Mudando do café pra água

Data: 05 de fevereiro de 2015

Fonte: O Hoje

Link da matéria: http://www.ohoje.com.br/cidades/mudando-do-cafe-pra-agua/

 

Com uso de resíduo da bebida mais popular no Brasil, pesquisa da UFG desenvolve sistema barato de filtragem

Rafaela Toledo

Estudante do Timor Leste, Julião Pereira buscou solução para problema vivido em seu país  (Andre Costa)

Estudante do Timor Leste, Julião Pereira buscou solução para problema vivido em seu país (Andre Costa)

O Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG) acaba de desenvolver um método alternativo para purificação de água a partir da borra do café, normalmente descartada após o feitio da bebida. Além da água potável, o sistema também pode gerar outros subprodutos como matéria prima para biocombustível, aromatizantes para a indústria alimentícia e fertilizantes.

Produzindo filtros pelo menos três vezes mais eficientes do que os populares de carvão ativado, com um custo de implantação consideravelmente menor, a iniciativa é uma saída sustentável para o problema de falta de água com ampla viabilidade de implantação em países pobres. Outra grande vantagem da descoberta é a produção de óleo vegetal presente em 15% da massa do resíduo final da borra do café. A soja, principal matéria prima usada no Brasil para a fabricação do biodiesel, produz uma média de 18%.

Cooperação

A experiência de usar a borra de café para conseguir água potável surgiu a partir de um tratado de cooperação técnica firmado em 2009 entre o governo do Timor Leste e o Ministério da Educação aqui no Brasil para formação de alunos em nível de pós-graduação. O projeto começou com a chegada do estudante estrangeiro Julião Pereira, 31 anos, que trouxe a problemática ambiental da falta de água em seu país, e junto com o professor da UFG e articulador do experimento, Nelson Roberto Antoniosi Filho, desenvolveu o experimento com a borra de café.

Guerra

“Quando estudei sobre a história do Timor Leste, descobri que, após 25 anos de guerra com a Indonésia, apenas 5% da população nativa tinha acesso à água potável. Atualmente, muitos conflitos sociais têm ocorrido pela falta de água ou fornecimento com padrões inadequados. Desenvolvemos uma solução viável para implantação imediata na comunidade, já que a única atividade agroindustrial naquele país é a cafeicultura”, conta o professor.

Cinco anos após o início da pesquisa, Julião pôde voltar ao seu país e apresentar a tecnologia limpa para o governo como alternativa para a situação calamitosa da falta de água. “A beleza da ciência é isso: solucionar o próprio ser humano que vem destruindo seu ambiente. Eu mesmo já consumi água poluída, e o estímulo para esta pesquisa veio da minha experiência”, esclarece o estudante. Após concluir o mestrado na UFG, Julião deu continuidade à pesquisa em seu doutorado e já está negociando a implantação do sistema com o governo do Timor Leste e com a iniciativa privada no Brasil.

Técnica será implantada no Timor Leste

De acordo com o orientador do projeto, professor Nelson Roberto, as negociações com o governo do Timor envolvem a implementação do sistema na Cooperativa Café Timor (CCT), responsável por quase toda a atividade econômica do país. Inicialmente, a ideia do governo é doar os subprodutos para a própria entidade. O resultado final após três processos de extração realizados com a borra gera resíduo que, ao invés de ser descartado, dará origem a filtros que serão doados para a população em geral.

O governo do Timor ganha, sanando um grande problema social. A cooperativa ganha, aumentando sua fonte de renda. A população ganha qualidade de vida e saúde. A natureza ganha com a produção de um sistema sustentável que recondiciona um recurso esgotável, recicla material já descartado e reduz a produção de lixo. Os pesquisadores ganham trabalhando em uma causa gratificante com um retorno muito mais substancial do que apenas o financeiro. Goiás ganha por subsidiar uma história de superação e crescimento sócioambiental. O Brasil ganha por ser percursor no desenvolvimento de energia limpa. Enfim: todos os envolidos são favorecidos neste processo.

Uma startup britânica, a Bio-Bean, já está transformando a borra do café em combustível para carros e energia para aquecedores em pequena escala comercial. A patente já está sendo negociada no Brasil com empresa que já adiantou para os pesquisadores do projeto que para cada filtro comercializado, outro será doado para a população brasileira.