Encarando os problemas

Encarando os problemas

Goiânia tem títulos de orgulhar qualquer cidadão, mas também padece de deficiências crassas, travando luta com problemas urbanos graves

 

Não é de hoje que Goiânia é conhecida como uma das capitais brasileiras que têm a melhor qualidade de vida. Mas seus principais problemas também são antigos, e muitos deles vêm descendo a ladeira da saturação. Se em 2009, o município ganhou o título cidade verde, em 2010, foi apontado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a cidade brasileira que apresenta a maior desigualdade entre ricos e pobres no país.
O levantamento da ONU classificou cinco cidades brasileiras entre as 20 mais desiguais do mundo, e Goiânia ficou em 10º lugar. Situação facilmente observada quando se trafega por áreas da cidade, indo dos bairros mais nobres como Setor Marista e Bueno até regiões periféricas, para se observar a diferença em que vivem os goianienses.
Dados como esses colocam em questionamento a real situação da capital goiana. Afinal, como uma cidade com a melhor qualidade de vida tem também o maior índice de desigualdade social do país - a boa qualidade de vida é para quem?
O professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e coordenador do Programa de Mestrado em Planejamento Territorial, Aristides Moysés, destaca que Goiânia apresenta os mesmos problemas de outras metrópoles do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, apesar de ser uma cidade relativamente nova, 78 anos, e conservar muito da ruralidade. 
“O que vemos hoje, como problemas crônicos em Goiânia são os relacionados ao trânsito, à ocupação das paisagens ur­banas, saúde e ao aumento no uso de drogas”, afirma Moysés. Além desses, o professor explica que existem outros males atrelados, como o aumento da violência relacionado ao au­mento do consumo de drogas, e o transporte público, relacionado diretamente aos problemas de mobilidade urbana.

Mais complicado
Um dos maiores problemas que Moysés destacou quando questionado sobre a situação de Goiânia foi o excesso de veículos e o trânsito cada vez mais caótico. “Todos na cidade desejam ter um carro por acreditarem que chegarão mais rápido aos seus destinos. Isso está se tornando uma mentira, pois os congestionamentos aumentam a cada dia e se gasta mais tempo para deslocar-se de carro”, explica.
O excesso de veículos é, de fato, o grande problema da mobilidade na capital do estado. O professor da Escola de Engenharia Elétrica e Civil da Universidade Federal de Goiás, Cristiano Farias Almeida, compara a região metropolitana de Goiânia com a de Barcelona.
Segundo o professor, enquanto a grande Goiânia possui 2,17 milhões de pessoas, a cidade europeia tem uma população duas vezes maior. O problema é que a taxa de motorização da região metropolitana da capital goiana é 25% maior que a da grande Barcelona.
Muito do aumento dos veículos nas vias de Goiânia estão associadas à cultura da sociedade goianiense em esbanjar. “A classe média daqui ainda tem muito preconceito com o que é público: saúde, transporte, educação. E por isso optam por tudo que é particular, de veículos a hospitais”, explica Moysés.
Aliado aos incentivos e facilidades de aquisição de veículos, isso tem culminado no trânsito pesado que temos hoje em Goiânia, conforme complementou Cristiano Farias. Para solucionar esse problema, em curto prazo, o professor da UFG aponta medidas como melhorias na infraestrutura, sincronização de semáforos, restrição de horários para veículos de cargas em áreas centrais, entre outras.
“O problema é que, a médio e longo prazo, essas medidas tendem a se tornar defasadas e ineficazes, sendo necessária a intervenção do Poder Público para melhorar o transporte coletivo e incentivar mais o uso desse meio de transporte”, explica Moysés.

A eterna luta contra o Aedes

Quando a dor de cabeça aumenta e vem acompanhada de moleza e febre, a população de Goiânia não pensa mais em uma virose qualquer, mas sim em dengue. O motivo é que a região é uma das mais afetadas no país pela doença, tendo tido o último episódio epidêmico em 2010. 
A gerente de Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmissíveis da Secretaria Estadual de Saúde, Huilma Alves Cardoso, explica que a situação da dengue em Goiânia hoje não é mais epidêmica, e sim endêmica. “Temos quadros da doença o ano todo, inclusive nos períodos de seca. Por isso as campanhas e os alertas são feitos durante os 365 dias”, explica a diretora.
O controle da doença depende diretamente do apoio da população no que tange à limpeza e controle dos focos dentro de suas casas.
“Por mais que o fumacê e os agentes de saúde façam um trabalho sobre o controle do mosquito, são os moradores que devem monitorar suas casas e não jogar lixo nos espaços públicos, que além de outras consequências, pode servir de criadouro do mosquito da dengue”, explica a diretora de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, Flúvia Amorim.

Se com carro está difícil, imagina quando tem que usar o ônibus

Se a solução para o problema da mobilidade em Goiânia é incentivar a população a utilizar o transporte público, como apontam os professores da PUC Aristides Moysés e da UFG, Cristiano Farias, é preciso então ter um transporte público que atenda as necessidades da população e seja de qualidade. Afinal, quem vai trocar o conforto do carro por ônibus que trazem uma ineficaz carga de atendimento?
Não é preciso correr a lugares distantes da região metropolitana de Goiânia para perceber a insatisfação dos usuários dos transportes coletivos. Em qualquer ponto da cidade, é fácil identificar alguém que chegará atrasado a um compromisso porque o ônibus demorou a passar, ou simplesmente não parou no ponto. 
A empregada doméstica Maria dos Reis é um exemplo. Ela conta que sempre pega ônibus num ponto próximo à Avenida T-9, no Jardim América, às 8 horas da manhã. Não é raro ficar ali pelo menos 40 minutos, vendo o ônibus de que precisava tomar passar cheio, sem sequer parar.
“É complicado, porque eu acordo cedo e venho para o ponto, mas perco tanto tempo aqui, esperando um ônibus parar, que sempre chego atrasada ao serviço”, reclama Maria.
Para o chefe de gabinete da Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo de Goiâ­nia, Domingo Sávio Afonso, a situação descrita pela empregada doméstica não é diferente do que ocorre em outras metrópoles. “Em horário de pico, é natural que ônibus e terminais estejam lotados. Isso acontece em qualquer cidade grande do mundo, Goiânia não é uma ex­ceção à regra”, explica Afonso.
Mas as reclamações não se limitam a ônibus lotados ou aqueles que passam direto. É muito mais do que isso, para alguns é quase um sacrifício ter que se deslocar de ônibus por regiões de Goiânia. “Entende­mos e admitimos que há uma situação complicada com relação ao transporte público, mas várias medidas já estão sendo tomadas para melhorar esses problemas”, afirma o chefe de gabinete da CMTC.

Corredores
Uma dessas políticas é a construção dos corredores próprios para os ônibus, como o que está sendo construído na avenida Universitária (rua 10), no setor Universitário. “A função desses corredores é permitir que o fluxo dos ônibus sejam mais dinâmicos e que os horários fornecidos no site da RMTC sejam, de fato, cumpridos”, explica Afonso.
Esses horários estão disponíveis para o usuário que queira saber quando o ônibus vai passar em determinado ponto. Mas com o trânsito cada vez mais conturbado, fica difícil cumprir essa escala.
O chefe de gabinete da CMTC é enfático ao dizer que a solução não é aumentar o número de ônibus circulantes em Goiânia, acreditando que a frota de 1.400 automóveis é suficiente para transportar os passageiros. “Mas caso alguma medida de restrição ao uso do carro fosse tomada, não teríamos condição de receber esses novos usuários”, adverte.
A impressão que se tem, no final das contas, é que tudo en­tra num ciclo vicioso. As pessoas não querem abandonar seus carros em favor do transporte público porque não oferecem aquilo que buscam, como conforto e pontualidade. Com isso, o aumento do número de veículos nas ruas piora a situação do trânsito e os ônibus fi­cam presos nos engarrafamentos, comprometendo o cumprimento dos horários e trafegando sempre com lotação máxima.
“O que precisa ser feito é investir nas políticas para o transporte público para mostrar às pessoas que, se os ônibus conseguirem trafegar mais livremente, cumprirão seus horários e elas poderão se programar para pegar o ônibus que mais as agradarem”, afirma Afonso.