Pensamento na imagem

Data: 18/04/2015

Fonte: O Popular

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Professor da UFG, Guilherme Ghisoni discute hoje no projeto Filosofia no Centro valor estético e influência da foto no pensamento e discute fenômenos como a selfie

18/04/2015 05:05

Professor Guilherme Ghisoni no autorretrato The Construction

 

Muitos autores se debruçaram sobre a papel da imagem no pensamento. Jean Baudrillard (1929-2007), por exemplo, diz que a foto é “pensativa”. Como a filosofia aborda as singularidades dela?

Há vários autores e vertentes. Em filosofia da fotografia, há referências como Roland Barthes, Susan Sontag, Philippe Dubois. Há dez anos tem surgido uma nova filosofia da fotografia de vertente analítica, que considera desenvolvimentos conceituais e lógicos em autores como Gottlob Frege e Bertrand Russell. Por esse viés, a singularidade da fotografia se encontraria no modo como, por meio dela, estaríamos causalmente ligados a um objeto. A fotografia seria parte de uma cadeia causal que liga o espectador ao objeto fotografado. Isso torna a fotografia meio de representação que depende da existência do objeto – diferentemente da pintura ou do desenho. Ainda assim, seria representação. Mas há o perigo de uma falsa analogia: a fotografia não é uma janela de visão de algo no passado. É o resíduo no presente, de uma relação causal com um objeto.

 

Seu objetivo na palestra é discutir a função lógica das fotografias nos pensamentos sobre as entidades fotografadas. Em que influi o valor estético delas sob essa ótica?

Podemos, grosso modo, dividir um pensamento em duas partes: nominal (determinação da entidade acerca da qual pensamos) e predicativa (propriedade que atribuímos a ela). Quando pensamos sobre uma entidade conhecida por fotografia, há autores, como Kendall Walton, que defendem que a função lógica da imagem é nos dar acesso à própria entidade. Assim, a fotografia determinaria a parte nominal do pensamento, que temos sobre a entidade e assim poderíamos atribuir a ela predicados. Mas essa concepção trata a fotografia como uma “janela transparente”, que permite ver objetos, distantes espacial e temporalmente. Porém, se vemos uma bela paisagem pela janela, a beleza não é mérito da janela, mas sim da paisagem. Da mesma forma, uma foto bela seria, em verdade, a foto de um objeto belo. A fotografia perderia o valor estético, pois ele seria transferido ao objeto. É contra essa concepção que pretendo falar. Pode-se pensar a fotografia como a descrição que o fotógrafo faz do objeto e não simplesmente um acesso. Uma bela fotografia seria uma bela descrição do fotógrafo sobre o objeto.

 

Ao longo dos tempos a fotografia teve diversos significados e funções. Hoje vive-se na sociedade da selfie. Já é possível lançar perspectivas nesse novo contexto?

O impacto do surgimento da fotografia foi profundo na arte e na cultura dos séculos 19 e 20. Atualmente, nos encontramos em um ponto de confluência. Com a mudança analógica para a digital, muito do que foi dito sobre imagem fotográfica precisará ser revisto. Isso ainda está em andamento e caberá à atual geração de pesquisadores e interessados. Roland Barthes aponta três práticas relacionados à fotografia: do “operator” (fotógrafo), do “spectator” (quem olha) e o “spectrum” (fotografado). Com a selfie, essas três práticas colapsam. Eu sou, ao mesmo tempo, operador, espectador e o referente. Enquanto capto a imagem, me vejo na perspectiva do espectador e é desse modo que me tornarei o que é visível. Uma consequência é que sempre poderei aparecer como gostaria de ser visto. Desaparece assim a psicologia complexa dos três níveis. Ou seja, a foto não retratará como pareço aos olhos de um terceiro, mas como me imagino e gostaria de ser visto. Se, em um futuro, todas as nossas fotos forem selfies, sempre nos veremos como o outro que gostaríamos de ser.

 

O projeto Filosofia no Centro está de volta hoje, a partir das 18h30, ao Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro, com palestra do professor Guilherme Ghisoni. Dessa vez, a iniciativa nascida na UFG, que tem o objetivo de levar temas acadêmicos para a comunidade, vai abordar a prática filosófica relacionada à fotografia. A entrada é gratuita. Doutor em Filosofia da Linguagem, Ghisoni tornou-se um dos poucos especialistas no País em filosofia da fotografia. Prefaciador do último livro do fotógrafo Claudio Edinger, atualmente um dos mais renomados do Brasil, Ghisoni é, ele mesmo, um experiente fotógrafo. Em entrevista ao POPULAR, o professor adiantou como abordará o tema. Confira os principais trechos.