O prazer da dor

Data: 20/10/2014

Veículo: Diário da Manhã

Link direto: http://www.dm.com.br/texto/194623-o-prazer-da-dor

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Repórter: Saulo Humberto

 

Existem atividades e reações dolorosas que provocam sentimentos prazerosos em algumas pessoas

 

Você está realizando alguma ação do dia a dia e de repente se machuca, provavelmente, sentirá dor. Mas, existem pessoas que realizam atividades consideradas bem doloridas para a maioria da população e sentem prazer nisso, como, por exemplo, a suspensão corporal.

“Suspensão corporal é uma forma de elevar o corpo através de ganchos passados na pele. Pode ser por esporte, diversão, show”, explica a artista plástica, estudante de artes visuais e responsável pela Valkirias Equipe de Suspensão, Alessandra Favoritto. Atualmente, com 21 anos, ela diz que fez a primeira suspensão quando estava com 18 anos, e que sempre gostou dos processos que lidam com o corpo. “A primeira foi um suicide, que é uma suspensão que a gente considera simples, boa para se iniciar porque você fica com o corpo bem solto, pode brincar bastante, foi numa convenção de tatuagem daqui (Goiânia) com pessoas que também já não moram mais aqui, nem executa mais suspensão.”

Alessandra explica que o Grupo Valkirias, composto por ela e mais três pessoas (Letícia, Murillo e Rayanne), surgiu em fevereiro de 2013, quando realizou a primeira atividade em Goiânia. “A gente fez 13 suspensões em dois dias com uma equipe de São Paulo que veio para dar instruções pra gente poder começar o nosso trabalho. A gente sempre se encontra, faz suspensão ou na minha casa ou na casa de algum deles. Os nossos encontros são bem pessoais, e raramente a gente organiza eventos. Aqui (no Motim Cultural da UFG) a gente foi convidado para vir. A gente tem uma página e lá a gente posta quando vai ter a suspensão e quando alguém quiser, vem e agenda, porque o equipamento é nosso, então a gente pode fazer a qualquer momento, mas marcar evento de tentar reunir muita gente para fazer num dia só, isso a gente quase não faz mais”, afirma.

Exemplos

Praticando a suspensão corporal pela terceira vez o tatuador João Victor, de 25 anos, diz que iniciou por curiosidade, depois gostou do resultado e continuou fazendo. Quando perguntado sobre a dor, ele é direto. “Dói só na hora que levanta, depois é só adrenalina”, afirma o tatuador, garantindo que ainda realizará mais suspensões. 

A estudante Amanda Morbeck, de 20 anos, também é praticante da suspensão corporal. “Meu interesse na suspensão vem desde que descobri a prática, não me recordo exatamente com quantos anos, mas foi bem nova, eu devia ter cerca de 14 a 16 anos. Tive que esperar completar meus 18 anos pra me suspender pela primeira vez. A sensação é única, não dá pra explicar. Você se balança e roda, é muita diversão”, diz.

Ela explica que já sofreu preconceito “em todos os lugares. Já aconteceu de pessoas não sentarem do meu lado no ônibus, ou me abordar na rua pra falar coisas a respeito, insultos, me fazer ‘aceitar Jesus’. Na minha primeira suspensão, assim que postei foto, várias pessoas vieram me insultar. Mas é o que normalmente acontece com a parte que ‘não se encaixa’ na sociedade”, diz.

Em relação à divulgação dos eventos, ela é direta. “Os eventos de suspensão já são poucos, devido ao público ser pequeno. A divulgação é menor ainda. Há um certo receio em divulgar pra sociedade, particularmente, acredito que grande parte dela não está preparada pra esse novo mundo que estamos entrando”, conclui.

Dor 

A responsável pelo grupo Valkirias afirma que a dor é inevitável, mas vai depender de vários fatores, “de onde você perfura no corpo. Para as mulheres, depende também se está próximo da menstruação, depende da sua alimentação, se você beber, se você ingerir álcool, seu sangue fica mais ralo e você vai sangrar mais. Do ambiente que é feito também. Acho que aqui (no Motim Cultural da UFG), nesses ambientes você fica cheio de adrenalina, aí acaba que não sente nada”, explica.

Outro fator que influencia na dor é a parte do corpo pela qual a pessoa é suspensa. “Depende de pessoa pra pessoa e tem as suspensões que a gente já sabe de vivência que elas doem mais. Tem partes do corpo que você pega que o tecido é fininho, têm outras que são mais grossas. Tipo o joelho, ele é bem fininho numa pessoa magra, e se você pegar no bumbum, por exemplo, é um tecido mais adiposo, então depende disso também.”

Amanda afirma que: “é comum as pessoas associarem pessoas com tatuagens às pessoas que gostam de sentir dor, muitos me chamam de masoquista. Mas longe disso. Eu sinto dor e não gosto dela, mas gosto do resultado final, o que me dá ‘coragem’ pra suportar e enfrentar essa dor”, explica.

Doença

O neurocirurgião Ledismar José da Silva explica que conforme o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, 5ª edição, feito pela Associação Americana de Psiquiatria, “podemos classificar as pessoas que sentem prazer na dor como um transtorno de personalidade conhecido como sadomasoquismo. Sadismo corresponde ao prazer obtido ao inflingir dor ao parceiro e ao masoquismo, prazer em sofrer. De acordo com Freud o caráter sadomasoquista está relacionados com perigos infantis de perda do objeto, de perda do amor, e de castração sendo que estes mecanismos psicológicos de defesa varia de um paciente para outro”.

O médico explica que o “acompanhamento psiquiátrico e psicológico são importantes para controle clínico da doença”. Quando se trata de atividades que provocam dor, o neurocirurgião explica que “mesmo nos estímulos dolorosos existe liberação de neurotransmissores mediado pelo sistema nervoso autônomo que fica ativado em situações de estresse como no levantamento corporal. Nesta situações a presença de endofirnas causam sensação de bem-estar e prazer”, conclui.

Ao contrário do neurocirurgião, o neurologista clínico, Fernando Elias Borges, afirma que “não dá para se caracterizar como transtorno ou como uma doença, desde que a pessoa durante a sua busca da sensação de prazer, não cause prejuízo, sofrimento a nenhuma outra pessoa, isso não é tipificado como uma patologia, uma doença”. 

Quando questionado sobre as pessoas que praticam suspensão humana, ele diz que “o que está relacionado aí é justamente a busca da sensação de prazer, estimulada por uma sensação de estresse, uma descarga adrenérgica intensa. Então, ele se submete primeiro a sensação extremamente dolorosa que ao ultrapassar um determinado linear vai produzir uma percepção de prazer. O comportamento humano nesse sentido é modulado por substâncias que quando em grande quantidade no sistema nervoso central vão bloquear a percepção dolorosa”, diz.

O neurologista concede uma recomendação às pessoas que praticam essa atividade. “Essas pessoas, em busca da sensação de prazer, elas se submetem a uma sensação de risco alto, então o que a pessoa tem que pesar é isso. Será que isso que eu faço expõe a minha saúde a algum risco. Se ele acha que expõe ele tem que procurar ajuda profissional, e aí, talvez, dependendo do que ele sente se expondo ao risco, uma ajuda de um psicólogo, uma ajuda de um psiquiatra.” 

Quando questionado sobre a possibilidade da ação se tornar um vício Fernando explica: “A sensação de prazer, ela produz uma necessidade de recompensa, de repetir o estímulo, isso pode produzir uma sequência de repetições que gera vício. Se a pessoa faz isso ao ponto de deixar de fazer outras coisas, de deixar de conviver com outras pessoas, deixar de se relacionar socialmente com outras pessoas, isso pode prejudicar a vida dele, aí ele tem que procurar uma ajuda profissional, um auxílio profissional, de psicólogos ou psiquiatras”, conclui.

Fonte: Diário da Manhã

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