Um cinéfilo, uma câmera e uma ideia

Numa indústria marcada pela falta de inovação, o cinema de Tarantino é um oásis de ousadia e criatividade

Raquel Ribeiro - Especial para O POPULAR 16 de setembro de 2013 (segunda-feira)
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Uma Thurman em Pulp Fiction: clássico da cultura pop

Quentin Tarantino é o que hoje se pode dizer de um diretor que surgiu no lugar certo, no momento certo. Tendo iniciado sua carreira tardiamente, na mesma idade em que Spielberg já desfrutava do sucesso de Tubarão, Tarantino – cujos filmes estão sendo exibidos em mostra no Cine UFG até o dia 25 deste mês – surgiu como diretor de forma tímida com o filme Cães de Aluguel, em 1992. Apesar de já ter sido visto rondando os estúdios de cinema americanos com seus roteiros, foi com Cães de Aluguel que Tarantino passou de um excêntrico cinéfilo para uma real promessa do cinema mundial.

Cães de Aluguel marcou a carreira do diretor ao apresentar uma narrativa diferenciada, ligeiramente desconexa e despretensiosa, na qual importavam mais o roteiro e os diálogos do que o fato que conduzia a trama: um assalto a uma joalheria. Com um modesto orçamento de US$ 1 milhão, Tarantino demonstrou que vale mais uma ideia do que uma soma e, de quebra, se tornou referência do cinema independente que via seus dias de ascensão.

Apesar de ter lançado a carreira do diretor, seu primeiro filme não alcançou metade do estrondo que seu sucessor faria. Pulp Fiction surgiu em 1994 em poucas salas de cinema na estreia e em muitas após vencer o Festival de Cannes daquele ano. Novamente trabalhando sob o prisma do filme independente, o segundo filme do diretor o lançou ao estrelato. Começam a surgir os traços do que seria uma carreira pautada até hoje no roteiro e na subversão de gênero.

Pulp Fiction é lembrado como um clássico da cultura pop que se coloca na contramão da indústria cinematográfica da época. Durante 2 horas e 40 minutos, o diretor nos coloca no cotidiano de gângsteres de bairro que tratam suas questões com uma simplicidade desconstrutora. A fama e o dinheiro até então associados aos personagens do gênero dão lugar a uma narrativa pautada no azar dos personagens e na sua capacidade de refletir sobre o que é importante em suas vidas.

Há quem diga que o diretor nunca mais apresentou um filme tão bom quanto Pulp Fiction e, de fato, ele nunca mais ganhou o Festival de Cannes com uma de suas produções, mas há de se ressaltar que Tarantino trouxe de volta à história do cinema uma perspectiva autoral. O que temos hoje são roteiros prioritariamente originais (o único roteiro adaptado de Tarantino é Jackie Brown), em que a marca do diretor – a violência, a ironia e o humor ácido – torna-se facilmente reconhecível.

Tendo deixado um pouco de lado a imagem de diretor independente nos últimos anos, Tarantino jamais abandonou o seu estilo de fazer filmes, superando-se em produções que não mais precisam se preocupar com orçamento. Bastardos Inglórios, de 2009, e Django Livre, de 2013, contam com nomes como Brad Pitt, Jamie Foxx, Samuel L. Jackson e Leonardo DiCaprio, no entanto, mesmo com figuras conhecidas da indústria, o diretor mantém o foco no diálogo e na narrativa em torno dos personagens, trazendo a sua ousadia a um novo patamar.

Nazismo e escravidão

Nos dois filmes mais recentes de sua carreira, o diretor extrapola os limites da tela e se encontra em posição de ousar politicamente com a história do mundo, tocando em temas delicados como o nazismo e a escravidão com a voracidade tarantinesca que o consagrou. Ao assassinar Hitler e alforriar Django, o diretor trabalha com diversas variáveis (internas e externas) que o levam a ser alvo frequente de críticas e elogios em igual medida.

Fato é que, em tempos como os nossos, quando 9 das 10 maiores bilheterias de 2012 são de sequências e adaptações cinematográficas, nomes como o de Tarantino se destacam por trazer, bem ou mal, aquilo que nos falta hoje: originalidade. Se o mundo é pós-moderno e a cultura pop se encontra enraizada em nosso cotidiano, faz-se notar aquele que se coloca acima do comum, que se reinventa e que nos dá a oportunidade de retomar uma discussão há muito adormecida sobre o cinema e suas possibilidades. Sobre a arte e suas possibilidades. Sobre o ser e suas possibilidades.


Raquel Ribeiro, mestre em Comunicação pela UFG, é professora da UFG e das Faculdades Araguaia e Alves Faria

Fonte: O Popular