O difícil caminho para a cultura

O difícil caminho para a cultura

A herança cultural que um homem recebe ao nascer é zero. Para se imbuir dos códigos que o farão entender o próprio mundo é preciso conviver com os outros e se alimentar das experiências ao redor, com os pais, com os colegas, tios e professores. A partir daí, a formação se torna cada vez mais sofisticada.
Mas se por um lado os costumes e valores podem ser assimilados no convívio diário, por outro, o conhecimento sistematizado precisa ser adquirido por meio da formação letrada, do acesso à leitura, ao universo da arte e de outros saberes que vão se tornando mais complexos.
A ideia de oferecer os canais do conhecimento e  da formação cultural é boa, mas é penosa. Que o diga a doutora em literatura Maria Luiza Bretas, presidente do Instituto Cultura Goiás Lê Mais, que vem batalhando para manter de pé o projeto de fazer do instituto uma grande referência de cultura em Goiás.
Para se ter uma ideia da dificuldade que é acender uma chama de esperança, e mantê-la acesa, para este ano Goiás Lê Mais tem uma série de ações a serem realizadas, mas que correm o risco de não haver conclusão por falta de patrocínio. Uma delas é a realização do programa “Livro com o pé na estrada”.
Esse programa consiste na compra de vários livros de literatura que serão distribuídos a jovens leitores, estudantes dos municípios próximos de Goi­ânia, como Nerópolis, Nova Veneza, Ouro Verde, Jesúpolis, Damolândia, Campo Limpo, Petrolina e São Francisco. De acordo com Maria Luiza, a ideia é levar junto com o livro apresentações de circo, teatro, dança, orquestra sinfônica e contação de histórias.
Esse conjunto de ações traduz o objetivo de ser uma apresentação cultural. “ Queremos levar outras  formas de leitura também para eles, porque a gente sabe que essas pessoas têm muito pouco acesso à cultura. O que eles veem mesmo é televisão, e isso é muito pouco para uma formação cultural”, avalia.
Em todo caso, reforça Maria Luiza, a essência do projeto são os livros. Ela acredita que o universo da leitura, o acesso ao mundo mágico da arte de ler e descobrir ene mundos, ampliando assim os horizontes do leitor, é a condição sem a qual nada pode ser feito.

Primeira biblioteca
O projeto prevê a compra de livros antecipadamente. Ou seja, os livros serão enviados aos estudantes antes da data do evento. “Além disso, a ideia é convidar os autores das obras compradas para ir à cidade onde será realizada o evento para que haja um diálogo direto entre autor e leitor”, diz Maria Luiza.
O melhor do projeto é que os livros ficarão com os estudantes. Não serão devolvidos. Um incentivo para a criação de suas bibliotecas. Mas como no caminho da cultura há mais pedras do que nos demais, a grande dificuldade é encontrar verba para fazer tudo isso. “Estamos em busca de patrocínio, e quem puder nos ajudar, as portas estão abertas”, clama a presidente do Instituto Goiás Lês Mais.
O instituto criado em março do ano passado ainda não tem sede própria. Está provisoriamente instalado na empresa CYA Produção e Eventos, que organiza o Salão do Livro Infantil e Juvenil, outro projeto de Maria Luiza, que vem dando super certo e é realizado a cada dois anos. Em 2011, o Salão do Livro ocorreu no Shopping Flamboyant, que já acertou a parceria com a CYA para a edição de 2013.
Outra ação do Goiás Lê Mais, que também necessita de patrocínio, é a criação de um concurso literário. A ideia é estimular a produção e a descoberta de novos autores para que  o Instituto comece  a ter suas próprias publicações.
Segundo Maria Luiza, o Goiás Lê Mais trabalha com vários eixos de orientação, entre eles o da pesquisa. “Não concebo a ideia de fazer ações sem que a pesquisa esteja correndo junto”, diz.
Nesse sentido, já estão engatilhadas algumas pesquisas para começarem este ano: uma delas é sobre o perfil leitor do professor goiano, o que ele lê, quando lê, quanto lê. “Isso vai demandar uns três anos de trabalho.”
O objetivo, no entanto, pa­ssa longe de querer colocar o professor contra a parede ou apontar o dedo para sua possível (bem possível mesmo) falta de leitura. Segundo Maria Luiza, a questão a ser levantada é saber onde está a fragilidade da formação do professor leitor, “desse professor que recebe a delegação da família para ser o mediador da leitura do filho.”
Mais do que isso, “a gente quer saber onde estão as fragilidades, mas também os pontos fortes desse professor, e a partir daí traçar outras políticas públicas”, diz Maria Luiza. Uma segunda pesquisa seria o levantamento do hábito de leitura da família goiana.

O que falta é uma cultura da leitura

Na opinião de Maria Luiza Bretas, presidente do Instituto Cultural Goiás Lê Mais, a sociedade brasileira de modo geral, e a goiana, em particular, tem grande vocação para a leitura. O problema é que há poucos programas voltados para isso. “Criança gosta de ler, sim. A Marisa Lajolo [uma das maiores especialistas em leitura no Brasil] bate muito nessa tecla. O que não existe é a cultura da leitura. É o acesso ao livro”, lamenta.
Um exemplo de como o livro tem pouca importância nas pautas de políticas públicas é o baixo número de bibliotecas com acesso livre na cidade de Goiânia. Mas não é só isso. O mercado editorial também aposta pouco no poder de compra dos leitores. No centro de Goiânia não há sequer uma grande livraria.
A mais tradicional livraria que havia no centro da cidade, a Cultura, fechou as portas há muito tempo, e hoje, se alguém quiser comprar um bom livro vai ter dificuldade para acessar aos novos pontos de vendas. “No centro, hoje, só temos sebo. Só temos livrarias nos templos de consumo, que são os Shop­pings”, comenta a presidente do Instituto Goiás Lê Mais.
Ela avalia que uma cidade que preza pela leitura e quer ver seus cidadãos com acesso ao livro, deveria fazer algo como é feito em Curitiba, em que há dezenas de bibliotecas espalhadas pelos bairros, os Faróis do Saber. Além disso, a capital paranaense possui uma das melhores e mais servidas bibliotecas centrais do país, com um acervo gigantesco de cerca de 400 mil livros.
O eixo de desenvolvimento do Instituto Goiás Lê Mais se aproxima desse ideal realizado pelos Faróis do Saber em Curitiba.  “Em nossos espaços culturais, a gente quer bibliotecas em que, quando a criança vai passando com o pai, o puxe e diga “vamos pai, vamos entrar aqui”, planeja a presidente.

Resgates
Outro eixo do instituto é o de produção. “Essas pesquisas têm de produzir conhecimento”, diz Maria Luiza. Segundo ela, o instituto quer buscar uma parceria com a  Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás para fazer um resgate da história literária do estado.
A ideia é levantar antigas publicações e editá-las de novo. “Queremos saber, por exemplo, qual foi o primeiro livro  publicado em Goiás e republicá-lo para que as pessoas tomem conhecimento dessa produção. Os primeiros escritores daqui já não possuem mais nenhuma edição, queremos fazer esse resgate”, comenta.
Para ajudar nessas ações todas, o Instituto quer realizar a reforma de um ônibus biblioteca, doado pela editora Kelps. Segundo a presidente do Goiás Lê Mais, seu conselho já está mobilizando empresários que demonstrem interesse em patrocinar essa ação. “Vamos ver se até o final do ano consigamos a verba necessária.”
O Instituto Cultural Goiás Lê Mais é um sonho antigo de Maria Luiza Bretas. Nascida em Goiânia em 1959, ela cresceu numa casa cheia de livros. Seu pai, Genesco Bretas, um italiano que veio para o Brasil ainda criança, era autodidata e grande leitor, falava várias línguas e foi fundador do Departamento de Filosofia da Pontifícia Unive­rsidade Cató­lica de Goiás.
Maria Luiza respirou esse ar por toda a vida. Formada na primeira turma de doutorado em literatura da UFG, com passagem pela Escola de Altos Estudos de Paris, fala quatro línguas, português, inglês, francês e italiano (por modéstia, não põe o espanhol na lista).

Diferenças
Quando foi estudar essa questão de políticas públicas de leitura na França, país que tem uma população quatro vezes menor que a brasileira e forma anualmente o dobro de leitores que o Brasil forma, ela queria saber o que a França tinha de diferente do Brasil. “Descobri que a França tem todos os problemas que temos, com as crianças, com os jovens, na formação de leitores.”
A diferença, diz ela, está na cultura do povo, que foi forjada para apreciar a leitura. Além disso, o acesso aos livros é muito maior. São mais baratos, há muitas livrarias nas principais cidades, grande diversidade de bibliotecas públicas em Paris, “que são muito bem frequentadas.”
O maior diferencial na comparação com as bibliotecas daqui, segundo Maria Luiza, é o período de funcionamento. “Elas abrem às dez da manhã e ficam abertas até as dez da noite. Além disso, abrem aos sábados, domingos e feriados, o que não acontece com nossas bibliotecas”, lamenta.
Para tentar mudar a mentalidade do poder público brasileiro, a começar por Goiás, Maria Luiza decidiu pôr em prática seu antigo sonho e criou o Instituto Cultural Goiás Lê Mais. Mas antes dessa aventura, seus empreendimentos culturais já davam o que falar. Ela foi mentora de vários projetos no estado.
Entre suas criações estão o projeto Cantinho de Leitura, o Programa de Biblioteca, a Primeira Feira de Livros e as duas edições da Bienal do Livro de Goiás. Diante disso, se tornou uma das maiores autoridades em eventos literários e literatura infanto-juvenil do estado. (Para quem quiser entrar em contato com o Instituto, o telefone é (62) 3941-8307).