Um moderno tardio

José Godoy Garcia, cuja antologia está indicada para a prova de literatura do vestibular da UFG, teve parte de sua estética inspirada em autores como Bandeira, Mario de Andrade e Drummond

A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um dos marcos mais destacados em qualquer historiografia da literatura brasileira que se possa fazer. Nela, autores como Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida – isso sem falar em outras áreas, como a música (Villa-Lobos) e as artes plásticas (Anita Malfatti) – propuseram novos parâmetros para a estética nacional, num resgate de nossas raízes, ainda que na perspectiva de renovação das vanguardas europeias que agitavam a cultura mundial à época. Aquele encontro no Teatro Municipal de São Paulo simbolizou rupturas e influências que se estenderiam por muito tempo, alcançando artistas de gerações posteriores. Existe uma corrente teórica que percebe isso em nomes maiúsculos da poesia e da prosa feitas em Goiás a partir da década de 1940.

Uma das obras indicadas para a prova de literatura do próximo vestibular da Universidade Federal de Goiás é, nesta perspectiva, exemplar de tal processo de influência tardia do modernismo em Goiás. O livro Antologia do 50º Aniversário de Poesia, de José Godoy Garcia, reúne os versos de um dos expoentes mais destacados deste movimento, em que também são listados os escritores Bernardo Élis, José Décio Filho e Domingos Félix de Sousa.

No título de Godoy Garcia publicado pela Thesaurus Editora, há os elementos que diversos comentadores identificam como tributários ao Modernismo, mas já mesclado com outras referências, em sobreposição à chamada Geração de 45 da poesia brasileira, com evidentes inspirações no trabalho de Carlos Drummond de Andrade, poeta de lírica única, mas que é classificado como pertencente à segunda geração de modernistas.

As classificações e escolas literárias, é bom ressaltar, servem mais como métodos de organização, muitas vezes cronológica, de autores e obras. Não devem ser vistas como algo incontestável ou que abarcaria todas as dimensões de trabalhos que, geralmente, são plurais, em que, ao mesmo tempo, confirmam alguns aspectos que as identificam, mas transgridem outros. A obra de José Godoy Garcia pode ser localizada neste jogo paradoxal. Comunista militante que era, o poeta nascido em Jataí dedicou muitos poemas a temáticas sociais, balizando-se por posicionamentos políticos muito claros. Tangencialmente, pode-se debater as aproximações desta conduta com, por exemplo, a Rosa do Povo, de Drummond, livro que é, justamente, dos anos 1940, quando Godoy Garcia iniciou sua carreira com o livroRio do Sono. O contexto histórico, no caso, é significativo, já que o mundo, até a metade daquela década, vivera uma Guerra Mundial e o Brasil, uma ditadura sob o comando de Getúlio Vargas.

O engajamento político e social de Godoy Garcia pode, também, ser interpretado como uma empatia com os poemas-manifesto de Oswald de Andrade, em que o tom panfletário prepondera.

De acordo com o também poeta e critico literário Gilberto Mendonça Teles, no estudo A Poesia em Goiás, em que trata do assunto, “houve uma adesão completa, principalmente de Bernardo Élis e José Godoy Garcia, aos aspectos poemáticos que caracterizam os poemas de Manuel Bandeira e Mário de Andrade”. Com esta conclusão, o autor atesta que, a partir da segunda metade dos anos 1940, enquanto no plano nacional vivia-se a chamada terceira fase do Modernismo, com a Geração de 45, em que se destacavam autores como João Cabral de Melo Neto e Lêdo Ivo, “em Goiás assistíamos ao advento dessa escola em suas primeiras fases e púnhamos em ação ideias literárias já de certo modo superadas na literatura nacional”.

É preciso levar em conta que Goiás, até meados do século 20, era muito isolado, geográfica e culturalmente. Em termos literários, Hugo de Carvalho Ramos, com Tropas e Boaidas, obra que sua breve vida não permitiu que tivesse outros livros a lhe acompanhar, e Léo Lynce, um poeta que a partir do final dos anos 1920 fez tentativas mais sólidas de uma poesia contemporânea, menos vinculada ao romantismo e ao parnasianismo, foram exceções numa regra em que os trabalhos realizados tinham menos contato com o que havia de novidade no cenário das letras nacionais.

A chegada do Modernismo a Goiás, nos anos 1940, foi marcada, portanto, por muitas influências entrecruzadas e contextos históricos diversos de quando o movimento floresceu. A poesia de José Godoy Garcia deve, portanto, ser vista desta perspectiva, levando-se em conta todas essas variantes que se incluem em sua formação.

 

Fonte: O Popular