Meu pedaço de chão

24 08 Meu pedaço de chão

Data: 24 de agosto de 2014

Veículo: O Popular

 

Moradores de antigas residências de Goiânia resistem em vender imóveis, preservando assim um patrimônio cada vez mais ameaçado na cidade

 

Rogério Borges

24 de agosto de 2014 (domingo)

 

Restam poucos, pouquíssimos. De acordo com levantamentos realizados pela Prefeitura de Goiânia, após exigência do Ministério Público para que o inventário fosse feito, e pelo escritório goiano do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – em parceria com UFG, PUC Goiás e UEG –, eles somam cerca de 150 em toda a cidade (ver infográfico nas páginas 4 e 5). Imóveis antigos da capital, que contam e testemunham sua história desde a fundação, passando por uma profícua fase modernista, que resistem ainda de pé. Por quanto tempo, ninguém sabe. “O ritmo de destruição deste patrimônio está muito acelerado, sobretudo nos últimos cinco anos”, alerta a arquiteta Beatriz Otto de Santana, coordenadora técnica do Iphan.

A ausência de uma política pública de preservação desses tesouros e a inexistência, por exemplo, de um conselho municipal ligado à área jogam a responsabilidade da preservação totalmente nas mãos dos donos das casas e dos prédios. Muitos deles, porém, já idosos, não têm condições de se manterem nos locais.

Quando os antigos proprietários desses imóveis morrem, os herdeiros, tentados por propostas robustas de compra dos terrenos – geralmente muito bem localizados –, acabam se desfazendo do bem. E lá vai mais uma casa histórica para o chão, destruindo um novo bocado de nossa memória. “É um patrimônio único que está sendo perdido”, afirma a também arquiteta do Iphan Dafne Marques, que está fazendo um doutorado pela USP cujo tema é a arquitetura modernista de Goiânia.

Alguns, entretanto, resistem, mesmo com toda sorte de dificuldades e pressões. O casal Pedro e Geralda Osório é um desses persistentes. “Cheguei a Goiânia vindo de Paracatu em 1935, casei-me com Geralda em 1939 e acabamos de construir esta casa em 1943. Casa que eu mesmo desenhei”, afirma o pioneiro.

Ao todo, o casal, que completa 75 anos de união em outubro, soma 201 anos de idade – um século para ele, um século e um ano para ela. Habitam a mesma residência, na Alameda dos Buritis, em frente à Assembleia Legislativa, há mais de 70 anos. “Isso aqui era tudo aberto, não tinha nada. O Pedro Ludovico, padrinho do nosso casamento, passava aqui no quintal de casa, a pé, quando ia visitar uma de suas irmãs”, recorda Pedro.

ORATÓRIO FAMILIAR

No tempo que imóveis ainda eram comprados com contos de réis, este casal escolheu o lugar onde passaria a vida e dele não pretende sair. “Eu aqui me sinto como numa igreja. Esta casa é o oratório de nossa família, onde cuidei dos meus filhos, dos meus netos, minhas pedras preciosas”, diz Geralda.

Morando em um lote com mil metros quadrados em uma das regiões mais nobres da capital, é claro que eles receberam propostas de compra da casa. “Enjeitei várias delas. Não vendi antes, não vendo agora”, avisa Pedro. Ao lado da casa, sete grandes torres foram erguidas. A antiga residência está ali, espremida pelo progresso, mas preservando suas histórias. “Isso aqui era um brejo”, conta o proprietário, apontando para o Bosque dos Buritis. “Tinha sapo, cobra.”

Fonte: O Popular