No tempo em que o rádio imperava e a internet com seus vídeos virais nem engatinhava, estouraram em Goiás duplas precursoras da força goiana no cenário sertanejo nacional, como Brasão e Brasãozinho, Veloso e Velosinho, Bandeirinha e Goianinha, Venâncio e Venancinho, Melrinho e Belguinha... De fora, outros nomes faziam sucesso por aqui. Silveira e Silveirinha, Milionário e José Rico, Trio Parada Dura, Di Paullo e Paulino e Chitãozinho e Xororó são exemplos.
Mais tarde, numa geração romântica, filhos do próprio Estado se consagraram por todo o Brasil e também fora, entre eles Zezé Di Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, Chrystian e Ralf e Bruno e Marrone... A fonte nunca secou com o passar dos anos. Guilherme e Santiago, Jorge e Mateus, entre outros, como Humberto e Ronaldo, Cristiano Araújo, dão sequência ao título de região mais sertaneja do País.
Isso só reforça que não é de hoje a tradição goianiense nesse aspecto. Porém, embora mantenha a formação atemporal de artistas do gênero, a forma e velocidade com que o sucesso acontece mudaram completamente. Se o hit É o Amor, de Zezé Di Camargo e Luciano, ganhou as rádios da capital e do Brasil com inúmeras ligações do pai da dupla, seu Francisco, o Ai Se eu te Pego, de Michel Teló teve inúmeros compartilhamentos nas redes sociais. Se as principais gravadoras retinham os artistas, no cenário atual não faltam empresários dispostos a lançarem duplas ou cantores solos no mercado. Se os fãs esperavam ansiosamente pelo próximo disco, hoje esperam pelo próximo artista.
“O público mudou completamente com o inchaço urbano de Goiânia. Não há mais uma homogeneidade quanto a estilo, mas uma heterogeneidade quanto à performance do artista. Vale muito mais o cantor que a própria obra”, analisa o professor da UFG Bento Fleury. Para a dupla Carlos e Jader, de Rio Branco, no Acre, que moram na capital desde 2001, a tradição do sertanejo e o mercado que se tornou muito rentável alterou o processo natural da carreira de um artista.
Carlos lembra que na época que a dupla veio para cá, eles passaram dez anos cantando em bares até conseguir gravar um disco. “Hoje as pessoas gravam primeiro o álbum ou o DVD, lançam a música e depois sobem ao palco. O processo é totalmente invertido. Existem profissionais que estão no cenário porque amam isso, precisam para sobreviver, outros não, que vendem até a própria alma para aparecer. Infelizmente é isso que acontece”, lamenta.
Redes sociais
O cantor também considera que atualmente é mais fácil fazer sucesso. “Há 20 anos não se tinha essa quantidade de empresários, casas noturnas, antigamente você era refém de uma gravadora. Precisava de uma boa música, de um bom repertório. Isso é fato, não tem erro”, conta. “As redes sociais também fazem toda a diferença. Muitos hoje testam as músicas na internet, se têm aceitação, vão para o disco. A tecnologia trouxe possibilidades para alguém que não tem chance empresarial, um investidor, começar um trabalho com o apoio e credibilidade popular”, concorda Di Paullo, que faz dupla com o irmão Paulino. Os dois engrossam a lista de músicos que migraram para Goiânia atrás de alavancar a carreira.
No mesmo caminho
29 de setembro de 2013 (domingo)
Cristiano Borges
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Leandro Kato : “Meu trabalho só vem crescendo”
O recente sucesso de todos os novos artistas do sertanejo universitário, a tradição na capital, além de nomes consagrados produzidos pelo Estado, fez a dupla Vittor Hugo e Adriel abandonar o interior de Minas Gerais e se transferir de mala e cuia para Goiânia. Eles tinham quase cinco anos de carreira, três discos gravados, música tocando nas rádios e faziam shows em cidades do interior de São Paulo, no Mato Grosso do Sul e interior de Goiás.
“Não era nada muito grande. Em Goiânia, temos uma estrutura maior, temos empresário, gravamos um novo disco, temos uma música que vem abrindo portas que é Cê Sabe o Que eu Acho? Estamos com uma média de 12 apresentações por mês e o trabalho já cresceu bastante. Nosso sonho é conquistar o Brasil. Enfim, essa escolha aconteceu porque a capital goiana, de uma forma ou de outra, dita as regras do mercado da música sertaneja, é uma referência, não tem como falar em sucesso se você não fizer por aqui”, admite Vittor.
Segundo ele, quando a dupla decidiu pela mudança foi alertada por amigos que o mercado goianiense possui mais de dez mil duplas cadastradas. Antes da chegada a Goiânia, eles primeiro conheceram a cidade, visitaram algumas casas noturnas, fizeram amizades importantes e tomaram a decisão de realmente partir para Goiás. “Encaramos isso com muita maturidade. Quando decidimos mudar de endereço foi tudo muito bem planejado e sabíamos que se nós vingássemos por aqui, conseguiríamos nos sobressair em qualquer outro lugar”, garante Vittor.
Na raça
O mesmo caminho tomou o cantor Leandro Kato, que abandonou o interior de São Paulo, onde havia trabalhado por mais de 13 anos como dupla, e seguiu em 2010 para Goiânia. Hoje ele mora sozinho, não tem empresário, vende os próprios shows, contrata músicos, enfim, corre atrás de tudo e sonha em lançar o primeiro disco. “Tudo na raça. Quando cheguei o pessoal me questionava porque larguei um grande centro para vir para cá, porque a maioria que está aqui faz o inverso. Porém, fui muito bem aceito, comecei a tocar nas casas noturnas e meu trabalho só vem crescendo”, conta.
Ele revelou que escolheu Goiânia após uma pesquisa pela internet. “Isso é importante para a gente que vive no meio. Então, escolhi o lugar porque é onde são encontrados os escritórios mais poderosos, gente influente, público apaixonado por sertanejo, muitas casas de shows, e por ser uma fábrica constante de novos talentos. Agora, para quem está começando, a concorrência é bem desleal, mas se não colocarmos a cara para bater nunca vamos saber se iria ou não dar certo”, considera.
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Do caipira ao universitário
29 de setembro de 2013 (domingo)
No começo dos anos de 1960, o sertanejo de raiz ditava o ritmo nas festas caipiras em Goiás. Entre os artistas mais badalados, Marreco e Nuvem Negra, Zé Pinheiro e Pinheirense, Dom Miguel e União... Do interior de São Paulo, Tonico e Tinoco eram as grandes referências do segmento. “Temas como telurismo, natureza, boiada, fogão de lenha, amanhecer na roça pertencem hoje apenas aos saudosistas. Agora, nega-se a roça que há em nós. Mas creio que ela nunca desaparecerá por completo pelo tom literário, lírico e poético que possui”, destaca o professor da UFG Bento Fleury.
Com o passar do tempo, a música sertaneja foi ganhando signos até chegar ao estilo universitário, que é um pouco mais rápido, além das possibilidades de misturas com axé, rock e funk. Até mesmo os cantores foram mudando, começaram a explorar mais a questão da sexualidade. “O que mudou foi o perfil dos cantores, a insinuação erótica dos gestos no palco, o estilo de agradar as mulheres, embora tantas músicas até denigram a imagem delas. O jogo evolucional das canções numa análise do discurso continua sendo o homem que se sente traído ou que se julga ‘gostoso’ em relação à mulherada. Parece que se banalizaram os sentimentos”, complementa Bento Fleury.
“No meu ponto de vista, em que carrego a bandeira do sertanejo há mais de 40 anos, muitas canções atuais não correspondem ao gênero, que sempre falou dos seus problemas sociais e conjugais, seus amores mal resolvidos ou bem-sucedidos, tudo isso de uma maneira bem categórica. Quando nós gravamos uma música imaginamos que nossa mamãe, filha, irmã, avó, vão ouvir e por isso não gravamos duplo sentido e não estamos interessado nisso. Consideramos nossos fãs como se fossem da nossa própria família”, lembra Paulino, da dupla com Di Paullo.
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Nas ondas do rádio
29 de setembro de 2013 (domingo)
As transformações com o tempo não mudaram apenas o comportamento dos artistas na maneira de se vestir ou de cortar o cabelo e a letra das músicas. As rádios também sofreram alterações. Anteriormente, segundo o locutor da rádio Terra FM, Lázaro Santos, conhecido como o caubói da poeira, a programação das emissoras atendia ao gosto musical do ouvinte. “Agora o cenário é outro e não se pode negar. Nada daquela história do pai de alguém ligar aqui pedindo uma canção, hoje é preciso investir, senão vai voltar a comer ovo cru novamente”, brinca.
Com mais de 30 anos de carreira, Lázaro Santos afirma que muitos ouvintes acompanham as rádios porque têm certa identificação com o locutor e por causa dos prêmios que são sorteados durante a programação. “Aí ele engole todo tipo de artista. Pela música, ele ligaria a vitrola e escutaria Waldick Soriano. No meu programa, numa menor quantidade, ainda rodamos 60 Dias Apaixonado, Telefone Mudo, Saudade da Minha Terra e Amor de Primavera. No entanto, o movimento atual é mais universitário e arrocha”, confirma.