Redução de distância para postos ameaça rios

Redução de distância para postos ameaça rios

Projeto que reduz distância mínima entre empreendimentos e cursos d’água, de autoria do governo, foi aprovado na Comissão Mista

 

A proposta de redução da distância mínima entre postos de combustíveis e cursos d’água – nascentes entre eles – é vista com preocupação por pesquisadores das principais universidades goianas. A alteração foi proposta pelo governo estadual, por meio do projeto 1619/12, aprovado pela Comissão Mista da Assembleia Legislativa na terça-feira. O governo estadual quer reduzir a distância mínima entre os postos de combustíveis, considerados fontes potencialmente poluidoras pela legislação ambiental, de matas, bosques, parques, florestas, nascentes e outros recursos hídricos dos atuais 900 metros para 200 metros.

O projeto busca alterar a lei 17.400, que entrou em vigor em 26 de agosto do ano passado e fixou o limite mínimo em 900 metros. A justificativa da governadoria é de que os parâmetros atuais levaram ao indeferimento de 90% dos pedidos de licenciamento ambiental para funcionamento de postos de combustíveis na Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh). O governo usa como base a portaria 124 do Ministério do Interior, que fixa a distância mínima em 200 metros.

O geólogo Alan Kardec Alves de Oliveira, pesquisador do Instituto do Trópico Subúmido (ITS) da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), vê a proposta com grande preocupação. Ele explica que o Cerrado está assentado sobre bacias sedimentares, que são estruturas porosas em suas rochas. “Qualquer eventual vazamento de óleo rapidamente migraria pelas rochas até atingir o lençol freático”, justifica o pesquisador. Por causa desta peculiaridade, ele acredita que o Cerrado deveria receber uma proteção ambiental especial, em relação aos demais biomas.

“Em vez disso, o que vemos, com medidas como essa, é o poder econômico sendo priorizado, em detrimento do meio ambiente”, avalia. Alan acredita que reduzindo a distância entre a fonte potencialmente poluidora e os cursos d’água aumenta-se a velocidade de propagação de poluentes. “Em caso de vazamento, a contaminação seria bem mais rápida.” O pesquisador pondera ainda que o Cerrado é o bioma mais antigo da América do Sul. “Como já atingiu a senilidade, quando algo é retirado, praticamente não se recupera”, diz.

O analista ambiental e geógrafo Sílvio Braz Sousa, pesquisador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG), também condena a iniciativa. “A lei não pode ser mudada em função da demanda de processos que chegam à Semarh. Além disso, 200 metros não é uma distância segura”, argumenta. Sílvio acrescenta que os casos concretos mostram que há uma demora em detectar vazamentos em postos de combustíveis. “São estruturas que geralmente sofrem processo de corrosão com o tempo e não se dispõe de tecnologia para detectar esses vazamentos”, diz Sílvio.

Para o pesquisador da UFG, o projeto representa maior risco de contaminação, não apenas de recursos hídricos, mas também do solo. “Isso é muito preocupante em cidades do interior e também em propriedades rurais próximas de postos. Há sérios riscos à saúde pública que devem ser considerados”, enumera. “Vejo a proposta com muita cautela e acho que é muito perigosa”, acrescenta.

A procuradora Alessandra Peres Vilela Araújo, chefe da Advocacia da Semarh, explica que na prática a lei em vigor implicaria o fechamento da maioria dos postos de combustíveis em funcionamento no Estado. “O legislador teve intenção de fazer a lei para os novos empreendimentos, feitos a partir dela, mas não há direito adquirido em licença ambiental, ela tem de ser renovada periodicamente e, a cada renovação, tem de ser considerada a lei em vigor, no caso, a que fixa a distância em 900 metros”, esclarece.

Segundo Alessandra, há aproximadamente cem processos indeferidos ou à espera de avaliação na Semarh, que contrariam a lei em vigor. Ela acrescenta que não há embasamento técnico para a fixação da distância em 900 metros. “Como órgão ambiental, a Semarh não foi chamada a discutir. Não somos contra, tanto é que estamos cumprindo a legislação, mas a regra tem de valer para todos, novos e antigos”, diz.