Iniciantes, mas já pesquisadores

Iniciantes, mas já pesquisadores

Antes restrita ao meio acadêmico, a pesquisa científica no Brasil está se popularizando. Atual­mente, muitas são as iniciativas escolares que dão a qualquer estudante da Educação Básica a chance de se envolver com a Ciência e Tecnologia. 
Uma prova está no Colégio Estadual Pedro Gomes, localizado no bairro de Campinas, em Goiânia. Gabrielle Rosa Silva, 17 anos, cursa o 3º ano do Ensino Médio, mas desde o 1º ano participa de um curso técnico no laboratório de Enzimologia da UFG (Universidade Federal de Goiás). 
A aluna foi escolhida para a atividade por causa de seu desempenho escolar. Deu tão certo que ela prestará vestibular para Biologia, com o intuito de se tornar uma pesquisadora na área em que atua no laboratório. 
Gabrielle também foi destaque no ano passado, quando seu grupo apresentou projeto sobre Pressão Atmosférica para a Feira de Ciências da Secretaria Estadual da Educação. “Tentamos fazer um trabalho e apresentar de um jeito que as pessoas entendessem de forma mais fácil o que é a pressão atmosférica”, lembra. 
Mais fácil também para quem dá aula. Professora de Química na turma de Gabrielle, Helga Schaitl Souza conta que trabalhar com projetos práticos é até melhor do que dar uma aula expositiva. “O aluno se interessa mais porque descobre o sentido daquilo que ele está estudando”, confirma. 
Além disso, por meio deles, os estudantes percebem que a pesquisa não está longe da realidade. “Os alunos percebem que a ciência está perto, que há cientistas aqui, em Goiânia mesmo, e que estes não são velhos caducos trancados em algum laboratório bem distante”, avalia Helga. 
A professora ressalta que essas atividades são importantes porque o aluno do Ensino Médio não se contenta mais com o professor na sala de aula passando conteúdo sem contextualização. “Isso eles encontram na internet. Essa fórmula não atrai mais; tem que ter o porquê de estudar o assunto.” 
O mesmo acontece também com os alunos do Ensino Fundamental. Doutor em Engenharia de Materiais, o professor da UFG (Universidade Federal de Goiás), André Carlos Silva, afirma que existem projetos com alunos dessa fase de ensino que têm tido excelentes resultados. 
“O importante é ensiná-los como buscar conhecimento e fazer ciência. O que quer dizer: identificar um problema ou fenômeno, estudar as suas causas e consequências e concluir sobre o mesmo”, explica Silva.

Motivação
É mais ou menos isso que acontece na Escola Municipal Alice Coutinho, localizada na Vila Moraes, também em Goiânia. Lá, a ciência chega à sala sob rodas, em algo que, de longe, se assemelha a um carrinho de camareira de hotel. 
Trata-se do Laboratório Didático Móvel (LDM), presente também em outras 29 instituições da rede municipal. Com a ajuda dele, o biólogo Kleiber Pinheiro Sales, professor de Ciências, conquista os alunos para suas aulas. 
“Queremos mostrar como os cientistas desenvolvem o trabalho deles, inclusive quais os recursos que eles utilizam.” 
Além disso, visando despertar o interesse dos estudantes para a ciência, o educador explica que sempre busca mostrar os bons trabalhos que o Brasil tem na área. O trabalho do biólogo já apresenta resultados. 
Em uma sala pequena do 6º ano, dois alunos afirmaram que querem, no futuro, se tornar cientistas. Fernando Fabian Dantas Gonzalez, 12,  nunca viu o mar pessoalmente, só pela TV, mas tem certeza de que seu futuro será como cientista da Marinha. “Eu quero ser cientista desde que entrei na escola. Acho interessante a forma como os cientistas podem mudar o mundo.” 
Para o garoto, os pesquisadores mudam o mundo para melhor, a prova está nas tecnologias e nas soluções encontradas para as doenças. Por que a Marinha? “Acho interessante o mar, porque ele tem grande fauna e flora, abriga muita vida interessante. É um mistério que eu gostaria de solucionar.” 
Manoel dos Santos Nogueira, 11 anos, quer estudar os animais, principalmente o escorpião, sobre o qual Sales tem ensinado a eles ultimamente. O objetivo de Manoel é seguir o exemplo do professor. A resposta? “Alguns já manifestam o interesse de serem cientistas. Tentamos estimulá-los para isso, por meio do modelo, do exemplo positivo que eu como professor tento passar”, comenta Sales. 
A diretora da escola, Antônia Cristina Mendes Teixeira, complementa. “Tenta­mos mostrar a importância da iniciação científica dentro da escola, que é o aluno ser estimulado a ser um indivíduo questionador e à produção do conhecimento científico”, confirma ela.

Aprofundamento
As pesquisas realizadas por estudantes do ensino básico podem ter caráter ainda mais específico e técnico. Em Catalão, dois alunos do Ensino Médio tiveram contato prático com pesquisas no Campus da UFG (Universidade Federal de Goiás). 
O doutor André Carlos Silva e a mestre em Engenharia de Minerais, Elenice Schons, foram os orientadores. O trabalho orientado por Silva, feito por um aluno do 3º ano, tinha o objetivo de caracterizar os minérios de apatita da região de Catalão. 
Já Elenice trabalhou com uma aluna do 2º ano e pesquisou a aplicação do quiabo como floculante industrial. Para chegar até os alunos participantes, a tarefa não foi fácil. A universidade fez a seleção, mas o primeiro escolhido não pode assumir. 
Um segundo foi escolhido, mas não se enquadrou no projeto. Então os dois professores foram à escola explicar a proposta do trabalho. “Conversamos com vários alunos, procurando os que mais se adequassem. Ter boas notas é imprescindível, mas não determina se a pessoa tem a ver com o projeto”, lembra Elenice. 
Para Silva, o grande ganho é a inserção dos alunos no Ensino Superior e no convívio com os  estudantes universitários. 
Ele explica que uma vez que o aluno toma gosto pela ciência e começa a questionar o mundo em que vive, dá um passo importante para que venha a trabalhar na geração e na difusão do conhecimento científico.

Iniciação em Goiás

Coordenadora geral da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), Roseli Lopes dá uma boa notícia: o número de bolsas de iniciação científica para a Educação Básica tem crescido no país. 
E isso é muito positivo, já que elas ajudam a estreitar a ponte entre as escolas e os centros de pesquisa. “Nos países desenvolvidos é comum ver alunos terem espaço para fazerem pesquisas mais avançadas nos laboratórios de universidades”. 
No Brasil, agora, os estudantes começam a ter essa oportunidade. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), por exemplo, acena com uma boa alternativa. 
Há poucos dias abriu inscrições para o Programa de Iniciação Científica Júnior (ICJ). Estudantes e professores dos ensinos Fundamental, Médio e Profissional podem se inscrever até o dia 5 de março pelo site www.fapeg.go.gov.br. 
Serão selecionadas 250 duplas. Os pesquisadores das universidades interessados em ser orientadores dos alunos também devem se inscrever. A proposta é nacional e já funciona em vários estados. Este será o primeiro ano em Goiás. 
A diferença é a bolsa para os professores das escolas, que receberão R$300 mensais da Fapeg. Os alunos receberão uma bolsa de R$100 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien­tí­fico e Tecnológico (CNPq).

Conscientização 
Para a presidente da Fapeg, Maria Zaíra Turchi, este é um projeto que não só desperta jovens talentos para a ciência, mas também contribui para melhorar a Educação Básica do Estado. 
O maior desafio é a sensibilização das escolas para a importância desse trabalho e dos pesquisadores. Ambos precisam se interessar, entrar no site e preencher a candidatura. 
Zaira acredita que a maior dificuldade está apenas nesse primeiro edital, por ser a proposta ainda desconhecida. Ela aposta que logo todos os envolvidos já estarão conscientes da importância do projeto. “Vamos começar a falar de ciência para os jovens, desde o Ensino Fundamental. Vamos fazer com que a universidade também esteja mais presente nas escolas públicas”, confirma. 
Podem participar do projeto de Iniciação Científica Júnior, as escolas públicas federais, estaduais e municipais sediadas no Estado. 
Há uma reserva de 30% das vagas para alunos e professores de instituições do interior. Segundo a presidente da Fapeg, o objetivo é evitar que as ações se concentrem na Capital ou apenas em cidades próximas a ela.