A Síria se tornou um estado falido, mas quem o deixou assim?

18 de novembro de 2015

Fonte: O Popular

Link da matéria: http://www.opopular.com.br/editorias/cidades/s%C3%ADria-se-tornou-um-estado-falido-mas-quem-a-deixou-assim-1.990271

 

Meses atrás, em entrevista a esse jornal, afirmei que a estratégia americana para o combate ao Estado Islâmico de armar os rebeldes na Síria corria grave risco de armar dissidências entre os rebeldes. O que se costuma chamar de rebeldes não é um grupo monolítico que procura derrubar o regime de Bashar Al-Assad, mas sim uma pletora de grupos e movimentos político-religiosos com diversos interesses na luta ao regime.

Passados alguns meses do discurso oficial do presidente estadunidense Barak Obama, anunciando a decisão pelo treinamento e armamento dos “rebeldes” na Síria e do exército iraquiano, nos cabe, então, fazer uma nova reflexão sobre as consequências e os resultados daquela decisão, na conjuntura atual, tendo em vista o desenrolar dos últimos acontecimentos: crise humanitária, intervenção russa na Síria e o mais recente atentado em Paris.

É provável que parte do armamento oferecido pelos Estados Unidos ao exército iraquiano, e especialmente aqueles oferecido aos “rebeldes”, acabou nas mãos das milícias do Estado Islâmico. O documentário Fugindo do Estado Islâmico, apresenta muito bem várias evidências de que isso tenha realmente acontecido. Adicionando a isso o fato de que a crise humanitária vem se aprofundando, o que se pode vislumbrar no horizonte a curto prazo é uma situação em que clérigos radicais islâmicos em países europeus conseguem atrair a atenção de migrantes insatisfeitos e nacionais europeus, principalmente aqueles não integrados às sociedades europeias e por isso discriminados.

Para além das armas e intervenções, os Estados europeus necessitarão colocar em prática uma enorme força-tarefa com intuito de integrar essa enorme leva de migrantes às suas sociedades. Porém, essa empreitada não será fácil, pois, após os últimos atentados em Paris, a tendência é que partidos da extrema direita, a exemplo do Front National, de Marine Le Pen, ganhem maior influência sobre o eleitorado europeu. Tal acontecimento colocaria em cheque as políticas assistencialistas a imigrantes e estrangeiros e ofereceria oportunidade ao ressurgimento do nacionalismo radical.

Partindo do âmbito da política doméstica para o âmbito internacional, percebe-se que o conflito da Síria, que inicialmente poderia ser caracterizado como uma guerra civil, ganha cada vez mais dimensões de um conflito internacionalizado. Cabe ressaltar que os conflitos acontecem com o intuito não apenas de combater um suposto Estado Islâmico, que ao final sequer pode ser considerado como Estado, já que não dispõe de reconhecimento oficial e jurídico da comunidade internacional.

O conflito gira em diversas órbitas de interesses. A intervenção russa não apenas combate as milícias do Estado Islâmico, mas em algumas circunstâncias atacou postos de outras milícias rebeldes com o intuito de defender o regime de Assad. A Turquia também atacou postos do Estado Islâmico, mas também se aproveitou da situação para atacar os separatistas curdos. As potências europeias e os Estados Unidos vêm apoiando parte dos rebeldes com o intuito de derrubar o regime de Assad e assim derrotar os fundamentalistas do Estado Islâmico.

É certo que há uma convergência em pôr em derrocada o Estado Islâmico, porém não há um alinhamento entre essas diversas partes envolvidas no conflito, o que o torna cada vez mais complexo e cheio de nuances.

As intervenções armadas podem ter efeito paliativo em curto prazo, mas estudos comprovam que em longo prazo sem que haja um comprometimento de desarmamento, estabilização e reconstrução, possivelmente a região em conflito continuará sendo assolada por problemas relacionados à ausência de infraestrutura básica à saúde, desnutrição, miséria etc., o que possivelmente ceifará mais vidas do que os enfrentamentos durante o conflito. Nas Relações Internacionais, quando um Estado encontra-se em uma situação análoga, utiliza-se o termo Estado Falido. Mas neste caso, falido por quem?

 

Matheus Hoffmann Pfrimer é doutor e pós-doutor em Geografia Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG)