Cada vez melhor em Matemática e Português

Data: 05 de janeiro de 2015

Fonte: Diário da Manhã

Link da matéria:http://www.dm.com.br/cidades/2015/01/cada-vez-melhor-em-matematica-e-portugues.html

 



Em escolas de tempo integral, os alunos têm aulas extracurriculares. Em Pirenópolis, eles aprendem música.(Foto:Divulgação)

Goiás atrai olhares de educadores do País, por conta de resultado surpreendente em Matemática e Português no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).Especialistas questionam resultados e gestores defendem novo modelo educacional

Welliton Carlos,Especial para Cidades

 

O ano que passou foi gratificante para a educação praticada em Goiás. Jamais o Estado havia sido manchete positiva, na imprensa nacional, a partir de seu desempenho ou mesmo na divulgação de um fato notável envolvendo o sistema educacional e seus personagens.

Ao contrário: a qualidade das escolas e o quadro de professores despreparados sempre manchou a reputação dos goianos. Uma rápida busca pela internet contempla o leitor com notícias sobre escolas sem telhado, crianças que acordavam de madrugada para chegar a uma unidade distante ou greves de professores – como a que ocorreu na rede municipal de Goiânia em 2013.

Com poucas exceções, notícias positivas são casos isolados. Em 2002, por exemplo, o jovem Lucas Martins Zomignani Mendes, então morador de Goiatuba, foi capa da revista Veja e destaque em toda a imprensa nacional. O fato notável: aos 18 anos, o aluno da rede privada de ensino conseguiu ser o primeiro colocado nos três vestibulares mais concorridos do País.

A vitória foi coletiva, em 2014, e a repercussão ainda maior: Goiás surpreendeu com a primeira colocação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). No final do ano, a manchete de um dos impressos (Folha de S. Paulo) reconhecia que o Estado conseguiu realizar um avanço satisfatório em matemática e português: “Goiás dá salto em avaliação federal; Santa Catarina recua”.

Pelos dados divulgados pela Folha, a partir do Ideb, Goiás avançou mais do que nove pontos em português. No Brasil, a avaliação positiva foi de apenas 1.14 (238,7 para 239,84 em 2013).

Outro dado, relevante, da pesquisa indica que Goiás deu um salto de 7,95 pontos (de 244 para 251,95) em matemática. Se antes Goiás estava estagnado na 10ª colocação, agora conquistou a 3ª posição na disciplina.

Procurados pela reportagem do DM, os gestores da Secretaria de Educação alegam que o resultado é esperado por conta das conquistas recentes, tendo em vista a capacitação do quadro de professores e às modificações implantadas na relação entre escolas e pais de alunos.

Raph Gomes, superintendente de Inteligência Pedagógica e Formação da Secretaria de Educação do Estado de Goiás, afirma que o “detalhamento da proficiência” dos alunos realizado através do Ideb é importante para demonstrar como o órgão esteve focado no desenvolvimento dos estudantes nos últimos anos.

Entretanto, existe opinião diferente dos gestores da secretaria. Bia de Lima, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), por exemplo, critica a educação pública goiana e não enxerga nos resultados algum mérito da política de governo. Para ela, o primeiro lugar de Goiás no Ideb não se reflete um crescimento da qualidade de educação no Estado, que, de acordo com ela, teria grande evasão de alunos em busca de escolas particulares.

A professora e pesquisadora Lúcia Maria de Assis, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), não entra no mérito da comparação, mas avalia que o Ideb é um instrumento insuficiente para descrever a qualidade da educação de um estado. “Dentre os fatores que ele não apreende estão, por exemplo, aqueles conteúdos escolares que não são mensuráveis, como os conhecimentos sobre a cidadania, desenvolvimento de valores como a solidariedade, a sensibilidade com as causas ambientais e o sentido humanitário de fenômenos como o racismo, a homofobia e demais temas que são muito importantes para a formação/educação das pessoas para lidarem em uma sociedade plural em constante mudança”, diz ao DM.

Defesa

Raph defende o modelo implantado pela secretaria e diz que os resultados não são mera coincidência. “Colocamos em prática 23 iniciativas de um plano de referência estruturante que contém 25 ações, que ainda estão em andamento. A secretaria efetivou, por exemplo, um serviço em que ligamos para os pais quando os alunos faltam às aulas. No início, realizávamos cerca de 60 mil ligações por semana. Depois de alguns meses, esse número caiu para 7 mil. Esse controle é bastante eficiente”, afirma.

Neste sistema, existe uma preocupação da escola em melhorar o desempenho do aluno através de sua efetiva participação em sala. É um enfoque diferente, por exemplo, daquele que privilegia o sucesso imediato do aluno e que passa o estudante sem qualquer ameaça de reprovação. Agora, a escola realiza um controle permanente, pressionando para que o estudante esteja presente na sala de aula.

Outros mecanismos foram colocados em prática, como a formação em serviço dos professores e a avaliação diagnóstica, a Prova Goiás, que antecipa resultados semelhantes aos divulgados pelo MEC e que serve de instrumento para traçar as políticas públicas do setor.

Márcia Brito, também gestora da Secretaria de Educação, esclarece ao DM que a política de implantação do sistema de tempo integral é importante para o desempenho dos alunos e escolas, mas diz que ela não foi determinante nos bons resultados apresentados por Goiás em 2014. “Basta observar: temos 1.100 escolas no Estado, sendo que 140 são de tempo integral. O bom resultado no Ideb é um conjunto de fatores”.

Raphgomes

No início, realizávamos cerca de 60 mil ligações por semana. Depois de alguns meses, esse número caiu para sete mil. Esse controle é bastante eficiente” Raph Gomes,superintendente de Inteligência Pedagógica e Formação da Secretaria de Educação

 

Matemática exige presença continuada

O sucesso das escolas goianas no Ideb tem a ver com um simples mecanismo: o controle da presença nas aulas. Com menor quantidade de faltas, os alunos aprendem mais, conforme a explicação da Secretaria de Educação.

E no caso da matemática, existe uma questão chave: ela tem uma didática continuada. “Temos um consenso dentre os pesquisadores do ensino de disciplinas exatas: a matemática não é formada por capítulos separados. É um todo. Exige um procedimento de aprendizado processual. Se o aluno deixa de ir a uma aula que fala de tabuada hoje, depois de conjuntos, na semana que vem de geometria, é evidente que estas janelas tendem a prejudicá-lo, até anular completamente seu aprendizado”, diz Osvando Elias, professor de matemática e pesquisador de didática pela USP.

Para ele, em história, por exemplo, é possível o aluno apresentar um desempenho razoável sem ter aprendido a base. “Se você explicar a queda do muro de Berlim sem falar da Revolução Francesa, com certeza, o aluno entenderá. Na matemática, essa “Revolução Francesa” do passado é tijolo do conhecimento futuro. Como fazer uma equação sem saber dividir?”, questiona.

O caso dos goianos não parece ter a ver com questões profundas da didática, entende o matemático. Mas se o poder público mexer neste sistema a tendência é que o aprendizado tenha um aperfeiçoamento ainda maior, acredita.

Ele aponta três pilares que devem ser seguidos: aperfeiçoar os efeitos, realizar mais exercícios e estar de prontidão para captar as mudanças do aluno. “Este primeiro princípio diz que o aprendizado é melhor quando existe a sensação de vitória e satisfação na resolução dos exercícios. Outro fator é a conexão: quanto mais se faz exercício, mais o aluno se fortalece e apresenta segurança. Mas esta visão é tradicionalista. Existem várias outras possibilidades e abordagens. A tendência é individualizar a aula”, diz Osvando.

Para ele, os goianos devem ter se beneficiado da maior quantidade de presenças. “Este fator é, com certeza, determinante. Diria pensando sob a ótica da pesquisa, que o controle de faltas seria a hipótese central. Mas devem existir outras”.

Sistema de comparação é injusto

A professora e doutora Lúcia Maria de Assis, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), acredita que concentrar as políticas de educação apenas em resultados pode prejudicar o aluno. Ela afirma que outros fatores devem ser levados em consideração e não apenas o desempenho em duas disciplinas, como mede o Ideb.

As condições socioeconômicas e culturais da comunidade atendida, a adequação das instalações físicas, a existência de laboratórios, quadras poliesportivas, quadro de professores com formação adequada, presença de pessoal de apoio ao processo de ensino e aprendizagem também são importantes. Todavia, diz a professora, não são considerados na composição do índice.

“É por esta razão que há críticas quanto à utilização dos índices sem que se leve em conta estes fatores que podem ser muito determinantes nos resultados. Para exemplificar, podemos citar os casos de escolas públicas situadas em regiões centrais de cidades, como Goiânia, que são avaliadas com os mesmos instrumentos e critérios de uma escola situada nas regiões afastadas dos grandes centros, como as regiões ribeirinhas, cujo acesso aos bens culturais, meios de comunicação e demais artefatos tecnológicos são muito restritos”, diz.

Para Lúcia, o papel das escolas nestas localidades torna-se muito mais relevante, pois é praticamente o único espaço de contato com a língua escrita e com os conhecimentos sistematizados. “Entretanto, em geral, estas escolas acabam tendo notas menores nos índices, ainda que produzindo maior impacto para a formação daqueles estudantes. É por isso que consideramos indevidas as comparações entre redes e escolas, bem como as políticas que premiam as mais bem colocadas”.

Saiba Mais

 

Como Goiás se classificou em primeiro lugar no Ideb

Apesar da polêmica quanto a efetividade do Ideb, Goiás tem o que comemorar. Resultados revelam inegável evolução do Estado em relação ao resto do País.

Primeiro lugar no Brasil

Goiás é o topo do ranking de 2014, na avaliação dos dados der 2013: pulou do quinto lugar para primeiro. O Estado apresenta nota 3,8 contra 3,7 de São Paulo e Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, Santa Catarina e Minas Gerais aparecem com 3,6.

Detalhamento

No detalhamento dos dados do Ideb divulgados em 2014, Goiás aparece em seu melhor desempenho. Na avaliação do 9º ano, a média de português teve variação positiva de 1,14 pontos em todo País. Saltou de 238,7 para 239,84. Em Goiás, todavia, o salto foi de mais de nove pontos, bem maior do que o restante do País.

Em Goiás, a variação das notas foi de 7,95 pontos – de 244 para 251,95. O Estado saltou da 10ª colocação para a 3ª na disciplina. No Brasil, ocorreu piora com os alunos do 9º ano: – 0,29. Estados como Santa Catarina apresentaram grande queda. Lá, a rede de ensino perdeu 7,89 pontos.

Diferenças

Em Santa Catarina, a explicação para o desempenho ruim diz respeito à aprovação automática de um grupo de alunos dos anos anteriores. Este modelo foi abolido em Goiás, apesar de que o foco da secretaria não seja a repetência, mas o controle da presença.

O que é o Ideb

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica combina dois indicadores: resultado de um exame de desempenho de estudantes nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática. Não se mede, por exemplo, Química, História, Sociologia, etc. Apenas Matemática e Português.

Outro fator avaliado, pelo Ideb, é o fluxo escolar dos estudantes, calculado a partir dos resultados de aprovação, reprovação e abandono. O Ideb é melhor quando se combina bom desempenho nos exames e baixos índices de reprovação / abandono.

Uma das críticas dos sindicatos de professores ao resultado do Ideb conquistado por Goiás diz respeito ao grande número de alunos que abandonou o ensino público, devido exatamente a má qualidade.

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Estudantes durante a realização de avaliação diagnóstica