A sustentabilidade em Goiânia não foi além do discurso

Data: 22/09/2014

Fonte/Veículo: Jornal Opção

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Tomar um tema tão complexo — embora desafiador — como eixo de um programa de governo não seria necessário para ganhar a eleição. Mas além de nada avançar nesse ponto em quase dois anos depois da eleição, a gestão da capital regrediu no que era básico.

Elder Dias

Furar pneu nunca é uma situação agradável. Muito menos em um buraco no meio do asfalto em pleno mês de setembro, com quatro meses de estação seca e, portanto, tempo de sobra para operações tapa-buracos por toda a cidade — afinal, quem é que não xinga, mesmo que em pensamento, só de o carro pegar uma “panela” assim?

Chego até a borracharia para confirmar, com o veredicto do especialista, o que eu já sabia como leigo. “Ih, esse Michelin aí não presta mais”, diz seu Hélio, o dono da oficina, companheiro socorrista já de outros infortúnios pneumáticos. Relato a circunstância que ocasionou o acidente e a conversa acaba, nada forçosamente, tratando do mau cuidado das ruas da capital. Eu e seu Hélio concordamos que é incompreensível haver tanto buraco por aí sem que tenha tido chuva para criá-los. Chegamos a brincar sobre um ciclo natural de vida do buraco em Goiânia: ele nasce, cresce, se reproduz e todos juntos viram uma cratera. Dá para rir do chiste — até porque é melhor do que chorar pensando no custo do pneu que tinha mais uns 40 mil quilômetros de vida útil.

Enquanto as providências são tomadas com o estepe — “da próxima vez compre Michelin brasileiro, que é o bom, esse fabricado na Colômbia não vale muita coisa” —, o papo informal descamba para falar da cidade como um todo. Pegando a deixa dada pelo incidente, o borracheiro aproveita para fazer uma avaliação da cidade. “Moro aqui desde 1961 e nunca vi Goiânia desse jeito. Nem na época do Daniel Antônio.”

Daniel Antônio foi prefeito da capital entre 1986 e 1988, com uma interrupção no meio, de março de 1987 a outubro de 1988, quando a administração, sob acusações de corrupção, sofreu uma intervenção e ele foi substituído, nesse intervalo, pelo então vice-governador Joaquim Roriz. Assim, em meio a muita polêmica, Daniel Antônio ganhou o título de pior prefeito da cidade. Virou um referencial negativo em termos de gestão. Ser comparado a ele, portanto, não é nada positivo.

Ao contrário do que ocorreu naquela década de 80, a gestão de Paulo Garcia (PT) tinha tudo para ser positiva. O prefeito, que recebeu o cargo de Iris Rezende (PMDB), de quem era vice, em abril de 2010, fez uma administração satisfatória até o fim de seu primeiro mandato. Tanto é que foi vitorioso ainda em primeiro turno nas eleições de 2012.

Foi reeleito pela coligação Goiânia Cidade Sustentável, um conjunto de nove partidos puxados por PT e PMDB, com uma proposta de fazer do título da aliança mais do que apenas um nome eleitoral. O projeto era, no mínimo, audacioso — e, por isso, também atraente: fazer da capital goiana uma cidade referência no quesito sustentabilidade.

Um conceito bastante evoluído de cidade foi apresentado nas propagandas eleitorais, com imagens e exemplos trazidos de grandes metrópoles do mundo em programas bem produzidos, com cenários de bom gosto. A equipe encarregada do marketing conseguiu vender a ideia e até esclarecer ao eleitor médio o que significava realmente viver em uma cidade sustentável.

Da vitória da coligação até o buraco no meio da pista passaram-se quase dois anos. Quase metade do novo mandato já se foi. E o mesmo buraco é só um dos múltiplos sinais de que a coisa não andou como deveria.

O primeiro questionamento ao modo sustentável de administração ocorreu quando da polêmica sobre a revisão do Plano Diretor. A Pre­feitura bancou a mudança na lei, bastante controversa, e, sob críticas de entidades como a Universidade Federal de Goiás (UFG), o Ministério Público Estadual (MP-GO) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), aprovou medidas que afetaram principalmente a região norte de Goiânia — de onde eram os moradores que puxaram os protestos e onde está sendo erguido um megaempreendimento da empresa Hypermarcas — e os eixos de maior fluxo da capital. Ainda que pareceres de professores universitários, arquitetos e peritos apontassem um desastre ambiental, a administração municipal manteve o discurso de que era uma medida em prol da sustentabilidade.

Outro ponto que pesou na balança foi a paralisação da obra do complexo Macambira–Anicuns. Com verba garantida pelo Banco In­teramericano de Desenvolvimento (BID) e idealizado para ser a maior intervenção urbana já realizada na capital, beneficiando uma fatia considerável de áreas e bairros da cidade, o projeto seria realmente algo que traria o conceito de cidade sustentável para Goiânia. Só que pouco andou nos últimos dois anos. A empresa vencedora da licitação parou as obras para exigir um aditivo e o impasse fez com que tudo se arrastasse até a paralisação total. Dois anos perdidos e, com nova licitação fechada após o distrato, a Prefeitura fala em recomeçar os trabalhos ainda este mês.

Mad Max em Goiânia

Derrotada na votação do aumento do IPTU na Câmara, o ano de 2014 começou com dificuldades para a Prefeitura, e piorou bastante nos meses seguintes. Veio a chamada crise do lixo, que teve seu auge entre abril e maio. Visualizar, pelas ruas da capital, montes de sacos plásticos pretos e azuis recheados de dejetos foi um golpe fatal no conceito de sustentabilidade que se pretendia trazer à tona. Pelo contrário, Goiânia se mostrava insustentável: sair pela cidade por vezes parecia estar em meio a um local semidestruído ou abandonado há tempos. “Mad Max” no Cerrado, ou algo assim.

A eleição de 2012 parecia que seria tranquila em termos de recondução de Paulo Garcia, principalmente depois do ocaso político de Demóstenes Torres, então senador e principal pré-candidato à Pre­feitura, com o estouro da Ope­ração Monte Carlo. Não haveria, então, por que fazer apostas arriscadas e projetos mirabolantes.

Ou seja, investir toda uma campanha eleitoral em um tema complexo como a sustentabilidade seria desnecessário para ganhar, apesar de nobre. Algo como usar patins ao apostar corrida com uma tartaruga, dados os adversários que Paulo Garcia teria. De qualquer forma, já que a aposta era essa e se a aposta era para valer, conquistada a vitória seria preciso dar logo indícios de que seria possível bancá-la de maneira pelo menos similar ao que se propunha.
Não foi o que ocorreu e fica, então, a impressão de que tudo não passou de discurso para ganhar campanha. Os “patins” contra a tartaruga e nada mais que isso. Isso apesar de ter gente de alto gabarito e bastante envolvida com a questão ambiental, como Nelcivone Melo, que passou por várias pastas no governo petista e começou a atual gestão como titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano Sustentável (Semdus). O problema foi que o discurso acabou não efetuado na prática.

Análise – No bairro, um microcosmo nada sustentável

O lugar em que habitamos e sua vizinhança é um microcosmo. Às vezes dá ideia do que é o todo de uma cidade. Vejo isso, de certa forma, ocorrer com o Conjunto Itatiaia, na região norte de Goiânia, ao lado do campus da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Na rua em que moro têm galhadas de árvores podadas cujos montes chegavam a dois metros de altura. Diminuíram um pouco, porque murcharam e secaram. Fizeram aniversário: já estão há pelo menos dois meses ocupando as calçadas, impedindo o já difícil trânsito de pedestres por plataformas sem qualquer acessibilidade. Como os proprietários das casas não tomaram as devidas providências e o poder público não reagiu — ou levando o entulho ou aplicando o Código de Posturas —, os demais moradores sofrem com a aparência de abandono, com a sujeira e com o risco de tudo aquilo virar uma grande fogueira a qualquer momento.

O acesso à UFG é mais uma prova de descaso de gestão. Lá perto, há um ponto final de ônibus, com garagem construída em espaço cedido pela universidade para abrigar os veículos. Muitos deles ficam à margem da pequena via que liga o bairro à instituição, atravancando o trânsito, que já seria complicado naturalmente — as conversões são feitas por uma precária e improvisada rótula. Já solicitei algumas vezes — e há mais de ano — a pessoas dos órgãos responsáveis que fosse implantada alguma sinalização para inibir a prática e evitar o tumulto. Nada foi feito.

Na verdade, a população não quer nem exige muita coisa de um prefeito. Ele nada mais precisa ser do que um bom síndico para satisfazer e ser aprovado. Nion Albernaz, por três vezes, e Darci Accorsi não fizeram obras colossais para angariar a admiração da população. Resolveram-se com o feijão com arroz e saíram-se muito bem.

O povo quer rua sem buraco, calçada sem acúmulo de lixo, praças aprazíveis, luz no poste da avenida, sala de aula e Cais funcionando. Fazer o básico já é ser bastante sustentável, para os leigos no tema. Mais do que isso é bem-vindo. Menos do que isso é maldito. (Elder Dias) 

Fonte: Jornal Opção

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