A interiorização da saúde

Data: 07/10/2014

Veículo: O Popular

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A interiorização da saúde

O debate que se instalou no País, por ocasião da implantação do Programa Mais Médicos, tem sido feito de forma superficial, político-partidária e centrada basicamente na presença e contribuição dos médicos estrangeiros, sobretudo os cubanos. É preciso avançar na concepção do programa para além da superficialidade das discussões midiáticas, que ora o colocam como um programa partidário e eleitoreiro, ora se alinham na defesa intransigente das categorias profissionais, como se estas tivessem credenciais para assumir o protagonismo sobre as políticas públicas de Estado.

O Estado de Goiás possui peculiaridades territoriais importantes. Localizado no centro geográfico do País, ele se situa como um anteparo de oferta de serviços especializados entre o Norte e o Sul, divisão clássica que separa historicamente os dois “Brasis”. No campo específico da oferta de serviços especializados e qualificados nos vários ramos da saúde é sabido que o eixo Goiânia/Anápolis se coloca em destaque no cenário nacional e polariza uma imensa base territorial do Centro, Norte e Nordeste do País. No plano geográfico goiano essa relação também se estabelece em uma rede concêntrica, da periferia para o centro e sem ainda uma rede estruturada em termos de saúde pública. O fluxo de encaminhamentos de pacientes do interior, em distâncias imensas (pensemos em um paciente com uma fratura exposta viajando 300 quilômetros em uma ambulância), nem sempre segue uma regra de transição entre baixa e alta complexidade. Não raro, o encaminhamento se dá por uma resposta política imediata da prefeitura até por não ter condições mínimas de atender a urgências e emergências. As casas de apoio aos munícipes espalhadas por Goiânia, sempre abarrotadas de pacientes, também são um sintoma clássico de resposta política a essa concentração de serviços.

Uma etapa fundamental para o fortalecimento de uma rede pública no Estado começa a ser delineada com a oferta de cursos de graduação na área de saúde, com ênfase na saúde coletiva, principalmente pela Universidade Federal de Goiás, por meio de suas regionais. Jataí começa a ganhar contornos e fortalecer-se como núcleo regional importante de formação, com os cursos de biomedicina, fisioterapia, psicologia, enfermagem e mais recentemente o início da primeira turma curso de medicina. No Câmpus da Regional Catalão, que já oferta os cursos de enfermagem e psicologia, o MEC acaba de autorizar o curso de medicina para início em 2016. Ao todo o MEC autorizou a expansão de 110 vagas para a UFG, acompanhadas de 120 cargos de docentes e 60 cargos de técnicos administrativos, além de recursos de capital e custeio. Esses dois campi já desenvolvem plenamente a graduação e pós-graduação no âmbito das áreas básicas – exatas e biológicas. O Câmpus da Regional Cidade de Goiás se articula com a sociedade local e regional tendo em vista as perspectivas de avanços para a formação na área da saúde, inclusive, com possibilidade de outro projeto de curso de medicina.

A interiorização dos cursos de graduação na área da saúde, como o de medicina, orientado pelo sistema federal de ensino superior, contribuirá em médio prazo, no Estado de Goiás e em outras regiões brasileiras, para redimensionar a rede pública de atenção primária à população distante dos grandes centros, além de propiciar a revitalização de centros de saúde em todo o Estado, hoje sucateados por absoluta falta de profissionais e por dificuldades estruturais enfrentadas, sobretudo por municípios de pequeno porte. A orientação dada pelos projetos pedagógicos dos cursos, quanto ao aspecto formativo, é no sentido de garantir que o campo e os cenários de prática sejam instalados em todos os municípios da região de abrangência dos cursos, principalmente no que se refere a relação leito/estudante, equipes de saúde da família e atendimento de urgência e emergência. Além disso, a rede de saúde instalada no município que sedia o curso deve fornecer as condições de atendimento e infraestrutura capazes de oferecer, ao final da implantação, pelo menos três áreas de residências médicas.

O resultado desse processo, esperado para uma década, é a efetiva ampliação do atendimento à atenção primária à população, articulado com uma rede regional especializada, com forte apelo à descentralização do atendimento à saúde no interior de Goiás. O debate sobre Programa Mais Médicos, sobretudo no aspecto formativo, deve ultrapassar os simplismos enunciados nas políticas partidárias e nos conselhos de classe, para entendermos o real alcance da proposta e os benefícios coletivos que ela assinala. A sua consolidação deve ser concebida e fortalecida como uma política de Estado, alicerçada em um forte princípio republicano e federativo.

Deve ser lembrado, finalmente, que o tempo aproximado para formação adequada de um profissional médico – entre seis e oito anos –, é por demais suficiente para se discutir, propor e aprovar uma carreira de Estado que valorize, dignifique e dê condições para que os profissionais de saúde formados para a atenção básica da população dediquem-se integralmente à tarefa nobre de cuidar das pessoas, especialmente, antes que elas adoeçam.

 

Manoel Rodrigues Chaves é professor e orientador dos Programas de Pós-Graduação em Geografia e em Gestão Organizacional – Regional Catalão e vice-reitor da UFG

Fonte: O Popular

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