Os bastidores da mudança

Uma longa pesquisa que se iniciou no mestrado, desenvolveu-se no doutorado em História na UFG e que agora chega ao público na forma do livro A Invenção de Goiânia – O Outro Lado da Mudança. Este foi o itinerário do promotor de justiça Jales Guedes Coelho Mendonça, autor da obra que será lançada hoje, às 18 horas, na Livraria Nobel, 1º piso do Shopping Bougainville.

O trabalho é um dos mais interessantes já realizados sobre os detalhes da transferência da capital de Goiás da antiga Vila Boa para a novíssima Goiânia, em 1933, idealizada e concretizada pelo então interventor do Estado, Pedro Ludovico Teixeira. O relato mostra o ambiente político que possibilitou a mudança da sede do poder, mas, para além disso, revela que, caso apenas os critérios estritamente técnicos tivessem sido observados, Goiânia não teria sido erguida onde foi.

Com farta documentação e registros históricos, Jales relata os artifícios criados para fazer da área próxima à pequena cidade de Campinas o lugar onde Goiânia brotaria do nada. “Pedro Ludovico queria uma cidade neutra, onde seu poder não fosse contestado.” Para escolher o lugar onde seria construída a nova capital, foi criada uma comissão que, tecnicamente, apontaria o sítio mais adequado para as obras.

A pesquisa de Jales, porém, joga essa versão por terra. A escolha do lugar onde o sonho de Goiânia se tornaria uma realidade foi uma opção política. Um relatório, de janeiro de 1933, aponta Bomfim, atual cidade de Silvânia, como o ponto perfeito para a nova capital dada sua localização estratégica, ser bem servida de água e contar com os trilhos da estrada de ferro, algo que Campinas não possuía à época.

“Pedro Ludovico interveio para vetar esse relatório”, diz Jales. Os argumentos em prol de Bomfim foram simplesmente ignorados. Reforçando este documento, alguns dos membros da comissão desaconselhavam as imediações de Campinas por uma série de razões, incluindo a insuficiência de nascentes para abastecer de água a cidade quando esta crescesse.

O grande empecilho para que Pedro Ludovico aceitasse o relatório pró-Bomfim, porém, usava batina e atendia pelo nome de dom Emanuel de Oliveira, arcebispo de Goiás. Ele tinha enorme influência na atual Silvânia, chegando a transferir para lá a sede episcopal do Estado, tendo feito ainda benfeitorias na cidade. A decisão de Pedro Ludovico e suas motivações indispuseram o interventor com o religioso, criando um mal-estar que teve reflexos na própria construção de Goiânia.

Dom Emanuel não rezou a missa inaugural da nova capital, em 1933. Como resposta, Pedro Ludovico não exigiu do urbanista Attílio Correa Lima que a catedral fosse prevista para a Praça Cívica, algo que era praxe naqueles tempos. Ela foi desenhada para a Praça do Cruzeiro, mais acima, onde nunca chegou a ser construída. Em compensação, o templo católico que foi erguido nas proximidades do centro do poder tem um detalhe revelador: ele está praticamente de costas para o Palácio das Esmeraldas. E até o terreno da Igreja que dava acesso à Praça Cívica, onde chegou a ser construída uma pequena capela, acabou vendido posteriormente.

Pedro Ludovico e dom Emanuel fizeram as pazes algum tempo depois, mas a história registrou esse entrevero. Quer dizer, registrou em parte. O tal relatório contra o local onde Goiânia foi construída sumiu.

O parecer chegou a ser publicado em um jornal oposicionista da época, A Colligação, do deputado Domingos Velasco, mas o barulho em torno do assunto ficou por isso mesmo. O relatório foi até registrado num cartório carioca. “Estive no Rio de Janeiro para conseguir uma cópia do documento, mas na época eles não faziam duplicatas dos registros feitos. A única cópia ficou com quem registrou o relatório e não no cartório”, relata Jales.

Do que se pode ler no jornal, tratava-se de uma argumentação bem elaborada. Contra os arredores de Campinas para construir Goiânia pesavam, por exemplo, o custo das obras necessárias para a adaptação do lugar e um isolamento que só viria a ser superado muito tempo depois, quando a estrada de ferro alcançou a capital e rodovias foram abertas, principalmente após a construção de Brasília.

Fotos

O livro traz muitas outras informações interessantes e fotos históricas, várias delas inéditas. Dois cadernos de imagem ao longo do volume mostram personagens muitas vezes esquecidos ou não devidamente lembrados que foram fundamentais na política goiana no século passado.

Duas fotos, colocadas lado a lado, merecem destaque. Uma traz o último gabinete estadual antes da Revolução de 1930, que derrubou a dinastia Caiado do poder e alçou Pedro Ludovico ao cargo de interventor, indicado por Getúlio Vargas. A imagem, de 1929, traz, por exemplo, Jalles Machado de Siqueira, pai do ex-governador Otávio Lage e que era secretário da administração de Alfredo Lopes de Moraes. Na outra, Pedro Ludovico, já em seu cargo, posa ao lado, entre outros, de Emílio Póvoa (figura central do tabuleiro político da época), Mário Caiado (espécie de dissidente do clã que mandava no Estado até então) e Antônio Perillo, um tio distante do governador Marconi Perillo.

A edição tem ainda fotos praticamente desconhecidas da imensa maioria dos goianos, ainda que elas ajudem a explicar a história do Estado. Goiânia, em seus primórdios, surge de ângulos diferentes, como na foto tirada da Praça Cívica a partir da sacada do Palácio das Esmeraldas, mostrando um centro de poder de rara beleza bucólica.

Em outra, carros de boi dividem espaço com automóveis já nos anos 1930, mostrando que a nova capital, desde o início, tinha vocação para o progresso. Em foto de 1915, a famosa Pedra Goiana ganha outro nome esculpido numa placa bem discreta, mas onde é possível ler “Goyania”. Outra imagem inusitada é a de uma sessão do Tribunal de Justiça no final dos anos 1920, ainda na cidade de Goiás, em que a foto oficial colocada na sala não é a de um presidente da República e sim do imperador dom Pedro II.

Lançamento do livro: A Invenção de Goiânia – O Outro Lado da Mudança, de Jales Guedes Coelho Mendonça

Data: Hoje, às 18 horas

Local: Livraria Nobel (1º piso do Shopping Bougainville – Rua 9, Setor Marista)