Aposentadoria da Delegada Nadir Cordeiro ganha destaque no jornal O Popular

Data da notícia: 12 de Janeiro de 2017

Veículo/Fonte: ADPEGO

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Quarenta anos contra o machismo

APOSENTADORIA:  Primeira delegada da mulher do Estado de Goiás se prepara para deixar a carreira após mais de 40 anos na Polícia Civil,com muitas histórias de violências e superação

Texto: Cleomar Almeida

nadir

A delegada de polícia Nadir Batista Cordeiro assumiu a Delegacia da Mulher em 1985: Foi a segunda unidade criada no País

Os anos chegam. O tempo passa. A idade avança. Ficam a experiência, a bravura e a sensi- bilidade de uma mulher que dedicou 43anos de sua vida à Polícia Civil do Estado de Goiás. Prendeu uma série de criminosos. Assassinos.  Latrocidas. Estupradores. Ladrões. Estelionatários. “Já fui ameaçada  e subjugada”, diz a delegada Nadir Batista Cordeiro, de 70 anos, que já se afastou dos trabalhos para se aposentar no mês que vem, sem perder a sede por Justiça social.  Ela também foi a primeira delegada da mulher no Estado.

Conhecida como rígida e criteriosa nas investigações, Nadir iniciou, na Polícia Civil, como escrivã, em1973, época em que ainda vigorava a Ditadura Militar no Brasil. Durante os conhecidos  Anos de Chumbo, ascendeu na carreira e chegou a ser comissária da corporação, em 1977,ano em que também se formou,em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Tornou-se delegada em 1979, atuando em Goiânia e região metropolitana.

Sempre chegou ao trabalho cedo,sabendo que, por trás dos inquéritos,havia famílias inteiras, vítimas de violência e criminalidade, à espera de respostas. “Nunca tive nada que fizesse eu chegar atrasada”,afirma. E, na luta intensa contra a impunidade, aprendeu a tratar todos de forma respeitosa. “Nunca deixei de atendera uma pessoa  que me procurasse para denunciar violência. Se a pessoa não denunciar,a polícia não toma conhecimento, nem o Ministério Público nem a Justiça”.

“Nunca deixei de atender a uma pessoa que me procurasse para denunciar. Se a pessoa não denuncia, a polícia não toma conhecimento, nem o MP nem a Justiça”

Nadir gosta de gente. De gente pobre, sobretudo. Da periferia. Das  minorias, geralmente desprezadas pelo poder público. “A gente precisa enxergar o outro como gostaria de ser enxergada  também”,ressalta ela, que ficou conhecida por desengavetar inquéritos parados nos distritos policiais por onde passou. Ela também teve de superar formas de ameaças tenebrosas, que tentaram impedir a sua atuação a qualquer custo. “Já recebi até coroa de flor”.

Nada,  no entanto,fez a delegada desistir da sua missão profissional. “A gente deve ter força e determinação e não temer a nenhuma ameaça. Acima de tudo está o nosso dever como cidadã”, destaca.

Cinco meses depois do fim da Ditadura Militar no País, Nadir assistiu à criação da primeira De- legacia da  Mulher (Deam), em Goiás, por meio de um decreto de agosto 1985. Foi a segunda especializada do País, atrás apenas de outra que já funcionava em São Paulo (SP). Com apoio do  movimento feminista e de instituições que lutavam contra a violência de gênero, ela se tornou a primeira titular dessa delegacia, em Goiânia.

“A gente precisa enxergar o outro como gostaria de ser enxergada também. Isso é questão de humanidade”

“Infelizmente teve de  abrir até delegacia para que a mulher deixasse de ter medo e vergonha de ser vítima e tivesse um lugar adequado para não se senti constrangida para relatar a violência que havia sofrido”, assevera Nadir, lamentando pelo crescimento de casos de feminicídio em todo o País,como ocorreu na chacina de Campinas (SP). Das 12 pessoas que morreram, nove eram mulheres.

Para a delegada, as mulheres devem se encorajar mais ainda para denunciarem os criminosos, já  que, entende, muitos homens continuam violentos.  Ela Trava uma guerra contra o horror da cultura machista em Goiás e se sensibiliza com  as vítimas.  “Encontrei inquérito de mulher que teve parte do corpo retirado pelo marido”, lembra, destacando que não basta ter delegacias especializadas, mas, também, profissionais preparados  para atender às vítimas e mais juizados adequados.

“Teve de abrir até delegacia para que a mulher deixasse de ter medo e vergonha de ser vítima e tivesse um lugar adequado para não se sentir constrangida”

Além de se sensibilizar com as mulheres, Nadir entende que idosos, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis precisam ter a devida atenção do poder público na elucidação de crimes, assim como os jovens pobres e negros,que lideram entre as vítimas de violência e criminalidade.  “Quase ninguém gosta de idoso ou de  pessoas mais simples. Alguns delegados só querem casos de ostentação e que saem na mídia”, critica.

Receptiva, Nadir aposta em novos delegados, como o Manoel Vanderic Correa Filho,  de Anápolis, para continuar movimentando a engrenagem dos sistema de Justiça.“A gente precisa abrir caminho para os outros”, afirma a mulher que vê os anos chegarem com muito trabalho, o tempo passar com sabedoria e a idade avançar com louvor. Deixa o seu legado.

 “Quase ninguém gosta de idoso ou de  pessoas mais simples. Alguns delegados só querem casos de ostentação e que saem na mídia”

                                                                  Dos morros ao voluntariado

A sensibilidade da delegada da Polícia Civil de Goiás Nadir Batista Cordeiro, de70anos, começou a  ser aguçada quando ela ainda era adolescente,em Arraias(TO), cidade onde nasceu.“Eu era catequista,ia nos morros na Região de Arraias e cheguei a levar uma criança que estava na rua para casa”,lembra ela,que sempre teve o apoio dos pais, o casal de fazendeiros José Batista Cordeiro, de89, e Ana Gertrudes da Silva Batista, de 77. Ambos morreram. Um dos 10 filhos do casal, Nadir enxergou na própria comunidade onde vivia a importância de se solidarizar com o próximo. “Eu visitava os asilos e as famílias mais pobres.Quando alguém morria, eu pedia o papai para ajudar no enterro”,diz.

Mãe do agente de polícia Marco Aurélio Cordeiro Silvério, de51, do gestor de saúde pública Marcos Antônio Cordeiro Silvério, de 49, e da administradora Neryvânia Cordeiro Silvério Costa, de 50, ela  quer dedicar a nova fase da vida,após a aposentadoria, à família, aos oito netos e a novos trabalhos voluntários. Sempre, no entanto,priorizando sua saúde.“Vou retomar os exercícios na academia”.

Fonte: O Popular – Edição de 09.01.17