Longa jornada

Será lançado hoje Seara de Asclépio, livro sobre a história da Medicina, obra que contou com a colaboração de mais de 50 profissionais da área em sua realização

 

 

Médico Joffre Marcondes de Rezende é o idealizador da obra Seara de Asclépio
Um projeto acalentado há quase duas décadas, 50 autores, 40 capítulos, autores de várias partes do Brasil. Tudo o que cerca a produção do livro Seara de Asclépio – Uma Visão Diacrônica da Medicina, que será lançado hoje, às 20h30, na Faculdade de Medicina da UFG, é superlativo. A começar pelo nome de seu idealizador, o gastroenterologista Joffre Marcondes de Rezende, um dos médicos mais respeitados de Goiás e que tem enorme prestígio também fora do Estado. Ele aglutinou forças para que este livro, um calhamaço de pura informação sobre a História da Medicina, de seus primórdios até os dias de hoje, se transformasse em realidade. Auxiliado pelos colegas de jaleco Vardeli Alves, diretor da Faculdade de Medicina da UFG, e Gil Perini, também um escritor de talento, Joffre pediu e recebeu textos de profissionais que atuam em Goiás e grandes centros, como USP e Unicamp, para montar esse amplo panorama da área.
Publicado pela Editora da UFG com uma tiragem relativamente grande para obras do gênero e deste porte – 1.700 exemplares –, Seara de Asclépio trata das mais diversas especialidades, com o olhar voltado para os estudantes e professores dos cursos médicos, que muitas vezes não contam com suportes bibliográficos suficientes para falar do tema. A obra chega sob a chancela de nomes de peso na Medicina goiana. Joffre Rezende é formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e atua em Goiânia desde 1954. Um dos fundadores da Faculdade de Medicina da UFG, ele foi professor de Clínica Médica na unidade, sendo também seu vice-diretor. Fundador do Centro de Gastroenterologia de Goiânia, é autor de um livro de muito sucesso entre seus pares, Linguagem Médica. Publicou ainda À Sombra do Plátano: Crônicas da História da Medicina e traduziu Os Aforismo de Hipócrates.
Professor emérito da UFG, Joffre é um dos poucos médicos a receberem o título de Professor Honoris Causa da Universidade de Brasília (UnB) por sua contribuição em várias áreas. Uma delas foi descobrir danos que a doença de Chagas poderia causar ao esôfago. Ele também editou a Revista Goiana de Medicina por 35 anos. Vardeli Alves de Moraes, por sua vez, é ginecologista e obstetra e também tem grande envolvimento com a questão do ensino da Medicina. Já foi coordenador do curso na UFG e esteve com Joffre Rezende desde o começo para tornar o livro Seara de Asclépio uma realidade. Gil Perini entrou um pouco depois no projeto, ajudando os amigos a viabilizar, organizar e editar os textos. Autor do ótimo volume de contos O Pequeno Livro do Cerrado, Gil, que é cardiologista, escreveu crônicas para o POPULAR durante muitos anos, muitas delas reunidas no livro O Afinador de Passarinhos.
Lançamento do livro: Seara de Asclépio – Uma Visão Diacrônica da Medicina
Organizadores: Joffre Marcondes de Rezende, Vardeli Alves de Moraes e Gil Perini
Data: Hoje, às 20h30
Local: Teatro Asklépios (Faculdade de Medicina da UFG) – Rua 235, Setor Universitário
Entrevista/Joffre Marcondes de Rezende
“Não podemos perder de vista o verdadeiro sentido da Medicina”
Aos 92 anos de idade, o gastroenterologia Joffre Marcondes Rezende é um dos pilares da medicina em Goiás. Respeitado pelos colegas, a maior parte deles seus ex-alunos da Faculdade de Medicina da UFG, ele construiu uma das carreiras mais sólidas na área no Estado, onde começou a trabalhar quase 60 anos atrás. Nesta entrevista, ele fala deste seu mais recente trabalho, que começou a idealizar há quase duas décadas, e diz como encara sua profissão e quais são os compromissos que o bom médico nunca deve se esquecer que tem para com seus pacientes.
19 de dezembro de 2013 (quinta-feira)
Qual foi sua principal motivação para organizar este livro?
A motivação para a organização deste livro decorreu da escassez de fontes bibliográficas em língua portuguesa que pudessem ser utilizadas nos cursos de História da Medicina oferecidos em muitas escolas médicas. Os raros livros existentes achavam-se esgotados e as poucas traduções de livros escritos em outros idiomas deixavam muito a desejar. Quando, em 1988, foi criada a disciplina História da Medicina em nossa Faculdade (UFG), elaboramos uma apostila com textos resumidos para uso dos alunos. Essa apostila, com a colaboração de outros professores, foi ampliada e impressa como um pequeno livro para uso exclusivo em nosso curso. Estando esgotada a primeira edição, propusemos ao professor Vardeli Alves editar em seu lugar um livro mais completo, abrangente, com a participação de vários autores, todos interessados e estudiosos da História da Medicina.
Trata-se de um livro bastante extenso, com a colaboração de muitos profissionais. Como foi reunir tanta gente em torno desse projeto?
A Historia da Medicina abrange um longo período de tempo em sua evolução, porém somente a partir do século 19 a medicina desenvolveu-se cientificamente, tornando-se complexa em virtude de novas descobertas e da incorporação de tecnologia nos métodos de diagnóstico e no tratamento das doenças. A medicina fragmentou-se em especialidades e cada uma delas passou a ter sua própria história. Essa é a razão do grande número de participantes do projeto. Exemplificando, o capítulo sobre métodos de obtenção de imagens foi escrito por um radiologista; o capítulo sobre câncer por um oncologista, as conquistas da cirurgia por um cirurgião e assim por diante. Temas gerais relevantes foram distribuídos de acordo com a preferência de cada autor.
Houve alguma dificuldade maior para a realização da iniciativa? Algum obstáculo foi mais complicado de superar?
A única dificuldade que tivemos foi a de conseguir os trabalhos nos prazos estipulados. Em consequência, houve um atraso de alguns meses no preparo dos originais.
Como o senhor orientou esse trabalho, na distribuição de suas partes?
O livro Seara de Asclépio foi projetado em quatro seções: a primeira sobre a medicina na antiguidade em ordem cronológica até o século 18; a segunda parte sobre as grandes conquistas científicas e tecnológicas da medicina a partir do século 19, a terceira de temas relevantes em conexão com a medicina e a quarta sobre a medicina no Brasil.
O livro pode interessar também o público leigo?
O livro direciona-se aos alunos de História da Medicina atualmente ministrados em várias faculdades, não apenas aos estudantes do curso médico, mas aberto aos alunos dos demais cursos da universidade e às pessoas que se interessarem pelo assunto.
Esse é um projeto que o senhor acalentava já há algum tempo?
A ideia desse livro data de 1996, compartilhada pelo professor Ulysses Meneguelli, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP. Somente agora, decorridos 17 anos, tivemos condições de levar a termo o antigo projeto, em associação com o professor Vardeli Alves de Moraes, diretor da Faculdade de Medicina, e do professor e escritor Gil Perini.
A medicina costuma ser vista com certo temor por quem não é da área, como um terreno um tanto misterioso, exclusivo para iniciados. A história da medicina tem episódios que justificam esse temor ou ele foi sendo criado por falta de informação e lendas sem respaldo?
Sim, o temor a que se refere existe realmente. A meu ver, é uma reminiscência atávica da medicina empírica do passado. Durante mais de 2 mil anos, a teoria dos quatro humores da escola hipocrática foi a base da conduta médica no tratamento das doenças e consistia principalmente na prática da sangria, aplicação de sanguessugas e administração de purgativos e eméticos. As intervenções cirúrgicas eram feitas sem anestesia e mesmo as mais simples eram seguidas de infecção com alta mortalidade. As doenças infecciosas que hoje são prevenidas com vacinas específicas eram causa comum de óbito. Os hospitais eram vistos como antecâmara da morte. O pavor da doença e da morte estendeu-se inconscientemente à profissão médica.
Podemos dizer que o livro expressa sua visão da medicina, o que significa para o senhor exercê-la?
Minha visão da medicina é que nos últimos anos ela se tornou mais técnica e menos humana. No discurso de paraninfo que proferi em 1996, assim me expressei: “O progresso tecnológico a serviço da medicina está mudando o comportamento do médico. Não podemos perder de vista o verdadeiro sentido da medicina. Lidamos com seres humanos e não com máquinas biológicas. Tratamos não só do corpo, como do espírito de pessoas que sofrem, que estão apreensivas ou temerosas, e que necessitam de compreensão e simpatia. É preciso não esquecer que o exame clínico continua sendo a pedra fundamental da prática médica e que, sem ele, torna-se difícil até mesmo a seleção dos exames a serem solicitados e a interpretação crítica dos mesmos. Acresce ressaltar que é através do exame clínico, representado pela anamnese e exame físico, que se dá a aproximação do enfermo com o seu médico e que se estabelece a relação médico-paciente, tão necessária e fundamental para o êxito do tratamento”.
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Saiba mais
19 de dezembro de 2013 (quinta-feira)
■ Teoria dos quatro humores ou teoria humoral
Ela acreditava que a saúde do corpo e, portanto, a vida se mantinha pelo equilíbrio de quatro substâncias do organismo: o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra. O sangue procederia do coração, a fleuma do sistema respiratório, a bílis amarela do fígado e a bílis negra do baço.
■ Anamnese
É a espécie de entrevista que o médico submete seu paciente para saber mais sobre sintomas, desconfortos, histórico de doenças do indivíduo e de sua família, dados sobre possíveis cirurgias anteriores, etc.

Fonte: O Popular