Os novos horizontes de Santhiago Selon

Recentemente pude conhecer o universo geométrico proposto pelo artista Santhiago Selon em uma visita à montagem de sua exposição Novo Horizonte na Galeria da FAV-UFG, que tem abertura hoje, às 10 horas. Partindo do encontro e das conversas com Selon, gostaria de tocar em alguns aspectos referentes à proposta desenvolvida pelo artista, às relações formais e cromáticas presentes em seu trabalho e à capacidade de, em seu processo artístico, efetuar de modo intenso algumas mudanças das concepções espaciais no espaço expositivo da galeria.

Começo salientando que Santhiago Selon, para não entrar nas “armadilhas” e nas difíceis discussões em que a arte cai quando esta é realizada nos muros e fachadas das ruas nas cidades e nas áreas urbanas, sabiamente define seu trabalho como um trabalho de pintura. Mas o fato é que Selon aprendeu a pintar nas ruas e bastam algumas caminhadas por bairros da capital goiana para logo encontrar suas formas geométricas nas fachadas e muros de ruas e avenidas da capital.

A pintura de Selon não utiliza a tinta em spray, como se poderia esperar, mas se faz com o uso de tinta látex, esmalte e acrílica, sendo realizada com uso de rolos de espuma. Também é interessante perceber que, entre uma infinidade de cores possíveis, ele utiliza uma paleta de cores relativamente pequena: o preto, o branco, o cinza, o azul, o vermelho e o amarelo; cores que, segundo o próprio artista se aproximam das do pintor holandês Piet Mondrian.

Ao pensar nestes aspectos da cor, tento perceber como Selon, partindo da escolha cromática aparentemente reduzida, exercita um enorme trabalho de repetição e reorganização destas no plano espacial. À cor poderíamos incluir a forma, porque o artista, para estruturar o espaço de ação para a pintura, reparte a superfície a ser pintada em inúmeras construções geométricas, cuidadosa e anteriormente desenhadas por ele. Este desenho inicial se dá por marcações; ou traços, e são realizados diretamente na parede. São feitos sem o rigor de réguas e sim com o rigor do olhar do artista, que mede cada parte com o olho e com a mão.

Ao vê-lo em ação lembro-me de outro artista, o suíço Paul Klee, que em uma anotação contida em seus diários nos diz que é preciso semicerrar os olhos para ver melhor. Ao olhar, e olhar mais uma e tantas outras vezes para aquelas paredes, Selon constantemente repete o movimento de semicerrar os olhos para comparar a proximidade e afetações cromáticas e distribuir bem as formas criadas; percebê-las, para só então, e depois, ajustá-las.

Selon, em suas pinturas na Galeria da FAV ou nas fachadas das ruas, realiza estudos anteriores com intuito composicional, fazendo uso da forma e escolhendo cores a serem trabalhadas em cada projeto. Estes projetos, estando em escala reduzida, são potentes quando criam no plano da superfície do papel a sensação de profundidade de campo, intensificando pela relações estéticas, as questões sensoriais que seus trabalhos possam vir a oferecer quando refeitos em escala aumentada.

Intrigado em conhecer mais os procedimentos e modos de trabalho do artista, fico sabendo que Selon amplia o desenho sem o uso de equipamentos e sem nenhuma “tecnologia”, o faz traçando manualmente linhas de 3, 4, 5 metros de comprimento diretamente nas paredes da galeria. Ao ampliar seu projeto para uma dimensão superior a 5 metros de altura e em paredes de 10 metros de largura, o trabalho do artista se agiganta e, junto a isso, modifica infinitamente o espaço que o recebe.

Cabe então apontarmos para um outro elemento de importância em seu processo que é a parede. Podemos perceber que o artista faz da parede não um mero suporte para receber uma pintura, mas, de fato, um plano para o acontecimento da pintura.

Selon assim potencializa o espaço não o ocupando materialmente com volumes tridimensionais ou organizando objetos e outros acessórios no centro da galeria ou nas paredes desta, mas produzindo situações e organizações de cor e de forma na própria superfície de cada uma das quatro paredes, agora tornadas um plano só; inseparáveis.

De modo sistemático e alternadamente repetido, o artista opta, ao repetir formas simples, em pontuar relações cromáticas de sua paleta reduzida de cores, e são estas escolhas que permitirão a Selon aprofundar a organização visual da obra em sua complexidade de arranjos visuais. Este movimento criador oferece-nos a possibilidade, também, de acompanhar, ou mesmo apontar mudanças ocorridas no processo de suas pinturas-paredes, algumas das escolhas e decisões a priori tomadas pelo artista e suas estratégias do pensamento em ação.

É assim que, buscando pela memória, aproximo as paredes de Selon das paredes de Sol Lewitt, artista conceitual norte-americano que tem um série de desenhos murais ou wall drawing”. Nestes trabalhos Lewitt discute, entre outras coisas, as modificações do espaço no campo de produção da arte contemporânea como a materialização da pintura, questão bem-vinda para darmos os encaminhamentos conceituais buscados aqui.

Para Sol Lewitt e outros artistas da arte conceitual, todo o planejamento de uma obra, as decisões a serem tomadas e as escolhas formais e de outras ordens devem ser feitas de antemão, de modo que a própria execução da obra passa a ser algo superficial. É assim, resumidamente, que na arte conceitual, ou no trabalho de Sol Lewitt, não está em questão prioritária fazer uso das habilidades do artista para realizar o trabalho manual em espaços expositivos.

O trabalho do artista, entendido por esta vertente de produção, pode ser realizado por outros, a partir do detalhamento prévio e de instruções minuciosamente organizadas.

 

Mas a pintura ainda exige de Selon uma intensa presença física, sendo que ele elabora e participa da manufatura em cada etapa do processo. Assim é que podemos considerar que é somente devido à grande dimensão de seu projeto, e diferentemente dos processos de Sol Lewitt, que Selon precisou contar com o auxílio de dois estudantes de Artes Visuais da FAV-UFG (os alunos Santiago Régis e Luiz Fers) para concretizar a manufatura da pintura proposta.

Mas, retornando um pouco, lembro-me de que ao chegar à galeria tive uma sensação de estranhamento, por um instante me senti absorvido pelas forças das estruturas geométricas, das relações cromáticas, dos planos e das formas criados ali. De fato o meu estranhamento se completa ao perguntar para o artista: “É isto ou você vai colocar algo no centro da galeria?” Uma pergunta sem sentido para a ocasião, mas é com ela que tentamos aqui apontar outras importantes questões percebidas no trabalho do artista, já que a complexidade visual construída por Santhiago Selon na exposição Novo Horizonte não necessita de acessórios, objetos ou outros elementos complementares a serem inseridos ou mesmo instalados no espaço da galeria, se apresentando em potência e por si só nas situações visuais criadas na parede, agora transformada em superfície-plano-cor.

Glayson Arcanjo é artista visual e professor do curso de Artes Visuais da FAV-UFG.

glaysonarcanjo@hotmail.com

 

www.glaysonarcanjo.blogspot.com

Fonte: O Popular