Que nota é essa?

Pesquisa revela que grande parte das avaliações escolares não é eficaz. Para especialistas, mais uma vez o problema está na formação inicial dos professores

 Thaís Lobo

 

E8-9 01 MS

DESPREPARO DO PROFESSOR NA AVALIAÇÃO DOS ALUNOS PODE ESTAR NA FALTA DE UMA DISCIPLINA ESPECIFICA NOS CURSOS DE FORMAÇÃO

 

Vilãs para o aluno e motivo de dor de cabeça para o educador, as avaliações escolares ainda geram diversos debates sobre sua eficácia. Recentemente, um estudo comparativo entre oito países latino-americanos mostrou que as provas elaboradas pela grande maioria dos professores não são eficazes para o processo de aprendizagem.
Os motivos, segundo o estudo, é a cobrança de conteúdo "decorado", correção feita de forma subjetiva e arbitrária pelos professores e a falta de debate em sala de aula das provas corrigidas. A pesquisa foi realizada por Pedro Ravena, um dos maiores especialistas em avaliação da América Latina.
Embora o Brasil não tenha sido incluído no estudo, a mestre em Avaliação Educacional pela UFRJ, Jussara Hoffmann, considera que a realidade não é diferente por aqui. “O professor perdeu muito espaço como protagonista do processo de aprendizagem, muitas vezes apenas acompanhando a sequência de livros didáticos e fazendo provas padrões nas escolas. A razão para isso também é a superficialidade dos estudos em avaliação nos cursos de formação de Magistério. Critica-se a avaliação, mas não se estuda, com profundidade, a teoria e a prática da avaliação”, diz ela. 
A pesquisa também colocou como causa das provas ineficientes a falta de preparo dos professores, já que eles não possuem uma disciplina específica, durante sua formação universitária, que dê subsídios teóricos e práticos para a elaboração da avaliação escolar. “Há 30 anos, segundo meus estudos, não há disciplinas específicas de 'avaliação da aprendizagem' em cursos de formação ou licenciaturas, com raras exceções”, reforça Jussara.
Em Goiás, a UFG, a PUC-GO e UEG oferecem a seus alunos de licenciatura apenas uma disciplina que integra a questão da avaliação dentro de um leque comum de didática escolar, pois entendem que a prova é um dos vários componentes do processo de aprendizagem. Mas uma matéria específica não há.
Para a diretora da Faculdade de Educação da UFG, Miriam Fábia Alves, as universidades tem sido alvo de críticas desmerecidas. “Hoje todos os problemas da atuação dos professores é culpa da universidade. Acho que essa é uma questão polêmica e tem muitos elementos para serem postos em questão”, reclama ela.
Já o presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional, Ruben Klein, acredita que a faculdade não é a culpada de tudo, mas também não pode fugir de sua responsabilidade. Para ele, as dificuldades perpassam, inclusive, pela valorização profissional. “Acho que o maior problema do professor é seu recrutamento, porque as pessoas que estão ingressando na carreira são aquelas que não conseguem entrar em profissões mais valorizadas. O pessoal que vai para as licenciaturas é de desempenho e nível social mais baixo. Quando a faculdade pega o aluno despreparado há mais dificuldade, mas ela devia estar preparada para nivelar o aluno”, defende ele. 

Dúvidas
Na prática, mesmo professores experientes guardam pequenas dúvidas. É o caso do professor de Matemática da Escola Afonso Pena, no Setor São Judas Tadeu, Carlos Pereira, que ainda tem dificuldade na hora de avaliar o comportamento do aluno. “Essas questões são muito subjetivas”, ressalta ele. 
A subjetividade também é a principal dificuldade da aluna de História da PUC-GO, Leidiana Marinho.“Eu não sei se aplico a prova objetiva ou subjetiva, porque essa disciplina tem muita coisa de interpretação, e por  isso eu não sei como avaliar o aluno nessa questão”, desabafa.
Para a estudante de Letras da Unifan, Thainara Gomes Rosa, que já passou pela disciplina de Didática em sua faculdade, só a prática poderá tirar suas dúvidas. “Eu ainda fico confusa com isso: se a prova é mesmo o método mais eficaz de avaliar o aluno ou se os trabalhos e as outras atividades são melhores. Acho que a segurança só virá na hora em que eu estiver exercitando mesmo e elaborando as provas”, acredita ela.
Jussara Hoffmann dá as dicas. Para ela, as avaliações não tem por finalidade definir o fracasso ou o sucesso escolar do aluno, mas tem a função de acompanhar o processo de aprendizagem através de instrumentos avaliativos. “Testes, questionários, exercícios diários, discussões orais, relatos de práticas em laboratório, de visitas ou passeios, textos produzidos. Esses recursos devem ser frequentes, gradativos e significativos para oferecer ao professor uma visão qualitativa das aprendizagens, fornecendo indicadores para ajudar os alunos a prosseguir. Ao final de um período, esse acompanhamento poderá gerar uma síntese da trajetória do aluno, mas sempre com o objetivo dos próximos passos a dar com ele, seja de um bimestre ao outro, seja de um ano para outro”, ressalta a especialista.

Externas e em larga escala: a polêmica continua

As polêmicas sobre avaliação não se restringem só às provas que são aplicadas bimestralmente nas escolas e que tem foco no aprendizado do aluno. Hoje, as avaliações em larga escala (Prova e Provinha Brasil, Saeb, Enade, Enem, etc) estão no centro dos debates de praticamente todas as políticas educacionais brasileiras.
Para o diretor do Departamento de Educação da PUC-GO, Romilson Martins Siqueira, o governo está padronizando os conhecimentos e tem determinado expectativas de aprendizagem sem considerar as especifidades locais e os currículos dos cursos. “Nós entendemos que nenhum processo avaliativo pode ser tão padronizado, sem considerar a flexibilidade ou a orientação curricular de cada instituição formativa. Uma avaliação padronizada, que vem de fora para dentro em termo institucional, desconsidera o processo e pega apenas o acúmulo de determinada coisa”, esclarece.
Porém, para o presidente da Asso­ciação Brasileira de Avaliação Educa­cional, Ruben Klein, as avaliações em larga escala estão trazendo resultados fundamentais para o país, mas o modelo precisa ser ampliado. “Foi com o Saeb em 2005 que se começou a discutir a qualidade na educação. Já se sabia que a qualidade era ruim, mas antes era só achismo. Mas também pensamos que devia ter avaliação de Ciências e os resultados precisam ser mais conhecidos”, acredita ele.
Já para a consultora educacional e mestre em Avaliação pela UFRJ, Jussara Hoffmann, o perigo está na apropriação do professor, em sala de aula, das técnicas e métodos das avaliações externas. “Precisamos perceber que os testes em sala de aula não podem seguir a mesma orientação dos exames tipo Prova Brasil, Enem etc. Esses exames são de outro teor, seguindo um viés de padronização e classificação e servem para o sistema de ensino. Os testes em sala de aula não devem ser objetivos, padronizados ou resultar em classificações”, defende ela.

Fonte: Tribuna do Planalto