Derrubando palmeiras – e a vida

Data: 16 de outubro de 2014

Veículo: O Popular

É muito frustrante ler neste jornal (9/10) que a empresa de distribuição de energia continua “o serviço de retirada das palmeiras imperiais da Avenida Contorno Sul” – sob protesto dos moradores da área, que há 14 anos entraram com recursos que permitiram o plantio de 58 palmeiras. E lá estava no jornal uma constrangedora foto de uma palmeira já a meio caminho da queda, raízes à mostra, arrancada do chão por um guindaste. E, ao fundo, muitas outras palmeiras à espera do mesmo destino inglório.

Pior ainda, ficou-se sabendo que desde 2007 acontecia uma disputa na Justiça, que agora deu ganho de causa à distribuidora, em seu propósito de ali implantar “uma rede de alta tensão”. É quase inacreditável que o Judiciário assim tenha decidido, deixando para trás os interesses dos cidadãos e muitos outros cuidados que deveriam ser tomados. Primeiro, deixando que se destrua um ambiente que os cidadãos criaram com dinheiro de seu bolso – a paisagem bonita, a temperatura mais amena, a preferência para pedestres e não para o transporte por veículos que afoga as cidades. Depois, deixando que dia a dia nossas cidades sejam ocupadas por milhares de quilômetros de redes aéreas (a cidade de São Paulo tem perto de 150 mil quilômetros, incluindo redes elétricas e de comunicações) e subterrâneas.

Também dia a dia aumenta a diferença de temperatura entre áreas arborizadas e outras despidas de vegetação – em Goiânia mesmo, estudos da UFG já mostraram diferença de 5 a 6 graus Celsius entre umas e outras, inclusive porque a concentração de edifícios leva a que um reflita para outros as radiações solares e o processo se multiplique, com graves consequências.

Além disso, durante a semana, com a concentração do calor, chove mais nessas áreas, com problemas para o trânsito, e chove menos nas regiões que precisam das chuvas para o curso dos rios. Nos fins de semana, acontece o contrário, chove menos nas áreas muito ocupadas, quando o trânsito é menor.

Não é só. A impermeabilização do solo urbano, impedindo a infiltração de água, aumenta o volume da que precisaria escorrer pela rede de drenagem, que, obstruída por sedimentos, é insuficiente ou não existe. A água, então, por força da gravidade, só pode correr pelas ruas em direção às regiões de nascentes, provocando inundações no trajeto e na chegada – como costuma acontecer, por exemplo, na região do Fórum de Goiânia, onde estão nascentes do Buriti.

A retirada das palmeiras e dos canteiros agravará esse processo. E tudo isso traz também para o centro da questão os graves problemas do lixo que se espalha e da deposição de esgotos em cursos d’água.

E cabe então perguntar: de quem é a cidade, a quem pertence? Não é aos cidadãos? E por que se faz o que eles claramente manifestam que não desejam? Pretende-se continuar com o processo de crescimento físico a qualquer custo, que transforma a cidade num amontoado infindável de edifícios onde não se vê uma única pessoa às janelas e varandas – um triste deserto de pedra, na aparência?

O autor destas linhas, que passou a primeira infância numa pequena cidade do interior paulista, ainda se lembra do tempo em que uma criança de 6 ou 7 anos de idade podia tranquilamente andar sozinha por qualquer lugar, sem correr risco, conhecida e protegida por todo mundo. Mas também viu a cidade de São Paulo passar de um milhão de habitantes, no início da década de 40, para 2 milhões, pouco mais de uma década depois, para 4 milhões, 15 anos mais tarde – e para 12 milhões, hoje (18 milhões na região metropolitana). Com dois terços dos habitantes, segundo pesquisas, pensando em mudar-se – para onde?

Da mesma forma, assistiu à Goiânia planejada para 100 mil habitantes e que já tinha 600 mil no início da década de 80, chegar a 1,7 milhão e continuar se expandindo fisicamente, com o processo de migração do campo e do Nordeste. Mas com a violência crescendo assustadoramente, o trânsito infernal, as pessoas se isolando de tudo. E os relatórios internacionais advertindo para a insustentabilidade de um mundo que passe para mais de 9 bilhões de pessoas em meados do século, 11 a 12 bilhões até 2100, e que terá 70% da população vivendo em áreas urbanas (hoje, 50%).

Que sentido, então, faz derrubar palmeiras imperiais que os cidadãos plantaram para tornar a cidade mais habitável?

 

Washington Novaes é jornalista

Fonte: O Popular

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