Autonomia dos clubes é debatida por comissão; Bom Senso critica CBF

Data: 19 de maio de 2015

Fonte/Veículo: O Tempo

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Representantes do Bom Senso FC, da Receita Federal, da Caixa Econômica Federal e da Universidade Federal de Goiás participaram das discussões nesta terça-feira

MP do Futebol comissão
MP do Futebol é discutida por comissão mista no Congresso

Em nova audiência pública promovida pela comissão mista que analisa a MP 671/2015 (a chamada MP do Futebol, que refinancia dívidas dos clubes brasileiros), o principal tema foi a autonomia dos clubes e federações do futebol brasileiro. Os efeitos da medida provisória sobre a gestão interna das entidades foi tema que opôs os convidados à audiência desta terça-feira (19).

O advogado Wladimyr Camargo, professor de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em direito desportivo, afirmou que a MP carrega uma “inconstitucionalidade latente” porque, segundo ele, viola a autogestão dos clubes.

O problema apontado por Camargo reside nas práticas de gestão administrativa impostas pelo Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), que garante o refinanciamento. O programa exige dos clubes que aderirem a ele a obediência a normas como limitação de mandatos de dirigentes, teto de gastos com futebol profissional, investimento obrigatório na modalidade feminina, participação dos atletas na gestão e responsabilização pessoal dos dirigentes por gestão temerária.

Camargo explica que o direito desportivo garante às entidades esportivas a autonomia para criarem suas próprias normas, mesmo que, de forma geral, tenham que se sujeitar ao ordenamento jurídico civil de seus países. Essa autonomia estaria sendo violada quando uma lei passa a impor aos clubes obrigações e punições.

"As entidades se autorregulam, são autogestionárias e têm mecanismos judiciais próprios e internos, afastados do Estado, para colocar em prática suas sanções. A autodeterminação dos clubes está sendo ferida porque temos uma situação de tutela do Estado na organização interna", destacou Camargo.

Ele questionou especificamente a regra que impede um clube participante do Profut de disputar competições organizadas por entidades que não respeitem as regras do programa. Uma dessas regras para as entidades é apenas aceitar em seus torneios clubes que tenham aderido ao Profut.

Essa norma, de acordo com o professor, criaria uma cascata de “adesões compulsórias”, pois obrigaria entidades a aderirem ao Profut para acomodarem seus filiados e clubes a aderirem para poderem manter-se em atividade dentro dessas entidades.

"O direito de ficar fora, que é sinônimo de autonomia desportiva, está sendo desprestigiado. Se não há esse direito não se trata de autonomia, e sim de tutela, de ingerência indevida nas entidades esportivas", argumentou.

Camargo disse ainda que o universo jurídico criado pela MP estaria em desacordo com decisões internacionais, inclusive da Organização das Nações Unidas (ONU), que enxergam o direito desportivo como parte dos direitos humanos e reconhecem a plena autonomia das entidades esportivas em questões de gestão.

O contraponto foi feito por Ricardo Martins, diretor-executivo do Bom Senso Futebol Clube – um movimento independente criado por jogadores profissionais para discutir a situação do futebol brasileiro. Ele manifestou-se a favor da MP e disse que o conceito de autonomia não é absoluto e não deve se confundir com soberania e independência.

"A gestão irresponsável é fomentada por um problema sistêmico. Clubes que respeitam seus orçamentos são prejudicados diante dos gastadores. Falta regulamentação e há impunidade. Em função de a CBF não assumir esse papel, o Estado precisou entrar na discussão. A ideia não é punir os clubes, e sim protegê-los", explicou Martins.

Martins observou que não há nenhum tipo de coerção embutido na MP, e que se os clubes e entidades não estiverem de acordo com as contrapartidas exigidas pelo texto do governo federal basta não aderirem ao Profut.

"A MP é completamente opcional. Os clubes têm a opção de aderir ou não. Se não quiserem cumprir com as contrapartidas, podem muito bem pagar as dívidas no lugar de aceitar o refinanciamento. É muito comum o credor exigir daquele que deve certas contrapartidas para garantir que a dívida será paga", disse o diretor do Bom Senso.

O representante do Bom Senso finalizou explicando que o Estado pretende apenas garantir as condições mais básicas da prática de uma administração mais racional das entidades esportivas, com alternância de poder e transparência.

"O que o Estado está pedindo é a luz e a água encanada da democracia" resumiu ele.

Arrecadação

Carlos Roberto Occaso, subsecretário de Arrecadação e Atendimento da Receita Federal, também apoiou a instituição de regras de gestão como exigência para participação no Profut. De acordo com ele, programas de refinanciamento precisam fazer exigências firmes aos beneficiados. Nesse sentido, ele acredita que a MP é até “bastante generosa”.

"O parcelamento especial e setorial até pode existir, desde que seja mais restrito do que a cobrança geral. Só faz sentido se for mais rigoroso. A norma deve estabelecer regras de gestão, governança e responsabilização, para garantir o cumprimento regular dos tributos e o equacionamento das dívidas", destacou.

Sua argumentação se baseou nos resultados obtidos pelos programas de refinanciamento de dívidas fiscais promovidos pelo governo federal desde 2000, considerados maléficos ao Tesouro. Foram nove, sendo quatro apenas em 2014. A taxa de abandono e exclusão alcança até 90% das adesões iniciais, e o passivo tributário da União cresceu – hoje, atinge R$ 1, 35 trilhão, segundo o subsecretário.

Além disso, a “banalização” dos programas de refinanciamento, segundo ele, foi na contramão do objetivo original e criou uma cultura de maior inadimplência.

"Eles influenciam o comportamento do contribuinte no cumprimento voluntário da sua obrigação. O contribuinte entra no parcelamento, transita por um período, se torna inadimplente e volta a pressionar por um novo parcelamento" relatou.

Conforme dados da Receita, o nível de adimplência voluntária (pagamento espontâneo dos tributos devidos) caiu 1,7% desde 2013, a um custo de R$ 85 bilhões para os cofres públicos.

Financiamento

Outro tema abordado na audiência pública desta terça-feira foi a possibilidade de abertura de novos canais de financiamento federal para os clubes de futebol, através das loterias federais. Fábio Cleto, vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa Econômica Federal, fez uma exposição aos parlamentares.

De acordo com ele, o Brasil está entre os dez países com maior arrecadação bruta através de loterias – a previsão para 2015 é de R$ 15,1 bilhões. No entanto, ainda há muito potencial inexplorado para arrecadar mais quando se considera o faturamento per capita, que, a cerca de US$ 20 por habitante ao ano, é apenas o 15º do mundo.

Segundo Cleto, a “pulverização” de destinatários das verbas recolhidas pelas loterias dificulta um maior apoio ao esporte por esse canal – atualmente, são 15 os destinatários finais de financiamento público pelas loterias. Seria preciso expandir a rede de lotéricas para garantir maior faturamento e explorar novos tipos de jogos para que o esporte – e os clubes de futebol, consequentemente – ganhasse novas fontes de renda.

Uma sugestão de Cleto foi a regulamentação federal das apostas esportivas, um ramo atualmente explorado no Brasil quase exclusivamente por empresas estrangeiras e sempre “no limiar da lei”. Com uma tributação do dinheiro que circula ali, e com a abertura para que a Caixa explora também essa modalidade de jogo, seria possível arrecadar, na estimativa do vice-presidente, R$ 1,5 bilhão adicionais por ano, dos quais R$ 225 milhões poderiam ser destinados para o esporte.

Além das loterias, a Caixa financia diretamente 12 clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro (respectivamente primeira e segunda divisões), através de contratos de patrocínio.

Próximos passos

A comissão mista da MP do Futebol fará mais uma audiência pública nesta quarta-feira (20). Nela, ouvirá Walter Feldman, secretário-geral da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e o ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que é especialista em direito desportivo.

Pelo plano de trabalho da comissão, o relator da MP, deputado Otávio leite (PSDB-RJ), deve apresentar seu relatório já na próxima semana.

 

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