístico mais procurado da cidade de Goiás e a leitura de suas obras tem sido incentivada em toda parte

Foto: divulgação

 

Ah, se os becos “discriminados e humildes”, da cidade de Goiás falassem… certamente “lembrariam passadas eras”. Contariam sobre aquela rotina da velha e pacata Vila Boa, que se contrasta com a vida movimentada de seus ativos moradores, folclores, tradições e até algumas injustiças. Mas, espere. Uma certa mulher vinda do final do século retrasado já fez isso: Cora Coralina. Seus versos deram voz ao que se passava entre aquelas ruas estreitas e paisagens bucólicas, como ninguém. Contrariando a lógica, se consagrou, mesmo com pouco estudo – e distante do eixo-cultural brasileiro –, como um dos nomes mais importantes da poesia do século XX.

Hoje completam-se três décadas que não se pode mais avistá-la, escorada nas janelas na casa onde nasceu e morreu, de frente para o Rio Vermelho, naquela “cidade de onde levaram o ouro e deixaram as pedras”. Mas sua presença foi eternizada em uma rica obra que começou a ser construída quando tinha 14 anos. Desde então publicava seus escritos em jornais da região, como o semanário Folha do Sul, da cidade goiana Bela Vista.

Apesar de ter a vida rodeada pelos versos, trabalhou duro como doceira para criar os filhos, e só veio a publicar o primeiro livro quando tinha 76 anos. Trata-se de sua obra mais famosa, intitulada Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (Editora José Olympio), que foi lançado em 1975. Foi esta obra, inclusive, que possibilitou o nascimento de “Aninha” para a cena literária nacional. Mas é fato também que talvez muita gente não a conhecesse, se não fosse o reconhecimento de outro nome poderoso dos poemas: Carlos Drummond de Andrade.

Ele a elogiou no Jornal do Brasil, na década de 1980, e lhe deu a visibilidade merecida, apenas com os simples dizeres: “Não estou fazendo comercial de editora em época de festas. A obra foi publicada pela Universidade Federal de Goiás. Se há livros comovedores, este é um deles”, disse o poeta, que se referia à segunda edição de Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, desta vez, lançado pela universidade goiana.

Sabe-se que além de poetisa e doceira, Cora era ainda uma contista de mão cheia, e em vida publicou ainda Meu Livro de Cordel e Vintém de Cobre – Meias Confissões de Aninha. Assim a senhora de mais de 90 anos ia ganhando merecido reconhecimento: em 1983 recebeu o título de Doutor Honoris Causa da UFG (1983) e, em seguida, foi eleita Intelectual do Ano e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores.

Após sua morte, no dia 10 de abril de 1985, foram lançados mais cinco livros póstumos de Cora. Entre eles, suas pérolas para o público infanto-juvenil, a exemplo de Meninos Verdes e A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu.

 

Conhecer e preservar

Dos 96 anos que viveu, Cora morou 45 em São Paulo, para onde fugiu em 1911, com o futuro marido, o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, que exercia o cargo de chefe de Polícia. Porém, é incontestável dizer que foi a cidade de Goiás, sua verdadeira casa – e dona unânime de sua inspiração.

A relação com a rotina vilaboense está intrínseca em suas obras e, talvez por isso, há a sensação que todos os moradores daquela cidade – até os menores de 30 –, já provaram seus doces. Ou pelo menos avistaram sua lendária “hóspede” Maria Grampinho – que vivia nos porões de sua casa – perambulando pelas ruas.

As lembranças – mesmo que imaginárias – são preservadas cuidadosamente na sua antiga residência, que se tornou o Museu Casa de Cora Coralina. Devido zelo da administração, o local quase cochicha com os visitantes a rotina de doceira. Estão claros, ali, seus cuidados com o jardim, bica e pomar. A ânsia de preservar é tanta, que fez a residência resistir, quase incólume, à brutal enchente do Rio Vermelho, que inundou e destruiu grande parte do Centro Histórico de Goiás, em 2001.

Repleta de recordações, a “Casa de Cora” se tornou então o maior ponto turístico da antiga capital, já que, segundo a diretora do museu, Marlene Vellasco, é o local mais procurado entre turistas. Ainda de acordo com a diretora, ano passado a residência acolheu cerca de 20 mil vistantes. “São pessoas de toda parte do Brasil e também do mundo que querem conhecer onde Cora viveu. Acho que ela faz sucesso porque está quase tudo como ela deixou”.

 

Cora para vilaboenses

Porém, uma questão que preocupa grande parte dos apreciadores e pesquisadores da obra de Cora Coralina – inclusive Marlene Vellasco – é se os goianos, principalmente os vilaboenses, conhecem de fato o trabalho da poetisa. No entanto, as previsões são favoráveis, pois, conforme a diretora, a continuidade de seus versos deve longevidade, devido a seu incentivo escolas junto ao público infanto-juvenil.

“Hoje a obra de Cora Coralina é estudada nas escolas de todo Estado. Então, é raro chegar uma criança aqui que não tenha lido pelo menos um livro da poetisa. E ela também sempre falava que sua obra era para a juventude. E a juventude está lendo Cora”, comemora a diretora.

Outro projeto que Marlene Vellasco ressalta, e que também incentiva o convívio direto da sociedade com a obra de Cora Coralina, está sendo desenvolvido há cerca de um ano na cidade de Goiás e se chama Mulheres Coralinas. Desenvolvido em parceria entre a Secretaria de Cultura da Cidade de Goiás e a Secretaria de Políticas Para Mulheres, busca deixar a obra da poetisa em contato com um dos focos da obra da Cora: as mulheres vilaboenses simples, excluídas e sem acesso direto à cultura.

Dessa forma, o projeto atende cerca de 150 mulheres e prevê a capacitação e formação em áreas específicas de trabalho, como cultura, artesanato, gastronomia e em conhecimentos que contribuem para a conquista da autonomia intelectual e emancipação cidadã.

“Muitas participantes viam Cora Coralina como uma pessoa ranzinza e distante, e de uma poesia que não era atrativa. Mas isso está mudando. Com este trabalho tem-se oportunidade que percebam que Cora Coralina escreve para elas, as excluídas e sem voz”, explica Ebe Lima, uma das coordenadoras deste projeto.

 

EM HOMENAGEM À CORA, CIDADE DE GOIÁS RECEBE 9ª JORNADA CORALINEANA

Desde ontem, a cidade de Goiás acolhe a 9ª Jornada Coralineana e Outros Estudos Literários, promovida pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) em parceria com a Casa de Cora. Com intuito de homenagear a poetisa mais famosa de Goiás, o evento conta com palestras, mesas-redondas e recitais. As atividades começaram ontem,  com o lançamento do documentário do diretor goiano Lázaro Ribeiro Maria Macaca, que teve a participação da protagonista do curta, Elisa Lucinda. Veja a programação completa do evento a seguir:

 

Hoje

19h30: Momento poético – Declaração de poemas de Cora Coralina por alunos da UEG

Local: UEG da Cidade de Goiás

20h: Exibição da animação A Chegada de Aninha, de Rosa Berardo

20h30 Mesa-redonda: com o professor da UFG José Fernandes e professor Samuel Campos Vaz

Local: UEG da Cidade de Goiás

*Durante todo o dia haverá visitas

à casa e ao túmulo de Cora Coralina

 

Amanhã

19h: Missa de Ação de Graças em memória de Cora Coralina

Local: Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

 

 

CORA EM GOIÂNIA

 

Nascida Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, foi com o pseudônimo Cora Coralina que a poetisa se tornou grande. Ela resolveu adotar o nome que viraria sua maior marca após completar 50 anos. Com a nova idade, disse ter passado por uma profunda mudança interior, em que tinha perdido o medo. Após a transformação, se assumiu ainda mais como a escritora que sempre foi. Após sua longa jornada, não é só em Goiás que seu nome é quase uma presença tácita, em Goiânia Cora Coralina está em órgãos públicos importantes, como a Vila Cultural Cora Coralina, que se localiza ao lado  do Teatro Goiânia, bem no Centro da Capital. Muitos ainda passam diariamente pela Avenida Cora Coralina, no Setor Sul.

 

 

 

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