O erro de informações contraditórias

Data: 11 de abril de 2015

Veículo: Diário da Manhã 

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Os meios de comunicação e a internet divulgam dados diversos sobre alimentos e medicamentos. Confiar no conteúdo disponível sem consultar um ou mais profissionais pode configurar risco de vida

Os refrigerantes têm o poder de estimular a produção de dopamina (o hormônio do prazer) pelo cérebro, aliviam náuseas e fornecem energia, porém podem provocar danos nos dentes e aumentar o risco de hipertensão. Bebidas alcoólicas fazem bem ao coração e pode auxiliar no processo de recuperação de lesões no cérebro, mas também causa dependência, problemas no fígado e nos rins, afetam a concentração e atrapalham a memória. Essas são algumas informações sobre esses tipos de bebidas que podem ser encontradas na internet, mas todas as afirmações acima são verdadeiras?
Segundo o psiquiatra Mateus José Abdalla Diniz, a internet, ao mesmo tempo que é uma ferramenta fantástica, que dá as pessoas infinitas possibilidades de pesquisa, é muito perigosa. Esse perigo é devido à existência de uma discrepância muito grande na qualidade das informações apresentadas, sendo que uma pessoa leiga em determinado assunto dificilmente saberá se pode ou não confiar naquela informação.
Conforme ele, a procura por informações na internet sobre os mais variados assuntos já faz parte do dia a dia do brasileiro, porém é preciso redobrar os cuidados, principalmente quando o tema é saúde. “Há quem, após pesquisar em sites na internet, resolva por conta própria trocar o tratamento e até o medicamento prescrito pelo seu médico. Há quem, na dúvida, começam a seguir simultaneamente os dois tratamentos: o encontrado em algum site e o receitado em consultório. E há internautas que nem chegam a procurar um médico e decidem se automedicar”, cita.
O profissional lembra que esse não é um problema da atualidade, e que não é de hoje que se escuta falar de pacientes que seguem as dicas de tratamento de conhecidos e acabam não procurando um médico, sendo que esta ação pode levar a uma intoxicação medicamentosa, sem falar na piora do quadro clínico. Essa é uma prática antiga, existente desde antes da criação da internet, sendo que naquela época as pessoas seguiam conselhos de amigos e vizinhos em vez de recorrer ao médico.

Recomendações
Com a evolução frequente da internet e a criação de novos meios de acessá-la, atualmente as pessoas acessam um site de busca à procura de informações sobre qualquer assunto, inclusive quando se trata da própria saúde ou de familiares. O psiquiatra explica que isso gera enormes riscos, não só porque as informações podem ser incorretas, mas porque os tratamentos devem ser individualizados. “O que serve para um paciente, pode não servir para outro e até mesmo prejudicá-lo. O médico é a pessoa que estudou o assunto e está gabaritada para realizar o seu diagnóstico e instituir um tratamento adequado para a doença, suas variações, estágios e uma infinidade de outras características que não podem ser uma receita de bolo”, diz.
Na opinião do psiquiatra, seria mais interessante pesquisar as questões de saúde em sites especializados e de conteúdo com maior credibilidade, a exemplo das Sociedades Brasileiras da área em questão. Ele recomenda também levar os resultados das pesquisas na internet para discutir com o médico durante a consulta, para avaliarem juntos se o que encontrou é válido no seu caso.
Em nossa sociedade existe diversos tipos de pessoas com características físicas, psicológicas e de personalidades diferentes, e devido a isso algumas são mais influenciadas por pesquisas ou informações. O profissional afirma que certamente as pessoas mais sugestionáveis, impressionáveis e com traços hipocondríacos estão mais susceptíveis a cair na armadilha das informações incorretas.
A nutróloga Adriana Alves de Meneses Delevedone afirma que é necessário tomar cuidado com as informações divulgadas na internet, pois muitas delas entram em contradições e muitas das postagens não existem comprovações científicas. Ela explica que algumas pessoas criam posts ou falam sobre nutrição e exercícios físicos sem nem ter qualquer formação na área, e um produto ou medicamento pode ser bom para determinada pessoa e para outra não.
“Como saber se o que você está lendo realmente é relevante e verdadeiro ou não? Você deve primeiro analisar se a pessoa tem qualificação para falar sobre determinado assunto ou não, se é graduada ou não, ou se existe embasamentos científicos, referências bibliográficas e tudo mais”, recomenda a nutróloga.

Exemplo
O psiquiatra Mateus José Abdalla Diniz cita os dados de uma pesquisa de Monerat e colaboradores apresentada no 30° Congresso de Cardiologia da Socerj – Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro. Esse estudo exemplifica a importância do cuidado ao pesquisar alguma informação na internet relacionada a saúde.
De acordo com a pesquisa, em busca de sites relacionados a problemas cardiovasculares e vídeos postados no YouTube, por exemplo, dos 1.152 endereços analisados, apenas 4,3% apresentavam informações corretas. Entre os temas mais procurados em cardiologia, chegou-se à conclusão de que a hipertensão arterial é o mais recorrente. Matteus diz que dos 281 vídeos encontrados com essa terminologia, apenas 20 (7,1%) foram considerados minimamente apropriados, contendo informações confiáveis.
Os dados revelam também que o assunto arritmia, por sua vez, trouxe 561 vídeos espontâneos, dos quais apenas 18 (3,2%) continham informações seguras. Já para a expressão insuficiência cardíaca, foram analisados 310 vídeos, sendo que apenas 23 (7,4%) apresentavam conteúdo verdadeiro.
Nesse trabalho, foi observado que nenhum vídeo apresentava informações bibliográficas, nem embasamento teórico. “Ou seja, ao invés de esclarecer o público leigo, esses vídeos podem colocar em risco a saúde do internauta. Como se não bastasse, o estudo mostra que, de fato, a maioria dos sites traz informações erradas, podendo comprometer o estado de saúde do paciente”, conclui.

Influência dos meios de comunicação

Para o professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), prof. dr. Goiamérico Felício Carneiro dos Santos, é inegável o forte poder de influência exercido pelos meios de comunicação na ordem do consumo das sociedades atuais. Ele afirma que vivemos na cultura da mídia, o que implica considerar que vivemos sob as instâncias das esferas da informação, do entretenimento e do consumo.
“Todo e qualquer formato e gêneros discursivos comunicacionais são geridos e entram nas programações no sentido de fazer esse tripé funcionar. A indústria da comunicação, portanto, deve se sustentar financeiramente. Por isso, a notícia, devemos admitir, tem um viés econômico. Ou seja, o capital da notícia é que consegue dar sustentação econômica e financeira aos veículos midiáticos. Essa seria uma propaganda subliminar, ela se disfarça não se mostra propaganda. Mas a informação, sub-repticiamente, possui uma vertente mercadológica. Para que a informação cumpra o seu papel de chegar até o público-alvo, isso implica custos”, diz o professor, explicando que a informação é um produto a ser negociado entre os agentes que provocam ou criam os fatos e aqueles que transformam os fatos em notícias serem vendidas ao consumidor final.

ESCOLARIDADE
Goiamérico afirma que todas as pessoas, em algum grau, são influenciadas e influenciadores num processo comunicacional, mas destaca que existe uma parcela enorme das sociedades que sofrem maior influência dos meios midiáticos se deixando tanger sob os ditames anunciados. Segundo ele, quanto menor for o grau de escolaridade, maior será o poder e a influência sobre elas.
Ele explica que as camadas mais pobres, não só economicamente, mas culturalmente, são mais crédulas e que essas pessoas não conhecem os processos de construção das notícias e das programações midiáticas. “Elas ignoram os processos de produção e os jogos de poder que permitem as construções das narrativas jornalísticas, publicitárias, televisivas, cinematográficas e também as narrativas dos jogos digitais. O capital político e o capital financeiro dão sustentação às construções das narrativas midiáticas. Quem ignora as relações de poder que perfazem os meios midiáticos acabam sendo vítimas mais fáceis. Suas mentes incautas tendem a acreditar que, se ‘deu no jornal, na televisão’ aquilo que se veiculou passa a ser verdade”, relata.
Para Goiamérico Felício Carneiro dos Santos, professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), as propagandas podem se constituir em remédio, veneno ou cosmético. Elas se constituem remédio quando cumprem o papel de informar, educar, esclarecer, levando os consumidores a optarem pelos produtos que mais benefícios e vantagens possam lhes oferecer.
Ela também, enquanto remédio, propicia um alargamento das possibilidades de instauração de princípios democráticos. O professor explica que se os veículos contam com maiores volumes de verbas da iniciativa privada, eles passam a depender menos das verbas públicas, ficando assim menos dependentes das ingerências dos poderes públicos.
Quanto às narrativas publicitarias se instituírem como veneno, isso ocorre quando elas mentem, engana, não levam em conta os princípios éticos. “Salientemos que a melhor maneira de se provocar a ruína de uma personalidade pública e de produtos que são anunciados sem que venham a contar as qualidades anunciadas será fazer uma boa propaganda delas. Ou seja, uma boa propaganda pode matar um produto ruim, aquele que faz promessas que não cumprem”.

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