Use seu computador para descobrir uma cura contra o zika

Data: 19 de maio de 2016

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Link direto da notícia: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/05/use-seu-computador-para-descobrir-uma-cura-contra-o-zika.html 

 

Uma parceria entre a Universidade Federal de Goiás e a IBM coloca computadores voluntários, de pessoas comuns, para ajudar na busca por remédios que combatam o vírus

 

RAFAEL CISCATI
19/05/2016 - 08h33 - Atualizado 19/05/2016 08h33

 

A superfície do vírus zika. Sua estrutura é semelhante à do vírus da dengue, o que pode ajudar no desenvolvimento de vacinas (Foto: Purdue University/Kuhn and Rossmann Research Groups)

Carolina Andrade dedica a vida a montar quebra-cabeças químicos. Professora da Universidade Federal de Goiás, Carolina tenta descobrir novos fármacos - os princípios ativos dos medicamentos - para tratar doenças como malária e leishmaniose. São males que costumam afetar comunidades pobres em países em desenvolvimento, e para os quais os tratamentos disponíveis são pouco eficientes, ou sequer existem: “A indústria farmacêutica, muitas vezes, não tem interesse em criar bons medicamentos para essas doenças”, diz Carolina. Em 2015, ela e o colega Sean Ekins, um britânico especialista no desenvolvimento de novas drogas, trabalhavam na criação de tratamentos para dengue quando foram surpreendidos pelo surto de zika: “Os dois vírus pertencem a mesma família, são muito parecidos”, diz Carolina. “Decidimos expandir nossas pesquisas para tratar de zika também”.

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Descobrir uma substância capaz de incapacitar um vírus é, em grande parte, um trabalho de tentativa e erro. Para infectar um hospedeiro, o vírus produz proteínas que se conectam à célula que ele quer invadir. A missão dos cientistas é descobrir compostos químicos capazes de se ligar a essas proteínas e barrar a invasão. Para fazer isso, Carolina e Sean usam programas de computador que analisam a estrutura do vírus e selecionam substâncias químicas com potencial para combatê-lo. No laboratório, a equipe de Carolina testa esses compostos selecionados para verificar como o vírus se comporta na presença deles.O processo de montagem dessa quebra-cabeças, em que é preciso descobrir a substância certa que encaixe no invasor, é demorado e exige o uso de máquinas poderosas. Carolina e Sean decidiram acelerar o trabalho ao dividir suas análises entre um exército de computadores e celulares voluntários espalhados pelo mundo.

Desde 2004, a IBM, a gigante americana do setor de informática, coloca à disposição de cientistas um recurso chamado World Community Grid (WCG). Trata-se de uma rede de computadores espalhados pelo planeta e que pertencem a pessoas comuns, dispostas a doar parte do poder de processamento de suas máquinas a projetos com os quais elas se identificam. Quando você deixa seu computador ligado para ir almoçar, ou quando mata o tempo navegando pelo Facebook, grande parte da capacidade de processamento da máquina deixa de ser usada. Quem participa do WCG faz o download de um aplicativo que identifica esses momentos de ociosidade. O programa então usa esse poder de computação excedente para processar dados de pesquisas como as de Carolina.

O WCG faz parte de uma estratégia apelidada de “computação distribuída”. Ela começou a ser desenvolvida no final dos anos 1990 e, hoje, é empregada por outros grupos além da IBM e em diversas áreas da ciência: do desenvolvimento de novos medicamentos à busca de vida extraterrestre. Baseia-se na ideia de que, em lugar de usar poucas máquinas poderosas - e caras - para resolver um problema, é mais eficiente dividir esse problema entre um número grande de computadores e aparelhos celulares, cada um dedicado a analisar um número pequeno de dados.

A rede de computadores voluntários criada pela IBM se dedica a projetos relacionados a saúde e sustentabilidade. São cerca 700 mil máquinas que já ajudaram no combate à epidemia de ebola na África, ao oferecer estrutura para os cidadãos comunicar demandas diretamente aos governos; e que foram usados na comparação dos genomas de diversas espécies de seres vivos - um conhecimento importante para o desenvolvimento de medicamentos -, em um projeto desenvolvido no Brasil pela Fiocruz.

Uma das vantagens da computação distribuída é que ela permite aos cientistas ser ambiciosos: “Muitas vezes, os cientistas nos enviam propostas de projetos que foram adequados às limitações dos recursos das universidades em que eles trabalham”, diz Patrícia Menezes, executiva de Cidadania Corporativa da IBM para América Latina.Eles têm espaço para ser mais ousados. O projeto de Carolina foi dividido em duas etapas. Na primeira, os pesquisadores vão usar os recursos do WCG para analisar 20 milhões de substâncias químicas. Essa primeira fase está programada para durar até dois anos - mas deve terminar antes disso, pelos cálculos da pesquisadora. Se render bons frutos, o projeto parte para a segunda etapa, durante a qual serão examinadas 90 milhões de substâncias: “Nós levaríamos anos para fazer essas análises no meu laboratório. Que é um laboratório bom, voltado para isso”, diz Carolina. “Isso inviabilizaria o projeto. Ou nos forçaria a pensar em um conjunto de substâncias menor”.

Carolina e Sean descobriram o WCG por acaso, através de um comentário que ele leu no Twitter. Em fevereiro, a IBM abriu um processo de seleção, em busca de projetos relacionados a zika que pudesse apoiar. A empresa faz isso com certa periodicidade, para temas variados. “Mas os pesquisadores podem sempre nos procurar com projetos próprios”, diz Patrícia. O contato é feito através do site do WCG. É também por lá que os não cientistas podem se tornar colaboradores - basta fazer um cadastro e baixar um aplicativo. Um esforço ínfimo, que pode ajudar a ciência a avançar a passos mais largos.

 

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