Segurança exige planejamento

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31 de agosto de 2014

Além do debate sobre efetivo e legislação, especialistas dizem que é preciso mudar modo de gestão.

 

Principal tema da eleição deste ano por conta da elevação das taxas de homicídios e outros crimes, o problema da insegurança, principalmente em Goiânia e no Entorno de Brasília, exigirá do próximo governador planejamento, investimentos e também a execução de ações integradas com outras áreas. Discutida pela maioria dos candidatos goianos através de propostas como aumento do efetivo policial e mudanças na legislação penal, a questão depende, segundo especialistas no assunto, de mudanças no modo de gestão.

Em um contexto de crescimento da maioria dos crimes no Estado, exceto furtos e roubos ao comércio, assim como ta da taxa de homicídios em Goiás, que em 2013 foi de 44,5 por 100 mil habitante s(a média nacional de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes é de 25,2), uma das principais medidas adotadas em Goiás foi a de aumento do efetivo da Polícia Militar.

Conforme o POPULAR mostrou em reportagem publicada ontem, o Estado ganhou cerca de 2,6 mil novos policiais, entre temporários e servidores de carreira, a maioria deles destinada ao patrulhamento das ruas de Goiânia. No entanto, a produtividade dos militares caiu 38,77% nos primeiros sete meses de 2014 e houve aumento nas ocorrências da maioria dos crimes no mesmo período.

Apesar de a relação do efetivo da PM por habitantes ter piorado nos últimos anos, passando de um policial para cada 293 pessoas na década de 1980 para 458 nos dias atuais, o cientista político Guaracy Mingardi, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, avalia que não há um número ideal.

Para ele, há questões mais importantes a serem observadas, a exemplo da distribuição do efetivo policial e a quantidade de polícia por metro quadrado e a sua distribuição geográfica, que deve ser planejada de acordo com as demandas de criminalidade de cada local. Segundo Guaracy, em todos os locais há regiões com menos policiais do que o necessário e outras com excesso de efetivo.

Geralmente, há mais policia nas regiões mais ricas e os crimes ocorrem nas mais pobres”, diz, citando o Entorno como um exemplo da ausência de efetivo.

INTELIGÊNCIA

Para a socióloga Dalva Borges, professora e coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência e da Criminalidade da Universidade Federal de Goiás (UFG), o aumento de efetivo é importante, mas não soluciona o problema. “Ajudaria muito se viesse acompanhado de políticas específicas de redução de homicídios.”

Dalva cita que as políticas passam por investimento em inteligência da Polícia Civil e em equipamentos. “Tem havido aumento das despesas com segurança pública, porém ele se concentra em pessoal e registrou-se uma redução enorme nos gastos com inteligência”, afirma Dalva.

Levantamento feito pela reportagem mostra que Goiás é um dos Estados que menos investem em segurança pública. Dados da execução orçamentária do governo apontam um investimento de R$ 2,60 per capita no setor. Estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina investem três vezes mais e o Rio de Janeiro investe o dobro.

Secretário estadual de Segurança Pública, Joaquim Mesquita questiona os dados. Ele defende que os gastos com segurança aumentaram muito ao longo dos últimos 25 anos e afirma que não há parâmetros para a comparação entre os Estados (leia na reportagem ao lado).

De acordo com dados da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), o Estado de Goiás concluiu, até 2012, apenas 8,35% dos inquéritos sobre homicídios instaurados até 31 de dezembro de 2007. Desses, 87% foram arquivados.

Os dados atualizados do Inqueritômetro, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), apontam 35% de cumprimento da meta de conclusão de inquéritos, sendo que, desses, 60% resultaram em denúncias. O resultado coloca Goiás no último lugar no ranking dos Estados.



Secretário contesta dado sobre investimento



O secretário estadual de Segurança Pública, Joaquim Mesquita, contesta os dados sobre o investimento aferidos pela reportagem a partir de dados coletados no portal da Transparência do governo estadual. Segundo ele, não há parâmetro de comparação entre os Estados porque o registro dos recursos dos gastos não é padronizado.

Em São Paulo, computam como investimento a compra de viaturas. Goiás, que aluga os veículos, registra como custeio”, explica.

Em contraponto, o secretário cita a evolução do gasto com segurança ao longo dos últimos 25 anos. Ele diz que Goiás saiu de 4,89% dos empenhos em relação à receita em 1989 para 9,63% no ano de 2013, com possibilidade de chegar a 12% este ano.

Sobre a redução do numero de policiais, o secretário observa que outras categorias também sofreram redução, assim como os policiais federais. “O Estado nem sempre consegue fazer contratações no tempo e na quantidade que a população cresce.” Ele argumenta também que de 2010 para cá houve um pequeno crescimento, na casa de 20%, e que o objetivo é chegar a 30 mil policiais militares em dez anos.

Ao comentar o índice de elucidação de crimes, Mesquita compara o resultado de Goiás com o do Rio de Janeiro, que concluiu 100% dos inquéritos, mas todos foram arquivados. “Goiás conclui um numero menor, mas o que resultou em denúncia foi mais de 60%.” Ele afirma que Goiás conta com todos os equipamentos necessários à investigação policial.



Socióloga afirma que é preciso integração



Não existe política de segurança pública bem sucedida que limite o problema à Secretaria de Segurança Pública”, afirma a advogada e socióloga Michele Cunha Franco, coordenadora em Goiânia da pesquisa do Centro de Estudo de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ela, é preciso integrar municípios, Estado e União em um único planejamento.

Se for considerada competência apenas do Estado é impossível planejar”, diz. E ela dá exemplos dessa integração. Na sua visão, caberia ao município não investir em guardas municipais, mas limpar os lotes baldios, iluminar as ruas, construir ambientes saudáveis na cidade. “O município tem de assumir um protagonismo maior no controle da criminalidade porque é no município que o corpo cai”, afirma a socióloga.

PREVENÇÃO

Para Michele, a solução da criminalidade não passa pelo aumento da repressão, mas da prevenção. “Não é investindo em polícia, mas em escola.” E isso exige também a integração de secretarias de Estado. “O problema do crack é mais de saúde pública do que de segurança pública”, exemplifica.

Para o cientista político Guaracy Mingardi, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cada localidade apresenta sua própria realidade e a solução passa pelo diagnóstico que subsidie políticas pontuais. “Não adianta achômetro. No Brasil, a segurança pública vive de ano eleitoral e crise. Aí, surgem as propostas como redução da maioridade penal, mas no dia a dia não se pensa em soluções”, critica.



Para especialistas, só mudar lei não resolve



A ideia de que o problema da segurança pública em Goiás é resultado da frouxidão da lei penal e do consumo e o tráfico de drogas é considerada simplista pela advogada e socióloga Michele Cunha Franco, coordenadora em Goiânia da pesquisa do Centro de Estudo de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Falar que mais de 70% dos crimes envolvem o usuário ou o traficante de droga cria um preconceito em relação à pessoa morta. Essa percepção do crime acaba por satanizar uma parcela da população que passa a ser responsável por todas as mazelas da sociedade”, diz a especialista.

Para a socióloga Dalva Borges, professora e coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência e da Criminalidade da Universidade Federal de Goiás (UFG), o tráfico de drogas responde por uma parte do aumento da criminalidade, uma vez que se dá no terreno da ilegalidade. “Sabemos que o comércio organizado das drogas é sistemicamente responsável pelo aumento dos homicídios quando é introduzido em uma comunidade qualquer”, afirma.

Quanto à legislação penal, Dalva argumenta que a política de encarceramento não tem apresentado resultados consistentes na diminuição da criminalidade. “De 2008 a 2012 a taxa de encarceramento cresceu 11,2% em Goiás e atingiu o patamar de 201,75 presos por 100 mil habitantes. Comparada com Estados como São Paulo ela é baixa, porém, tem crescido muito, sem que os crimes diminuam.” Segunda a professora, a impunidade ocorre devido à incapacidade do sistema de cumprir a lei, “mas não será aumentando as penas e criminalizando mais que o problema será resolvido”.

Fonte: O Popular

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