Crimes sem punição
A dor de quem teve parentes assassinados na guerra urbana de Goiânia e teme que perdas fiquem impunes. Greve da Polícia Civil atrapalha investigações. “Não sabemos quem são os suspeitos porque ninguém foi ouvido”, diz comentarista Mané de Oliveira sobre a morte de Valério Luiz
Goiás acompanha o sofrimento do clã Oliveira há pouco mais de um mês. Acostumada a tratar de um assunto que proporciona alegria – o futebol – a família do comentarista Mané de Oliveira se tornou protagonista de um dos crimes de maior repercussão no Estado. Em julho, o também comentarista Valério Luiz Oliveira (49 anos) foi assassinado com seis tiros depois de sair da Rádio Jornal, onde trabalhava. Era começo da tarde de quinta-feira, cinco de julho.
Até agora, porém, o episódio é cercado por mais perguntas do que respostas. O inquérito está parado por causa da greve da Polícia Civil, deflagrada seis dias após o assassinato. A família tem certeza que trata-se de uma morte encomendada, motivada pelas opiniões contundentes de Valério Luiz, mas não pode provar as suspeitas. “Não sabemos quem são os suspeitos porque ninguém foi ouvido. Tanto minha família quanto a população cobram uma resposta”, conta Mané de Oliveira.
O comentarista parece sereno. No entanto, em alguns momentos da conversa com a equipe da Tribuna a voz vacila, os olhos ficam marejados, mas as lágrimas não vêm à tona. A força tem justificativa. Mané sabe que a dor da perda não tem cura, “pode aliviar um pouco, mas sempre que você lembra o sentimento é pesadíssimo”, desabafa. A fé no que ele chama de Justiça Divina parece fortalecê-lo ainda mais.
“Se a Justiça do homem demorar, a Divina não vai faltar. E se a daqui for dolorida, a Divina vai ser mais ainda”, declara, como se repetisse um mantra. A família Oliveira aguarda o avanço das investigações, mas Mané diz entender a cautela da Polícia Civil em divulgar novas descobertas. “Estamos dando mais um voto de confiança na Polícia, na Secretaria de Segurança Pública e no Governo. Espero que daqui a 30, 60 dias, já tenhamos novidades”, planeja.
Dor e resistência
Cinco de julho também foi um dia de sofrimento para família Sebba. A data seria lembrada com alegria, afinal, o primeiro filho do advogado Davi Sebba Ramalho (38) e de sua esposa Mariana dos Santos havia nascido. Mas os motivos da lembrança serão outros. O jovem foi morto por um policial do Serviço de Inteligência da Polícia Militar, a PM2, no estacionamento de um hipermercado de Goiânia. Davi havia ido ao local comprar mantimentos para passar a noite no hospital.
“A família toda estava pronta para ir à maternidade quando, de repente, foi surpreendida com a notícia de que Davi havia sido baleado pela polícia. Foi um pesadelo”, descreve trecho de carta divulgada pela família dias depois do crime. Os familiares também desabafam e dizem que “a dor decorrente de uma perda de forma tão abrupta e inesperada, violenta e injusta, ainda machuca muito.”
A carta, que tem o título de “A vida de Davi Sebba Ramalho”, é uma forma de rebater informações repassadas pela Polícia que apontam o advogado como um traficante de luxo. “A família está enlutada e humilhada, mas está transformando essa dor em resistência”, afirma o advogado Allan Hahnemann, que acompanha o caso. De acordo com ele, os parentes de Davi tem evitado dar entrevistas e temem retaliações.
A reportagem da Tribuna tentou contato com o irmão da vítima, Pedro Ivo Sebba Ramalho, que mora em Brasília, mas não obteve retorno. Segundo Hahnemann, o inquérito do caso foi enviado à Justiça incompleto, pois laudos importantes, como o cadavérico, não foram juntados ao processo. Nesta semana, pessoas que testemunharam a execução devem ser ouvidas, informa o advogado. É um fio de esperança para que o crime seja esclarecido.
Estratégias
Os assassinatos de Valério e Davi aconteceram no mês em que esse tipo de crime sofreu uma queda considerável em Goiânia e em todo Estado. Segundo levantamento Secretária de Segurança Pública de Goiás (SSP/GO), em comparação a julho de 2011, os homicídios caíram 11% em Goiás, e 21% em Goiânia. No entorno a queda foi ainda maior: 36%.
A socióloga Dalva Souza, professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (FCS/UFG), vê com cautela os números. Ela destaca que não há um planejamento de longo prazo feito pela Segurança Pública para deter o avanço dos homicídios. “As estratégias deveriam estar focadas no entorno de Brasília e na Região Metropolitana de Goiânia, onde a incidência de homicídios é maior”, diz.
Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Júlio Moreira lembra que além de debater os limites da atuação do Estado. “Sua atuação é seletiva com os pobres e isso repercute culturalmente na sociedade. Em Goiás, como em outros lugares do país, há uma política de Estado de criminalização da pobreza”, avalia ele.
Fonte: Tribuna do Planalto