Quase um ano após sanção, PEC das domésticas apresenta benefícios e problemas

Data: 15/05/2016

Fonte/Veículo: Pauta Goiás

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No dia 2 de junho de 2015, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Proposta de Emenda Constitucional de número 66, que se popularizou como PEC das domésticas. A nova lei garantiu sete novos direitos às trabalhadoras domésticas, sendo os principais e mais polêmicos o adicional noturno, recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) por parte do empregador, seguro-desemprego, seguro contra acidentes de trabalho e indenização em caso de despedida sem justa causa.

A lei desagradou os patrões, que reclamaram que o serviço passou a ficar mais caro. Os trabalhadores domésticas, porém, comemoram as conquistas, que trouxeram mais dignidade e reconhecimento ao para a profissão.

A principal mudança que a lei trouxe para o vínculo entre patrão e trabalhador diz respeito à tributação. Uma delas é o pagamento obrigatório do FGTS, que é recolhido tanto do empregado quanto descontado do salário do trabalhador. O Fundo representa uma segurança financeira para o empregado em caso de demissão. A nova legislação entende também que, caso a trabalhadora doméstica exerça sua função entre as 22h00 e 5h00, deverá receber um adicional por tempo trabalhado, que é o adicional noturno.

Sirlei Oliveira de Sousa Xavier emprega a Francisca Valéria há três anos. A empregadora afirma que desde o início do vínculo fez questão de garantir que sua funcionária tivesse todos os direitos assegurados. Por isso, assinou a carteira de trabalho da mulher, fazendo o recolhimento mensal de todos os impostos. Com o advento da PEC, o que mudou para Sirlei foi a obrigatoriedade de pagamento de novos tributos. Atualmente ela paga ao todo R$790,00 em impostos para ter uma empregada que receba R$1.400,00 por mês, que é o salário atual de sua funcionária. A doméstica também tem cerca de R$200,00 em impostos descontados de seu salário.

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Francisca Valéria é trabalhadora doméstica há mais de 20 anos. Foto: Lucas Xavier/PautaGoiás.

A empregadora explica como são os procedimentos burocráticos para garantir a legalidade do vínculo. “Na parte burocrática nós tivemos que pedir auxílio para um advogado porque são muitos detalhes. Nós começamos a pagar auxílio transporte por fora, depois fizemos a inclusão e passamos a contabilizar isso. Quando determinamos um aumento salarial para ela, pedimos a ajuda de um advogado para fazer essa inclusão. Nós também pagamos o INSS, FGTS e garantimos férias remuneradas”.

Falhas

Apesar da proposta teórica ser importante para garantir segurança e estabilidade parar as trabalhadoras do lar, na prática a lei esbarra em alguns problemas do próprio sistema econômico. Sirlei relata que sua funcionária teve um filho em abril do ano passado e recorreu ao auxílio da licença maternidade. “Nós acionamos o advogado para auxiliá-la na retirada do benefício, mas o banco alegou que só poderia liberar a verba depois de quatro meses, devido à alta quantidade de solicitações. Nós sempre pagamos os impostos todos em dia, mas ela só conseguiu retirar o valor depois que a licença já havia terminado e o filho nascido”.

A Caixa Econômica Federal, que é o banco que faz o repasse do fundo, alegou que não poderia fazer nada pelo caso e que Valéria deveria esperar. “Tivemos que ajudar ela da forma que podíamos, buscando doações de enxovais, arrecadação de dinheiro, tudo de maneira independente. Prefiro pagar esse dinheiro em imposto diretamente para a Valéria do que pagar para o governo, porque é injusto repassar para o governo e não ver retorno. Pago todos os impostos, fazemos tudo certo, na hora em que a função principal da lei deveria funcionar, não funcionou”, conta Sirlei.

O sistema de repasse de fundos sofre com problemas estruturais. A demanda, quase sempre, é bem maior que a capacidade de atendimento. A Caixa publicou recentemente um edital para um concurso público que disponibiliza, ao todo, quase 3 mil novas vagas em todo país. Assim o banco espera que o inchaço de pedidos seja agilizado até o fim de 2017.

Histórico

A nova lei vem para garantir direitos para quem trabalha no lar, ou seja, fortalecer o reconhecimento do trabalho doméstico enquanto profissão que, por décadas, não era reconhecida. A profissão tem um histórico de subemprego e patriarcalismo, que é um modelo familiar no qual somente a figura masculina detém autoridade e prestígio social. Isso porque a ideia de que o homem é quem deve ir ao mercado de trabalho tradicional e a mulher cuidar do lar, era amplamente cultivada no século XX. Sendo assim, a única opção de trabalho e geração de renda para as mulheres era o trabalho doméstico.

O advogado e professor, doutor em ciência política da Universidade Federal de Goiás (UFG), Francisco Tavares, explica o motivo da profissão demorar tanto tempo para ser reconhecida como um trabalho comum e que, portanto, precisa ter direitos trabalhistas assegurados.

“O direito diz que se um patrão não está obtendo lucro ao empregar alguém, o trabalhador  não pode se beneficiar dos direitos trabalhistas, que deveriam recair sobre todas as pessoas. Isso é uma contradição dentro da constituição brasileira, que diz que o fundamento da república é a dignidade da pessoa humana e não o equilíbrio entre capital e trabalho. Todo e qualquer trabalhador precisa ter direitos para ter condições dignas de vida”, explica Tavares.

Para o advogado, a PEC representa um pequeno avanço no âmbito dos direitos trabalhistas. “Desde a constituição de 1988, com um ou outro avanço até o início dos 90, a PEC das domésticas é o único marco de expansão dos direitos trabalhistas. Desde então o país atravessou quase cinco mandatos presidenciais subtraindo direitos trabalhistas e sociais que tinham sido conquistados na constituição ou até mesmo na Era Vargas. Nesse contexto eu diria que essa PEC é uma evolução muito pequena, por exemplo, em um país que foi governado quase 16 anos por um partido de esquerda”, completa.

A profissão

Francisca Valéria Pedrosa da Silva, a funcionária da Sirlei, tem 36 anos e trabalha como doméstica desde os 15, quando, ainda no ensino médio, teve uma gravidez não planejada e precisou abandonar os estudos para trabalhar. Por falta de opção, Valéria começou a trabalhar como doméstica no interior do Tocantins, em Colinas, na década de 90. A trabalhadora conta como era explorada no dia a dia. “Trabalhei 2 anos e meio na casa de uma dentista e ela não me garantiu nenhum direito. Não tinha férias remuneradas e nenhum tipo de auxílio. Ela prometia sempre que iria assinar minha carteira de trabalho, mas quando fui sair perguntei quais eram os meus direitos e ela disse que eu não tinha nenhum”, relembra a trabalhadora.

Sirlei foi a primeira patroa que assinou a carteira de Valéria, depois de quase 20 anos de trabalho doméstico. A trabalhadora acredita que a PEC foi positiva para ela. “Trouxe mais segurança para mim. Se eu precisar sair terei meus direitos, agora tenho o direito de descanso garantido que antes não tinha. Eu vejo isso como uma coisa boa”. A doméstica ressalta também a valorização que recebeu depois que começou a trabalhar para Sirlei. “É muito difícil encontrar um patrão que valoriza o trabalhador, que paga um valor justo e em dia. A maioria dos patrões que tive me exploraram, mas como não tinha saída, eu permanecia. Hoje eu posso dizer que encontrei os patrões que me valorizam e são justos comigo”, completa.

Fracisca Valéria e Sirlei Oliveira. A relação trabalhadora-patroa é boa. Foto: Lucas Xavier/PautaGoiás