Livro, esse meu amigo

Sáb, 29 de Março de 2014 09:16
Murillo Soares Editoria de educação
Graças ao escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, no dia 2 de abril comemora-se o Dia Internacional do Livro Infantil, data de seu nascimento. A homenagem se deve ao fato de ele estar por trás de contos conhecidos até hoje, como O Patinho Feio, A Pequena Sereia e O Soldadinho de Chumbo.


A data é comemorada em mais de 60 países e é vista como um uma forma de incentivar e despertar nas crianças o gosto e o hábito da leitura. “A infância tem direito ao acesso a todo tipo de bens culturais e o livro é um deles”, ressalta a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Diane Valdez.


Das histórias dos Irmãos Grimm, passando por Crepúsculo e Harry Potter, chegando às prateleiras de livros adultos, a leitura é importante sobretudo nos primeiros anos de vida da criança. Histórias infantis, geralmente, trazem valores morais e éticos, que levam quem as lê a repensar seu cotidiano.


E, segundo o escritor, filósofo e linguista Humberto Eco, a literatura infantil traz sentido aos fatos que acontecem na vida e envolvem as crianças. “Elas também incitam a buscar um ponto de vista e uma opinião sobre um determinado assunto”, afirma a professora Orlinda Carrijo Melo, também da UFG.


A docente defende que essas narrativas também buscam incentivar a resolução de problemas e situações do dia a dia da garotada. “É através dessas histórias que a criança forma seu imaginário”, salienta.


“O livro pode desempenhar o papel de divertir, informar, incentivar a criatividade, aguçar a curiosidade, alimentar a imaginação, sensibilizar, humanizar e de proporcionar alegria”, afirma Diane. Ela, no entanto, não acredita que o livro seja um instrumento redentor. “Ele não tem o poder de transformar ninguém”, alerta.

Acesso
A professora Orlinda pontua que o acesso ao livro é primordial para que a criança crie afinidade com a obra. Segundo ela, as escolas devem incentivar a posse do livro ao aluno e também facilitar as burocracias entre os dois.


Diane concorda com esse ponto de vista e diz que facilitar o contato da criança com as narrativas é uma estratégia. Ela explica que isso pode ser feito através de várias atividades: “contar histórias, projetos criativos para explorar as obras, troca de livros, incentivar a criança a levar livros para casa, onde pode-se criar momentos de leitura em casa, incentivá-las a criar uma biblioteca”. A professora sugere, também, a moldar um ambiente de descontração.


E é isso que a professora Sônia Santana da Costa, que leciona no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae) da UFG tenta aplicar com seus alunos. Por meio de brincadeiras, ela busca sempre trabalhar o lado lúdico em sala de aula, sobretudo com leitura.


Um dos projetos da instituição trabalha a questão de facilitar e incentivar o acesso das crianças aos livros. “Temos duas bibliotecas aqui, mas as obras não chegam aos estudantes de qualquer jeito”, diz.


Ela explica que utiliza um vídeo de uma garota que não gosta de ler, mas depois aprende o prazer desta atividade e acaba montando uma grande coleção. Depois, a professora incentiva os alunos a escreverem uma carta à personagem, pedindo alguns livros emprestados.


Uma resposta chega e, tempos depois, um embrulho que teria vindo pelos correios. As obras vão para as casas dos alunos e a docente pede para que leiam com sua família e, depois, os estudantes contem suas histórias para os colegas de sala. “Deve-se trabalhar o prazer e o amor pela leitura”, alerta.

Métodos de incentivo
Orlinda, Diane e Sônia defendem que o livro deve ser algo que faça parte do dia a dia da criança. “É legal ter um dia dedicado ao livro infantil. Contudo, falar sobre ele e praticar a leitura devem ser atos contínuos, não precisam se ater às datas”, afirma Diane. “Não pode ser uma data-estanque, senão perde o sentido”, acrescenta Sônia.


Para Diane, muito além da escola e da família, devem ser criados espaços alternativos e atrativos que chamem a atenção dos alunos e os incentivem a ter contato com os livros. “São métodos como a criação de programas de leitura em bibliotecas públicas - fixas e móveis - em diferentes lugares, ou facilitar o acesso das crianças a lugares onde ela possa ter o direito de ler, manuesear, olhar, folhear e abraçar livros”, acrescenta.


Sônia e Orlinda vão um pouco mais além e sugerem que políticas públicas devem ser criadas para que a escola ultrapasse os limites de seus portões e atinjam a comunidade. “Deve-se incentivar o acesso universal à leitura”, frisa Orlinda. Segundo a professora do Cepae, as pessoas deve entender o porquê de ler.


E essas propostas, para ela, não devem ser a nível apenas de escola, e sim de governo. “Nós ainda não temos uma proposta política bem estruturada, no sentido de oferecer o máximo acesso e prazer ao livro”, aponta.

Literatura nas aulas de Arte

Em sua pesquisa de mestrado, Fernanda Maria Macahiba Massa­gardi, aluna da Faculdade de Educa­ção da Universidade de Campinas (Unicamp), defende, dentre outras medidas, que a literatura deve ser trabalhada como uma disciplina de Artes, não de Língua Portuguesa.


Segundo ela, restringir os livros à gramática é reduzir um campo infinito de saber e criatividade a algo mecânico. Essa tese complementa o pensamento da professora Orlinda, que defende que as páginas de um livro devem trazer diversão à criança, não como um compromisso ou imposição.

Versão brasileira

Não é só lá fora que o livro infantil tem um dia inteiro dedicado a ele. Aqui no Brasil, a data é comemorada pouco tempo depois, no dia 18 de abril. Neste mesmo dia, comemora-se, também, o aniversário de um dos pioneiros da literatura infantil: Monteiro Lobato.


E essa coincidência não é por acaso. Em 2002, criou-se a Lei Federal nº 2.402/02, que registrou o nascimento do autor como data oficial da literatura infantojuvenil aqui nas terras tupiniquins.


Lobato foi percussor neste tipo de publicações e ganhou destaque, sobretudo, pela coleção O Sítio do Picapau Amarelo. Ao todo, o conjunto soma mais de 30 obras. Quando as obras do escritor começaram a ser publicadas, no início do século 21, não existiam contos sobre lendas e tradições brasileiras.


Os livros da época tratavam de temas ligados à moralidade, tendo como base as tradições europeias. Tanto que o primeiro livro infantil brasileiro foi uma coletânea de contos de Perrault, Andersen e Grimm.


Baseando-se nos educadores da época, Lobato tentou rever esse cenário, escrevendo com o intuito de educar. E, por ser bastante nacionalista, ele também inseria elementos tipicamente brasileiros nos livros, especialmente ligados ao folclore.

Influências
O escritor recebeu influências diretas de outros elementos do imaginário infantil. Há traços notórios de fabulistas clássicos, como Esopo, mas também pinceladas dos desenhos animados Popeye e O Gato Félix, além dos personagens de outros “mundos” que visitavam o Sítio do Picapau Amarelo, como Peter Pan, por exemplo.


Alguns outros clássicos da literatura infantil aparecem explicitamente citados nas obras de Monteiro Lobato. Há Lewis Carroll (autor de Alice no País das Maravilhas), Carlo Collodi (criador de Pinóquio), L. Frank Baum (autor de O Mágico de oz) e J. M. Barrie (autor das histórias de Peter Pan).

Professores são o ponto de partida

De acordo com a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, de 2011, cujo objetivo é medir intensidade, forma, motivação e condições de leitura da população brasileira, os professores foram os principais agentes de influência em 45% dos leitores ouvidos.


O educador está em primeiro lugar nessa lista, motivando mais que mães, pais e amigos. “O professor é o maior formador de leitores”, afirma a professora Orlinda Carrijo de Melo, que não se mostra surpresa com os números da pesquisa.
Segundo ela, além da importância como incentivador da leitura, o professor faz parte do processo de formação da criança. “Este profissional é um elo entre o imaginário e o real, na infância”.


Orlinda também destaca que os educadores devem dar autonomia às crianças, para que elas trabalhem sua liberdade. E acrescenta que o livro infantil deve ser trabalhado, nas salas de aula, fora do conteúdo programático. Para ela, a criança deve ver a leitura da escola como algo prazeroso, não como uma obrigação. “A literatura infantil não é conteúdo, é prazer; é devaneio”, ressalta.
A professora Sônia, do Cepae da UFG, no entanto, acrescenta que é importante que o aluno saiba dialogar com qualquer tipo de texto, seja ele literatura infantil, uma reportagem ou um gibi.


De acordo com ela, isso depende de como o professor trabalha seu material. “É importante que a criança saiba dialogar e discutir com a leitura”, explica. O professor deve saber cativar seus ouvintes para que eles acabem se interessando pela leitura em geral.


 E, para isso, de acordo com Diane, ele também deve ser um leitor. “Assim, este profissional dominará e conduzirá a melhor metodologia para incentivar seus alunos”, arremata.

Fonte: Tribuna do Planalto