Novos cursos podem agravar velhos problemas

O debate está iniciando-se, mas os prazos são exíguos. As diretrizes do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) prevêem que já em 2008 haverá liberação de recursos. Veja artigo do professor Fernando Pereira dos Santos.

Jornal O Popular, 19/08/2007

Novos cursos podem agravar velhos problemas

O debate está iniciando-se, mas os prazos são exíguos. As diretrizes do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) prevêem que já em 2008 haverá liberação de recursos para as universidades que tiverem sua adesão aceita pelo MEC. Neste sentido é bem-vindo o documento preliminar que trata das propostas do Reuni/UFG.

Fernando Pereira dos Santos

O Reuni parte de um pressuposto de que é necessário um grande aumento no número de alunos das universidades públicas, além de constatar uma alta taxa de evasão em nossas universidades, em algumas de mais de 50% (quase 40%, na UFG), e estabelece uma meta, para quem aderir ao programa: um índice de conclusão de 90%, além de uma relação de 18 alunos de graduação para cada professor da instituição (hoje esta relação na UFG é de 14,7 alunos por professor).

Embora o Reuni apresente essas duas metas principais, ele é muito mais que isto. Parte da análise do modelo de universidade brasileira constatando problemas discutindos há décadas, mas que permanecem, em nosso caso até acentuando-se ao longo dos anos. Este momento é ímpar para repensar a UFG e projetá-la para o futuro. Não podemos simplesmente fazer “remendos” para buscar o “dinheiro do MEC”, mesmo porque este dinheiro é público e só se justifica o seu gasto num projeto que tenha de fato relevância para a sociedade.

Algumas universidades já estão em processo mais adiantado que a nossa. É o caso da Universidade Federal da Bahia, que propõe uma radical reformulação em sua graduação. Baseando-se nos modelos de países desenvolvidos, apresenta a criação dos Bacharelados Interdisciplinares (BI), pré-profissionalizantes, com duração de três anos, com formação geral e com ênfase em grandes áreas do conhecimento.

A comissão que apresentou as propostas preliminares para o Reuni/UFG optou por rejeitar as propostas discutidas na UFBA e na UnB, e propõe a criação dos Bacharelados em Grandes Áreas do Conhecimento (BGAs), além de algumas sugestões para que as unidades acadêmicas incrementem o número de alunos, sem alterar o modelo atual de graduação.

Os BGAs seriam cursos em quatro áreas do conhecimento (Ciências da Vida, Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes e Ciências Exatas e da Terra), com processo seletivo específico e duração de três anos. Ao término do curso o aluno receberia um diploma de graduação. É bom salientar que os BGAs teriam grades curriculares próprias e o aluno entraria buscando a formação geral, sabendo que o curso não teria continuação para a sua profissionalização.

A proposta dos BGAs inspira-se no modelo da UFBA e da UnB, mas, diferentemente daquelas universidades, não leva em conta a graduação como um todo. É um modelo que, ao invés de integrar os cursos, os distancia ainda mais, criando cursos novos com novas grades curriculares sem diálogo efetivo com os atuais. Da forma como estão sendo propostos, parecem até algo à margem da universidade, inclusive com processo seletivo e até instalações separados. Sem alterar o modelo atual, para cumprir as metas propostas pelo Reuni os BGAs terão de necessariamente compensar os números deficientes dos cursos atuais – e da forma como estão sendo propostos podem até mesmo piorar nossos índices.

A maioria dos alunos que procuram a universidade vem em busca de uma profissão. Alguns deles desistem desta profissão ao longo do curso e não o terminam. Será que os BGAs, sem oferecer nenhuma profissionalização, seriam atrativos para um grande número de estudantes? Se nos cursos que oferecem a profissionalização é grande a evasão, esta não seria ainda maior nos BGAs, onde os alunos estariam lá apenas porque não puderam entrar em um de nossos cursos tradicionais?

O grande problema da proposta é que ela não repensa a nossa graduação atual e nem os altos índices de evasão que temos hoje (como se isto não fosse um problema), rejeita as outras propostas, tachando-as de elitistas, mas não leva em conta que a UFG hoje, nos cursos de maior demanda, já é extremamente elitista. Aliás, todas as ações afirmativas propostas até agora não alteram em nada onde a universidade é de fato elitizada. A simples criação de novos cursos, os BGAs, só faria agudizar os problemas que temos hoje.

Penso que o modelo da Bahia, que considero bom, seria muito difícil de ser aplicado aqui, principalmente pela nossa tradição do seriado anual que engessou os currículos e não possibilitou um diálogo entre os vários cursos, sequer os de uma mesma área de conhecimento, mas acredito que uma proposta que contemple a graduação como um todo pode e deve ser tentada, pois devemos aproveitar este momento para pensar a universidade a longo prazo e não apenas buscar uma forma de receber mais recursos públicos. Existem outras alternativas para tornar a universidade pública mais eficiente e menos elitista: a alteração de nosso modelo de vestibular, promovendo a inclusão onde ela não existe; ações nos cursos onde é mais acentuada a evasão; a criação de um centro de formação de professores que congregasse todas as licenciaturas, redimensionando os currículos e também a entrada dos alunos. Mas uma coisa é certa: não dá pra fazer uma universidade nova mantendo uma velha, com todos os seus problemas, intacta. Temos de ser responsáveis com o investimento a ser feito e também com o futuro dos alunos que entrariam na UFG. Se for o caso, é melhor pensarmos uma proposta para uma adesão futura, mas com a perspectiva de fazer algo que poderá dar certo.

Fernando Pereira dos Santos é professor de Matemática do Cepae/UFG

Source: O Popular

Related Url: /sites/ascom/pages/11191