“Serial killer não tem freios morais”

Data: 19/10/2014

Veículo: Diário da Manhã

Link direto: http://www.dm.com.br/texto/194527-serial-killer-nao-tem-freios-morais

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Repórter: Renato Dias

Sem freio moral, o assassino em série (serial killer) possui como característica a indiferença em relação aos sentimentos alheios, além da crueldade imotivada, assim como baixa empatia afetiva, explica com exclusividade ao Diário da Manhã o médico psiquiatra Lúcio Malagoni.

– Um criminoso homicida, responsável por assassinatos (ou tentativas) repetidos, a maioria sem uma motivação imediatamente compreensível, como obtenção de lucro ou outras vantagens, de sexo, disputa por poder, resposta a provocação.

O especialista observa também que outro traço em comum é a hipofunção da região anterior do cérebro, o lobo frontal, que já foi chamado de “endereço ético cerebral”. Mais: eles não sentem remorso. Existe, frequentemente, extrema frieza de ânimo, aponta Lúcio Malagoni, graduado na Universidade Federal de Goiás (UFG).

O cérebro do serial killer possui regiões denominadas “centros de recompensa”, onde o mediador dopamina é liberado após uma refeição saborosa, um orgasmo, ou o uso de drogas, por exemplo, conta. Nestes indivíduos, essa liberação da dopamina pode ser propiciada pelos atos violentos, e pelo sofrimento da vítima.

Preso

O vigilante Thiago Henrique Gomes da Rocha, de 26 anos de idade, preso pela Polícia Civil de Goiás, suposto responsável por 39 assassinatos em Goiás, que tentou suicidar-se, teria uma expectativa negativa em relação ao seu futuro, analisa o psiquiatra, ex-professor da Faculdade de Medicina. 

– A ausência de bases éticas e de sentimentos superiores, de relações afetivas significativas, de uma rede social robusta de amparo, esteios psíquicos nas dificuldades humanas, vão tornar esse indivíduo mais propenso ao autoextermínio, entre outros fatores.

 

serial killer goiânia

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Perfil

Nome completo: Lúcio Malagoni Cardoso

Idade: 46

Formação: Médico psiquiatra, com atuação em Clínica  Forense

Instituições em que estudou: Graduação e Residência na Universidade Federal de Goiás (UFG), onde atuou também como professor de 2006 a 2011. 

Leia a íntegra da entrevista:

Diário da Manhã – O que é um serial killer?

Lúcio Malagoni – Um criminoso homicida, responsável por assassinatos (ou tentativas) repetidos, a maioria sem uma motivação imediatamente compreensível como obtenção de lucro ou outras vantagens, de sexo, disputa por poder, resposta a provocação, etc...

DM – Qual o seu perfil?

Lúcio Malagoni – É comum entre esses indivíduos características psicopáticas como indiferença aos sentimentos alheios, ausência de freios morais, crueldade imotivada, baixa empatia afetiva. Em geral não aprendem com seus erros. Desprezo por sentimentos elevados e noções humanitárias. Existem perfis mais “desorganizados”, agindo impulsivamente, e outros mais metódicos e sistemáticos.

DM – Como funciona o seu cérebro?

Lúcio Malagoni – Um traço em comum é a hipofunção da região anterior do cérebro, o lobo frontal, que já foi chamado “endereço ético cerebral”.

DM – O que há de comum no comportamento de criminosos dessa natureza?

Lúcio Malagoni – Como já citado, os crimes repetidos, muitas vezes seguindo um padrão que pode ser inaparente a uma análise superficial (tipo de vítima, modus operandi). Alguns deixam uma espécie de assinatura, que identifica sua atuação. Outros sentem especial satisfação visitando os locais onde são encontrados os corpos, ou se envolvendo de alguma forma nas cercanias familiares, locais, consequências sociais dos crimes. Também a divulgação dos detalhes, e a narração destes pode ser fonte de especial excitação para eles.

DM – Ele sente remorso?

Lúcio Malagoni – Não. Além da recorrência, essa é uma das características centrais de seu comportamento. Existe frequentemente extrema frieza de ânimo.

DM – De onde vem a compulsão para matar?

Lúcio Malagoni – Alguns experimentam uma satisfação especial no ato, outros atuam para dirimir um desconforto crescente, que então cessa. Podem ocorrer ambos os processos em graus variados. 

DM – Ele sente prazer?

Lúcio Malagoni – A preparação e planejamento (nos tipos metódicos), as preliminares peri-crime, os requintes de sadismo, podem ser elementos proeminentes. Apanhados, a narrativa dos atos a autoridades e imprensa também pode ser fonte de gratificação subjetiva. Alguns chegam a se comunicar de alguma forma com a sociedade, enviando alertas, mensagens, etc, antes de serem capturados.

DM – O prazer que o serial killer ou o psicopata sente é como um orgasmo?

Lúcio Malagoni – O cérebro possui regiões denominadas “centros de recompensa”, onde o mediador dopamina é liberado após uma refeição saborosa, um orgasmo, ou o uso de drogas, por exemplo. Nestes indivíduos, essa liberação da dopamina pode ser propiciada pelos atos violentos, e pelo sofrimento da vítima, e os atos relacionados.

DM – O ambiente onde ele nasceu, cresceu e vive tem influência na formação de sua personalidade?

Lúcio Malagoni – Sim. São mais frequentes históricos de abandono, abusos físico e sexual, uso de álcool e drogas. Mas como todas as disfunções psiquiátricas, ocorre uma interação complexa entre a herança genética do indivíduo (hereditariedade) e os fatores ambientais.

DM – Ausência de pai e mãe, carência afeita contribuem para a formação de personalidade dessa natureza?

Lúcio Malagoni – Sim.

DM – Um suposto passado de abuso sexual na infância pode gerar distúrbio psiquiátricos dessa natureza?

Lúcio Malagoni – O antecedente de abuso sexual é muito mais frequente entre eles do que na população em geral.

DM - Tanto o “maníaco de Luziânia” quanto Thiago Gomes Rocha tentaram o suicídio. O primeiro, conseguiu. O segundo, não. O que há de comum nisso?

Lúcio Malagoni – Apanhados, a expectativa é sempre muito negativa em relação ao seu futuro. A ausência de bases éticas e de sentimentos superiores, de relações afetivas significativas, de uma rede social robusta de amparo, esteios psíquicos nas dificuldades humanas, vão tornar esse indivíduo mais propensos ao autoextermínio, entre outros fatores.

DM – Prostitutas, gays e mulheres constituíam o perfil dos 39 assassinatos supostamente cometidos por Thiago Gomes da Rocha. Qual a sua análise sobre os perfis das vítimas?

Lúcio Malagoni – Em primeiro lugar, vulnerabilidade. Ele atua de forma sorrateira, e escolhe, em geral, vítimas mais indefesas sexualmente, socialmente, fisicamente. Nesse caso, a questão sexual também sobressai: ambiguidade sexual, sugerindo conflitos intrapsíquicos relacionados ao tema, e a mistura de erotismo/ódio/sadismo.

Fonte: Diário da Manhã

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