Lucro é o de menos

Viabilizar, canalizar e disponibilizar a produção cultural são objetivos de coletivos culturais. Grupos se inspiram em conceitos como democracia participativa e mesmo do marxismo

A acumulação de riquezas nem de longe é o objetivo, segundos integrantes de coletivos culturais. Eles não pregam necessariamente uma corrente ideológica declarada ou um tipo de revolução, embora muitas correntes políticas de pensamento encontrem eco entre seus membros. Durante o processo de produção desta reportagem, O POPULAR ouviu manifestações de simpatia por várias ideologias que flertam com posições de centro, esquerda e até de direita. Mas tão complexas como as teias traçadas dentro de um emaranhado de coletivos culturais, são as aspirações, objetivos e características dos envolvidos.

Em geral, como foi possível constatar, é a partir das diferentes identidades e experiência que surgem as trocas que os membros procuram. Não é incomum encontrar diferentes doutrinas políticas, sociais e econômicas. Enquanto há membros que podem rejeitar completamente qualquer tipo de contato com o que é considerado “mainstream” (termo em inglês para designar algo como “o pensamento dominante”) – por exemplo, a recusa em conceder uma entrevista a um jornal de grande circulação, como O POPULAR (leia nesta página) – há aqueles que buscam maneiras viáveis de existência inseridas dentro do modelo capitalista de produção, como técnicas de administração de empresas.

Igualitária

Mesmo de maneira genérica, a maioria dos grupos se apoia em conceitos de democracia participativa e do marxismo. “Eu poderia arriscar que cerca de 90% das pessoas que passaram ou estão no coletivo têm uma visão igualitária, que querendo ou não vem do pensamento de esquerda”, opina Sophia Pinheiro, 23 anos, integrante fundadora do coletivo de design Fake Fake. Criado por colegas que se conheceram ainda na época da faculdade, na Universidade Federal de Goiás (UFG), o grupo faz aniversário de seis anos em 2013, não sem ter enfrentado percalços, tentando se viabilizar.

Entre 2009 e 2010, quando o Fake Fake se formalizou, o coletivo tinha 12 membros (na faculdade chegou a ser projeto de extensão universitária). Hoje, são seis membros. “É um coletivo orgânico, com a intenção de valorizar a arte do trabalho que temos em Goiânia. A gente percebia que muitos colegas saíam da cidade para trabalhar. Acreditamos que a cidade pode ser transformada. O que você semear aqui ela vai dar”, defende Sophia, que declara posição política de esquerda.

O coletivo, que prepara um de seus grandes eventos anuais, o Fake Fake Ilustraciones, já se candidatou e conseguiu recursos públicos na Lei Municipal de Incentivo. “Mas nunca tivemos visão de lucro. Os R$ 25 mil captados agora, por exemplo, mal dão para viabilizar a estrutura necessária”, contrapõe.

 

Entenda mais

25 de agosto de 2013 (domingo)

O que é um
coletivo cultural?

O conceito de coletivo cultural não é preciso nem no meio acadêmico, mas em linhas gerais corresponde a agremiações de produtores que unem forças e investem na troca de experiência e contatos para viabilizar suas produções. O principal foco é enfrentar o atual modelo de produção industrial, que valoriza produtos explorados com a finalidade de lucro.



Qual foi a polêmica envolvendo o Fora do Eixo?

Era para ser mais uma entrevista de rotina do Roda Vida, programa da TV Cultura, desta vez com o produtor cultural Pablo Capilé e o jornalista Bruno Torturra, articuladores da rede Fora do Eixo. O assunto era o coletivo de jornalismo Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), braços de comunicação do Fora do Eixo, que ganhou notoriedade ao cobrir ao vivo as manifestações sociais. Mas o programa acabou sendo o estopim de diversas reações nas redes sociais, contrárias e favoráveis ao Fora do Eixo, que ganharam reverberação na imprensa.

Criado em 2005 em Cuiabá, o Fora do Eixo hoje se estende por todo o Brasil, com braços em diversas áreas culturais, apregoando até mesmo novas formas de organização social e econômica, como a manutenção de casas em algumas capitais brasileiras onde seus membros residem e compartilham seus bens pessoais. Toda a polêmica começou quando, após a entrevista ao Roda Viva, concedida no dia 5, ex-integrantes do Fora do Eixo, como a cineasta Beatriz Seigner e a jornalista Laís Bellini postaram depoimentos no Facebook contra o coletivo. Beatriz reclamou da falta de pagamento pela exibição de seus filmes e Laís denunciou a “dominação psicológica” a que os colaboradores do coletivo são submetidos. No dia 16, a revista Carta Capital publicou reportagem em que sustenta ter ouvido oito ex-integrantes, que fazem acusações “ de estelionato, dominação psicológica e ameaças” por parte da cúpula do Fora do Eixo.

Outros veículos de comunicação deram repercussão, denunciando possíveis privilégios em aprovação em editais de mecanismos de fomento cultural. Torturra e Capilé foram a público se defender, dizendo que o jornalista Lino Bocchini, que assina a matéria da Carta Capital, não menciona que já trabalhou com o coletivo e que estaria sendo “oportunista”. Bocchini, por sua vez, reafirmou as informações publicadas e disse estar sofrendo “perseguição coletiva”.

Nos últimos dias, políticos passaram a se posicionar de ambos os lados. O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) chegou a protocolar três requerimentos, no Ministério da Cultura, da Fazenda e de Minas e Energia, para questionar critérios de liberação de verbas para projetos do Fora do Eixo. Em sua defesa, a rede recebeu apoio do senador Randofe Rodrigues (PSOL-AP) e do secretário de Cultura da cidade de São Paulo, Juca Ferreira, que condenou o “linchamento público
dos rapazes”.

Fonte: O Popular