“Várias espécies podem ser ameaçadas”

Doutor em Ecologia pela Universidade de Campinas (Unicamp), o professor Rafael Loyola, do Departamento de Ecologia da UFG, levantou os impactos das mudanças climáticas para as diferentes espécies do Cerrado e da Mata Atlântica. Ele alerta para os riscos que várias espécies correm devido às mudanças que vem sendo implementadas no bioma. Em entrevista ao POPULAR, ele falou sobre o estudo:

Os estudos referem-se a impactos para Mata Atlântica e Cerrado. Quais são eles para cada um desses biomas?

Avaliamos apenas os impactos das mudanças climáticas sobre as espécies de anfíbios da Mata Atlântica e de mamíferos do Cerrado. Nosso trabalho é focado nos animais. Posso dizer que perder boa parte dos anfíbios e mamíferos de um bioma pode ter consequências sérias sobre os chamados serviços ecossistêmicos. Anfíbios são importantes por controlarem populações naturais de insetos (adulto) e por limitar o crescimento de algas em riachos (girinos). Mamíferos também desempenham diversos papéis importantes no ecossistema: muitos são predadores, mantendo um balanço “saudável” entre as espécies de um ecossistema, outros são herbívoros e controlam as espécies de plantas de um determinado lugar, vários são polinizadores (morcegos, principalmente) ou dispersores de sementes (morcegos, porcos selvagens, lobo-guará, anta, etc) que são serviços essenciais para a manutenção da produção de frutos (polinização) e para a própria sobrevivência das plantas (no caso da dispersão).

 

O professor fala que espécies devem perder grandes extensões de habitat adequado para sua sobrevivência devido às mudanças climáticas. Em que proporção isso ocorrerá? Alguns habitats poderiam desaparecer?

Para a fauna, os impactos, em ambos os biomas, são basicamente os mesmos: um decréscimo acentuado de locais com clima adequado para as espécies, o que levaria a uma redução da distribuição geográfica das mesmas. Em alguns casos, como o dos anfíbios da Mata Atlântica, até 12% das espécies poderiam perder todos os locais adequados para sua sobrevivência, vindo a ser extintas. Para algumas espécies, nenhum lugar dos biomas seria opção de vida. Os habitats em si não desapareceriam, mas se tornariam quentes ou secos demais. No Cerrado, diante das mudanças climáticas e do desmatamento, apenas 20% em média da área de ocorrência das espécies conseguiria ser protegida, caso o Brasil se comprometesse a proteger 17% do bioma (como acordado recentemente em reunião internacional).

E qual o risco real de extinção de espécies em decorrência desse cenário?

É difícil dizer qual o risco real, mas o risco estimado poderia aumentar bastante. Seria o suficiente para colocar diversas espécies que não estão ameaçadas na lista vermelha de espécies ameaças do Brasil, pelo critério do tamanho da distribuição geográfica. O lobo-guará, por exemplo, emblemático do Cerrado, mudaria de categoria de ameaça, saindo da posição de vulnerável, para criticamente em perigo.

 

Quais estariam mais ameaçadas no Cerrado?

As espécies de grande porte são sempre as mais ameaçadas. Isso porque elas necessitam de grandes áreas para sobreviver e, se os habitats deixam de ser climaticamente adequados, o somatório real das áreas é muito menor que o necessário para manter essas espécies. O Cerrado deve perder muito de sua cobertura original até 2080. Os habitats para espécies de grande porte ficariam fragmentados e isolados, impedindo a comunicação entre indivíduos das espécies. Se encaixam nesse perfil a onça-pintada, a onça-parda, o lobo-guará, a anta, o tamanduá-bandeira, por exemplo.

 

E onde estão os habitats ideais remanescentes no Cerrado e onde deveriam ser criadas as unidades de conservação visando reduzir estes efeitos?

Basicamente no Norte do bioma. Sudeste e Sudoeste devem sofrer grandes impactos pela conversão de terras para agricultura ou criação de pastagens para gado. As áreas prioritárias para unidades de conservação estão espalhadas por todo o bioma.

Fonte: O Popular