Católico e informante da polícia, ele derrubou socialismo na Polônia

10 de agosto de 2014

 

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Católico, eletricista no estaleiro de Gdansk, Polônia, ele tinha seis filhos, colaborou ocasionalmente com a polícia política, liderou greves em 1970, 1978 e fundou o Solidariedade, em 1980, que chegou a ter 10 milhões de filiados. Essa é a sinopse de “Walesa”, direção de Andrzej Wajda, em cartaz no Cine Cultura

 

O Solidarnosc, Solidariedade em polonês, com a bênção do Papa Karol Woytila, rebatizado João Paulo II, enfrentou a nomenklatura comunista, abriu uma fenda na cortina de ferro e contribuiu, sobremaneira, para derrubar o socialismo realmente existente no Leste europeu, nos turbulentos anos de 1989 a 1991.

 

Nascido em Popowo, Polônia, no dia 29 de setembro do ano de 1943, Lech Walesa era filho de um carpinteiro. Mais foi mecânico de carros de 1961 a 1965. Ele teria servido no exército durante dois anos e, em 1967, acabou empregado como eletricista. Dois anos depois, casou-se com Danuta Golos e teve seis filhos.

 

Membro de comissões de fábrica, líder operário em Gdansk, chegou a ser demitido e readmitido pela burocracia comunista, estimulou a criação dos KORs, comitês de defesa dos trabalhadores, e até recebeu o prêmio Nobel da Paz, no ano de 1983, em cuja solenidade participou a sua bela mulher, Danuta Golos.

 

Após a efervescência de 1979 e 1980, na madrugada fria de 13 de dezembro de 1981, é decretada pelo general Wojciech Jaruzelski, aliado de Moscou e de Leonid Brejnev, chefe de Estado da URSS, a Lei Marcial. O Solicariedade caiu na ilegalidade e o movimento ficou debilitado. Lech Walesa foi preso de novo. 

 

O Sindicato Solidariedade saiu da clandestinidade após negociações com o Estado Socialista nos anos de 1988 e 1989. Um efeito da liberalização que vinha da URSS, com o reformismo da Perestroika e da Glasnost, promovidas pelo ex-agente da KGB, a polícia política soviética, Mikhail Gorbatchev.

 

É o que informa ao Diário da Manhã, Guilherme Brito (GO), historiador e jornalista, estudioso dos totalitarismos. Em 9 de novembro de 1990, Lech Walesa é eleito presidente e é empossado em 22 de dezembro do mesmo ano. Em 1995, quando tentava a reeleição, sofreu derrota por apenas três pontos porcentuais.

 

O fundador do Solidarnosc governou o país entre 1990 e 1995. Na vaga neoliberal pós-socialismo, adotou medidas liberais para desmontar o Estado do bem-estar social do país e amargou fragorosa derrota política e eleitoral nas eleições do ano 2000: não conseguiu ir além de 1% dos votos na Polônia. Ele é vivo ainda.

 

Análise

Historiador da Universidade Federal Fluminense (UFF), o doutor Daniel Aarão Reis Filho, especialista em socialismos, esquerdas revolucionárias e modernidades alternativas dos séculos 20 e 21, diz, com exclusividade ao Diário da Manhã, que Lech Walesa entrará na história como uma ‘figura ambivalente’.

 

Líder operário, corajoso militante, em luta contra a ditadura política dos comunistas poloneses, observa. Ao mesmo tempo, católico fervoroso, conservador, do ponto de vista dos costumes, registra. “Eleito presidente, foi partidário de políticas de abertura inconsiderada ao capitalismo triunfante”.

 

  •          Um regime que nunca poderia ser considerado amigo dos trabalhadores.

 

Crítico, o professor Daniel Aarão Reis Filho lembra que, mesmo quando lutava pelos trabalhadores, em certo momento, pressionado, com medo, Lech Walesa foi informante ocasional da polícia política, da qual se afastou depois. Um feixe de contradições, aberto a diversas interpretações, destaca.

 

  •          Em qualquer coisa, uma figura incontornável na história contemporânea da Polônia, afirma ele.

 

Outro lado

 

Como contraponto, o jornalista e editor do site especializado em política internacional sob olhares altermundialistas www.operamundi.uol.com.br, Breno Altman (SP), alfineta o ex-líder operário. Lech Walesa entrará para a história secular como um verdadeiro estelionatário político, ataca, sem piedade.

 

“Veio à cena supostamente defendendo direitos para os trabalhadores poloneses, mas se transformou em um pião dos EUA e da Igreja Católica para desmontar o regime socialista, impor um modelo amigável aos grandes capitais e deletar conquistas importantes das camadas populares”, analisa o velho esquerdista.

 

Pós-queda do Muro de Berlim, ocorrido em 9 de novembro de 1989, na Alemanha Oriental(República Democrática da Alemanha),  ele frisa que atribue ao seu favor, a construção de um regime democrático de padrão ocidental.“Mas que se revela profundamente capturado pelo poder das corporações e pela corrupção”, atira.

 

  •          Em todos os níveis.

 

Críticas

Último comandante militar da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização de luta armada fundada em 1967 pelo carbonário baiano, filho de um italiano e de uma negra Haussá, Carlos Marighella, o músico Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (RJ), codinome Clemente, o define como um “traidor da causa operária”.

 

O professor de História da rede particular de ensino em Goiás, Reinaldo Pantaleão, de linha socialista de esquerda, recorda-se que Lech Walesa surge como grande líder sindical. Apesar de sua origem, virou presidente, com ajuda da Igreja Católica, e do então papa Karol Józef Wojty, com agenda liberal

 

Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), o doutor em Educação Humberto Clímaco, dirigente de O Trabalho, seção brasileira da Quarta Internacional, a central mundial da revolução fundada em 1938 por Liev Davidovich Bronstein, codinome Leon Trotsky, líder da revolução russa de 1917, é taxativo:

 

  •          A importância histórica do Solidarnosk, ou Solidariedade, do qual Lech Walesa foi fundador e dirigente, é que ele foi um movimento que mostrou um alto grau de experiência dos trabalhadores com a burocracia soviética e dos partidos comunistas do Leste Europeu. Dos países da “Cortina de Ferro”.

 

Depois, as suas posições políticas e ideológicas mudaram, explica o líder socialista de linhagem petista. Lech Walesa acabou negando seu legado mais importante, que foi a afirmação da independência dos trabalhadores, dispara. Humberto Clímaco é da tradição dos que atacam a burocracia dos países socialistas.

 

Três povos

 

O professor de Direito Henrique Lemos (GO) lembra que, na década de 1980 do século passado, os três povos que mais lutaram contra seus regimes foram o brasileiro, o sul-africano e o polonês. “Derrubados os regimes opressores, os líderes de oposição de cada um desses países chegaram ao poder”, relata.

 

Nelson Mandela, na África do Sul, assim como Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, tiveram o sucesso tanto como lideres oposicionistas quanto como dirigentes de Estado, conta. Em que pese críticas a serem feitas a seus governos, esclarece. De outra banda, o líder polonês, que se mostrou um portador dos anseios dos trabalhadores poloneses, se tornou um governante pífio, diz.

 

Estudioso do movimento comunista internacional [MCI], Henrique Lemos, também de linhagem socialista e verniz trotskysta, acredita que o operário Lech Walesa não compreendeu os ‘dilemas de seu tempo’. Após seu fraco governo se tornou um bufão, jactante de seu passado de glórias, registra.

 

  •          Um personagem digno de nota. Pois entrou pra luta de classes e perdeu, ou melhor, não se encontrou.

 

O historiador e especialista em regimes autoritários Marcantonio Dela Côrte (GO), que preside, hoje, a Associação dos Anistiados à época da ditadura civil e militar no Brasil e integra a Comissão Estadual da Verdade, Memória e Justiça, observa que a história de Lech Walesa parece contraditória, ‘mas não é’.

 

Líder trabalhista polonês, fundador do sindicato Solidariedade, prêmio Nobel da Paz em 1983 e, após o fim da União Soviética e o consequente desmonte do socialismo real no Leste europeu, foi eleito presidente da Polônia (1990-95), diz. O seu embate contra o dito “socialismo” lhe deu projeção mundial, frisa

 

  •          Sob a lógica Guerra Fria, a mídia internacional dava um espaço diário ao que se passava na Polônia.

 

À época, a CIA (Central de Inteligência dos Estados Unidos)agia eficazmente em qualquer lugar do mundo no sentido de derrotar a URSS, insiste. A sua chegada ao poder com a sua eleição a presidente da Polônia (1990), se deve ao apoio popular que tinha, à religião católica e a fragmentação da URSS, aponta.

 

No poder, Lech Walesa fez um governo que não agradou parte da sociedade polonesa, o que o desgastou enormemente levando-o a perder duas eleições presidenciais. A última, em 2000, o aposentou definitivamente como político, dado a inexpressividade dos votos que teve. Registro: teve apenas 1% dos votos válidos.

 

Lech Walesa, podemos salientar, teria sido o primeiro trabalhador, proletário, que chegou a comandar um país com uma economia que se abria ao capitalismo, negando fundamentos teóricos que viam nos trabalhadores como o único agente revolucionário que levaria a humanidade rumo ao socialismo, fuzila.

 

Serviço

 

Filme: Walesa

 

Gênero: Cinebiografia

 

Direção: Andrzej Wajda

 

Duração: 127 minutos

 

Avaliação: Ótimo

 

Exibição: Cine Cultura

Fonte: Diário da Manhã

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