Filhos que cuidam dos pais

24 08 Filhos que cuidam dos pais

Data: 24 de agosto de 2014

Veículo: O Popular

 

Galtiery Rodrigues

Com o aumento na expectativa de vida, se torna mais comum inversão de papéis dentro das casas

 

André estava de viagem marcada e saiu cedo de casa, no dia 13 de agosto, uma quarta-feira, com uma sensação estranha, um sentimento de que algo iria acontecer. No táxi, a caminho do aeroporto, a intuição continuou a lhe preocupar. Dali a poucas horas, ele estaria no Rio de Janeiro, na presença de amigos que não via há bastante tempo, o que ajudou, até certo ponto, a distrair o pensamento aflito. No dia seguinte, no entanto, ocorreu o que ele tanto temia: o pai, Antônio Jarbas de Barros, de 91 anos, foi internado às pressas em Goiânia por causa da piora de uma pneumonia que havia contraído dois dias antes do filho viajar.

É André quem faz tudo em casa. Aos 46 anos, Filho caçula de uma família de quatro irmãos, ele vive com os pais desde 1998. É ele o responsável por cuidar, alimentar, dar banho, remédio, cortar cabelo, trocar a fralda geriátrica e, além de filho, “ser pai, irmão, marido e neto” da mãe, Maria José Barros, de 87 anos, diagnosticada há três anos com mal de Alzheimer e que, por causa da doença, chega a reconhecê-lo de diferentes formas. O bem-estar dos idosos é a prioridade de André Barros, chef de cozinha que adaptou a própria rotina para dar conta dos compromissos profissionais e não deixar de lado o seu amor maior, que são “os velhinhos”, como ele os chama carinhosamente.

A forte relação e a confiança alimentada à custa de muita paciência, disposição e cuidado são o que gera sentimentos e intuições como as que André sentiu antes de viajar. “Somos muito ligados. Eles são a minha paixão”, conta. Ele e os pais são exemplos de uma readequação do modelo de família, caracterizada pela inversão de papeis e que tende a ser cada vez mais recorrente, em razão da perspectiva de envelhecimento da população. Com o aumento de idosos, sobretudo daqueles acima dos 80, 90 anos, graças a uma expectativa de vida que se eleva a cada novo levantamento no País, entra em cena um processo natural em que os filhos passam a fazer as vezes de pais e responsáveis pela família.

Em 1980, as pessoas com mais de 60 anos correspondiam a 4,5% do total de habitantes de Goiás. Trinta anos depois, em 2010, esse porcentual mais que dobrou, subindo para 9,33%. Apesar de existirem diversas histórias de abandono e idosos deixados em asilos, sem a presença da família, o certo é os filhos participarem ativamente do cuidado dos pais. “Isso é essencial. Para um idoso que está perdendo a sua capacidade, é imprescindível esse acompanhamento. Contratar um cuidador não quer dizer que você está se livrando da responsabilidade”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia - Seção Goiás, Ricardo Borges.

André Barros não é adepto da contratação de cuidadores. Para ele, não tem a mesma equivalência afetiva, sem contar que existem determinadas coisas que os pais só fazem quando ele pede ou se dispõe a ajudar a fazer. Nem mesmo os irmãos conseguem convencê-los. Só André. “Quando ele está sem fome, eu levo algo para ele comer, e ele come. Quando ela está agressiva, só eu consigo acalmá-la”, exemplifica. Daí a preocupação que ele ficou no Rio de Janeiro quando soube que seu Antônio Jarbas havia se internado na quinta-feira e o voo de volta para Goiânia só seria no sábado. “Fiquei louco. Liguei para minha irmã na hora”, relata.

ADAPTAÇÃO

André chegou de viagem na noite de sábado e, no domingo cedo, foi ao hospital. O pai recebeu alta no dia 18, uma segunda-feira, voltou para casa e foi recebido com um forte abraço da companheira Maria José, com a qual está casado há 66 anos. O filho respirou aliviado e retornou, enfim, à rotina na companhia dos “velhinhos”. André se recorda com humor de todo o processo de adaptação vivido, no início, e de como as coisas estão mais fáceis hoje em dia. “Entrei em pânico. Você tinha de ver como foi o primeiro dia de colocar a fralda. Eu não sabia e quase botei em mim primeiro para testar. Fiquei desesperado”, conta. Talvez, um desespero semelhante ao que sentiu quando começou a suspeitar da doença da mãe.

Ao dizer para os irmãos que poderia ser Alzheimer, eles ficavam assustados e se negavam a acreditar nessa possibilidade. André sabia, porque convivia diariamente com a mãe, percebia a agressividade inicial e a mudança de comportamento. O diagnóstico do médico impôs uma necessidade imediata de adaptação. Por ser doença degenerativa, a piora é gradual.

Geriatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), Elisa Franco orienta os filhos que, em casos de doenças assim, é bom buscar orientação e se informar sobre os cuidados necessários. No caso de Alzheimer, a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz) desenvolve cursos e reuniões a respeito. André e a irmã fizeram isso.

Hoje, em retrospectiva rápida, ele avalia que uma das coisas que ele mais desenvolveu foi a paciência. “Encaro como um workshop de vida, porque faz a gente pensar, mudar hábitos, desacelerar um pouco, lidar com as limitações deles. Mexe bastante comigo, mas enquanto eles estiverem aqui, eu estarei aqui, sempre ao lado”, diz André.

Fonte: O Popular