Onde Nasceu

Tribuna do Planalto, 17/12/10

Onde Nasceu

Raphaela Ferro

Todos os anos, no dia 25 de dezembro, a sociedade ocidental comemora o Natal, que seria o aniversário do nascimento de Jesus Cristo. Isso todo mundo sabe! A história também é conhecida da maioria das pessoas. Resumindo, contam os textos bíblicos que o anjo Gabriel avisou Maria e José que eles teriam como descendente aquele que ficaria conhecido como o filho de Deus. Ambos moravam na cidade de Nazaré, mas Jesus teria nascido em Belém, porque seus pais haviam viajado até esta cidade para se alistarem, conforme obrigava decreto da época.

Nazaré?  Belém? Você sabe onde fica? Nazaré, cidade de origem de José e Maria, é, hoje, a capital e maior cidade do Distrito Norte de Israel, um país da Ásia Ocidental que abriga cerca de 7,5 milhões de habitantes, a maioria judaica. Só que em Nazaré, especificamente, a maioria dos moradores atuais é árabe. Então, quer dizer que na cidade em que os pais de Jesus teriam nascido e vivido, atualmente apenas uma minoria comemora o seu nascimento? Na verdade não, conta o professor de Geografia do Colégio Visão, Henrique de Oliveira.

Segundo ele, mesmo tendo apenas uma minoria seguindo a religião cristã, cidades como Nazaré, Belém e Jerusalém vivem festas comemorativas nas datas importantes para o Cristianismo. “Essas cidades são comandadas pela religião. A principal fonte de renda da população é o turismo movimentado principalmente pelas festas cristãs”, explica o mestre em Geografia pela UFG.

Belém da Cisjordânia

Belém hoje conta com população de cerca de 30 mil pessoas e se localiza a cerca de dez quilômetros ao sul de Jerusalém. Atualmente, a população de Belém é, majoritariamente, muçulmana, mas a cidade conta também com uma das maiores comunidades de cristãos palestinos. A principal fonte de renda local é o turismo, que passa por considerável aumento em suas atividades durante os natais. Neste período do ano, a Basílica da Natividade, que teria sido construída sobre o local exato onde Jesus nasceu, é a mais visitada por milhares de turistas.

Belém abriga também a Tumba de Raquel, um local sagrado para os judeus, e que tem a  mesma importância para a religião islâmica. Atualmente, Israel mantém o controle sobre as entradas e saídas de Belém, mesmo a administração cotidiana estando sob a supervisão da Autoridade Nacional Palestina (ANP), instituição estatal que governa partes que seriam referentes ao Estado da Palestina.

A cidade está localizada na Cisjordânia, onde antigamente ficava a Judeia, que é também a região onde fica Jerusalém. A Cisjordânia tem uma população predominantemente muçulmana: 75% do total, com 17% de judeus e apenas 8% de cristãos e outras crenças. Contraditoriamente é uma das regiões que permanecem sob contínuo conflito entre palestinos e israelenses.

Ambos os povos reivindicam o direito à totalidade da soberania e da posse da terra na região que, atualmente, ocupam. Enquanto o Estado de Israel já tem soberania sobre grande parte do território desde 1967, a ANP tem o objetivo de assumir o controle dos territórios que considera seus de direito para, assim, estabelecer um Estado Palestino.

Palestina em conflito

Esse impasse há décadas envolve a região da Palestina, que engloba o Estado de Israel, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. O professor Henrique explica que em anos em que o conflito envolve ações mais sérias, como de terrorismo, por exemplo, o movimento referente às festas de Natal é reduzido, assim como as comemorações cristãs no local.

Mas, enfatiza o professor, os cristãos que vivem no Oriente Médio não estão em conflito. “Respinga no Cristianismo porque a região abriga lugares sagrados para religiões diferentes”. Entretanto ele destaca que estão em conflito apenas judeus e palestinos. Entendido! Mas, como é mesmo esse conflito?

A questão é que os judeus acreditam que a região da Palestina foi prometida a eles por Deus. Há referências bíblicas, no Velho Testamento especificamente, que indicariam aquela região geográfica como a terra prometida ao Judaísmo. Entretanto, os judeus foram expulsos de lá pelos romanos em 700 a.C, momento histórico conhecido como Diáspora Judaica. Eles mantiveram a unidade como povo por causa da religião e da língua hebraica, explica Henrique.

No século 19, eles voltaram para a terra prometida, ato que marcou o início do sionismo, movimento de migração de milhares de judeus para a Palestina. Lá, eles fundaram colônias agrícolas e passaram a coexistir com os árabes. Durante a 1ª Guerra Mundial, os judeus se aliaram ao Império Britânico, que prometeu conferir a eles a criação do Estado Judeu. A mesma promessa foi feita aos árabes. Detalhe: nenhuma das promessas foi cumprida.

Antissemitismo e Segunda Guerra

Para os judeus, a partir daí, a situação piorou. “O antissemitismo vulgar da contemporaneidade ainda tem a ver com o fato de que os judeus teriam assassinado Jesus de Nazaré. Na concepção judaica, eles mataram um judeu que era um falso profeta, não Deus”, conta Henrique. Esse foi o primeiro fato que levou à perseguição dos integrantes do Judaísmo.

O segundo foi o acúmulo de fortunas. Já o terceiro foi o fato de não se misturarem nas regiões em que chegavam. Esses motivos levaram a Alemanha a persegui-los durante a Segunda Guerra Mundial. “Com o fim da Primeira Guerra, a Alemanha ficou destruída economicamente, mas os judeus viram ali uma oportunidade de ganhar dinheiro e investiram.

Depois veio o discurso de que no momento de fragilidade, os judeus teriam entrado e tomado o patrimônio alemão”, conta o professor. Assim os alemães justificaram o holocausto, extermínio de um número incontável de judeus em campos de concentração. Mas o que o holocausto tem a ver com o conflito na Palestina?

A região era para ter sido entregue aos judeus para a criação de seu Estado nacional como “compensação” quando a guerra acabou. “Foi fácil massacrá-los porque eles estavam no território inimigo e não tinham um território próprio, uma identidade estatal, não tinham referência, nem soberania”, analisa Henrique de Oliveira.

Só que os árabes estavam lá. A região não foi entregue, mas os judeus criaram o dia da independência, enviaram a data para a Organização das Nações Unidas (ONU) e, em 1948, criaram o Estado de Israel.

Solução?

Os árabes não ficaram muito satisfeitos porque a Palestina é também a casa deles e, assim, o conflito se intensificou. “São povos inimigos condenados a coexistir, são dois mundos muito integrados”, enfatiza o professor de Geografia. Segundo ele, no início dos anos 90 houve uma sinalização de que o Estado Palestino estaria perto de ser criado, mas com as mortes dos líderes dos dois povos, o projeto ficou só no papel.

Henrique acredita que ainda não surgiram autoridades com peso político e relevância para retomar a negociação com possibilidade de resolvê-la, mas completa que há outra interpretação possível: talvez os judeus não estejam tão interessados em resolver o conflito. Dos dois lados há os extremistas.

Enquanto o partido palestino Fatah reconhece a legitimidade de Israel e quer um Estado Palestino que coexista com o Judaico, o partido palestino Hamas quer expulsar os judeus da Palestina. Assim também há os israelenses que aceitam ceder a Faixa de Gaza (já sob juridição palestina) e a Cisjordânia para o Estado Palestino e os que querem toda a região exclusivamente para os judeus.

Jerusalém

O problema se agrava ainda mais quando entram nas discussões a cidade onde Jesus teria sido sepultado, Jerusalém. Importante para os cristãos, ela também é santa para os muçulmanos, porque foi na Mesquita de Al-Aqsa, localizada na cidade, que o profeta Maomé ascendeu ao paraíso. Jerusalém é sagrada ainda para os judeus porque nela fica o Muro das Lamentações, último grande templo judeu destruído pelos romanos na época da diáspora.

Os judeus consideram Jerusalém a capital de Israel, mesmo sendo Tel Aviv a cidade reconhecida internacionalmente como capital israelense. Os palestinos reivindicam a parte oriental da cidade para ali estabelecer a capital do Estado Palestino. A solução proposta pela ONU na década de 40 foi afastar o comando de Jerusalém das mãos de árabes e de palestinos.

A cidade seria tombada Patrimônio Histórico da Humanidade e passaria a ser gerida pela própria ONU. A proposta não chegou à prática. E agora, não tem solução? Talvez tenha! “Os palestinos estão cansados e viram que o terrorismo não deu certo. Em Israel há os moderados também e eu acho que eles estão ganhando força e no futuro poderão resolver essa questão”, avalia o professor.

Ele conta que alguns palestinos já estão pensando em ainda outra estratégia. Para estes não seria interessante criar o Estado Palestino, mas sim ganhar a cidadania israelense. “O palestino é árabe, mas é um cidadão israelense. Assim, eles se inseririam na política e por meio dela buscariam conquistar direitos e benefícios para os palestinos em Israel”.